Crescimento urbano e ineficiência de transportes desafiam mobilidade na Barra dos Coqueiros
- Josino Neto
- há 3 dias
- 8 min de leitura
Por: Jairo Santos, Marcus Trindade e Mateus Tavares
Foto: Marcus Trindade

Nas ruas do município de Barra dos Coqueiros (SE), o vai e vem diário dos habitantes da cidade revela uma rotina marcada por desafios que vão além do trânsito. A região, em pleno crescimento populacional, imobiliário e econômico, enfrenta problemas na mobilidade urbana que impactam diretamente a vida de quem precisa se deslocar entre bairros e também para a região metropolitana da Grande Aracaju.
Linhas de ônibus insuficientes para a grande quantidade de pessoas, ruas esburacadas e a ausência de ciclovias compõem um cenário que limita o direito de ir e vir, previsto no Artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Mais do que um problema de tráfego, a mobilidade na Barra dos Coqueiros expõe desigualdades e impõe barreiras invisíveis ao desenvolvimento local.
Mas afinal, o que é mobilidade urbana? Esse conceito é fundamental para o planejamento de uma cidade moderna. Refere-se à maneira como as pessoas se deslocam dentro dos espaços urbanos, seja por transporte público, privado, coletivo, ou a pé. Esse termo abrange também acessibilidade, inclusão, eficiência e, principalmente, o direito de ir e vir. Para que a mobilidade urbana seja efetiva, deve-se ter a garantia de conexão das pessoas com oportunidades, sejam elas de trabalho, saúde, educação ou lazer.
O professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe e diretor do Campus de Laranjeiras, Cesar Henriques, explica o conceito de mobilidade urbana: “É a parte do urbanismo que estuda o deslocamento das pessoas, dos bens e das mercadorias no espaço urbano e no espaço metropolitano. É entender como as pessoas se deslocam na cidade, de que maneira e com quais modais”.
Evolução da região da rotatória central da Barra dos Coqueiros nos últimos 22 anos, entre 2003 e 2025.
Arte: Mateus Tavares
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região da Barra teve um salto significativo no número de habitantes entre os anos de 2010 e 2022, com um aumento de 66,7%, tornando-se o município sergipano que mais cresceu no período. Além disso, a quantidade de domicílios mais que dobrou no mesmo espaço de tempo, saindo de 9.619 para 20.169.
Ainda segundo o IBGE, de 2013 a 2025, o número de veículos automotivos na Barra cresceu de 3.231 para 14.022. Em contrapartida, o número de linhas de ônibus na cidade permaneceu inalterado em apenas quatro. Esse descompasso entre o aumento da frota de veículos particulares e a estagnação do transporte coletivo contribuiu para o agravamento dos congestionamentos na região.
O crescimento da capital sergipana, a busca por novos espaço urbanos e a construção da ponte Construtor João Alves, que liga Aracaju à Barra, foram fatores cruciais para esta conjuntura. Este crescimento, no entanto, não foi acompanhado pelo desenvolvimento proporcional da infraestrutura, gerando inúmeros desafios relacionados à mobilidade urbana.
Entretanto, segundo o assessor de comunicação da Prefeitura da Barra, Fábio Viana, além de possuir um Plano Diretor, lei municipal que estabelece as diretrizes para o crescimento e desenvolvimento urbano de uma cidade, o município possui o plano “Acelera Barra”, que inclui investimento em infraestrutura, reformas e modernização de terminais e aquisição de ônibus novos e climatizados para o transporte coletivo.
Ainda assim, ele alega que investimentos vêm sendo realizados em ações voltadas para melhorar o tráfego e a circulação de pessoas, a exemplo da construção de uma nova avenida com vias duplas que irá interligar a Avenida Mangabeiras, no bairro Espaço Tropical, à Avenida Antônio Nunes Vasconcelos, no bairro Luar da Barra.
A transformação constante da Barra dos Coqueiros é potencializada pela expansão imobiliária. Grandes empreendimentos, como residenciais, condomínios fechados e loteamentos, que surgiram nos últimos anos, foram construídos em diferentes regiões na cidade, especialmente nas proximidades da ponte que liga o município à capital.
O interesse das construtoras, ligado à falta de políticas públicas de regulamentação, tem alterado a paisagem urbana e deslocado a população de baixa renda para as regiões periféricas, onde o acesso a serviços de transporte sofre um déficit maior. A baixa densidade populacional nas faixas litorâneas da região, unida com a vasta disponibilidade de terrenos mais baratos e com maiores dimensões, impulsionou, nos últimos anos, a construção de condomínios fechados, loteamentos de acesso controlado e especulação imobiliária.
Esse processo levanta uma discussão importante sobre o direito à cidade, conceito que vai além do simples acesso físico ao espaço urbano. Este direito prevê que todos os cidadãos possam usufruir plenamente dos benefícios da vida urbana, com igualdade de acesso à infraestrutura, transporte, serviços públicos e oportunidades. Quando a expansão urbana é desorganizada e excludente, há uma limitação do direito de ir e vir, um dos pilares da mobilidade urbana.
Segundo a advogada e presidente da Comissão de Direito de Trânsito e Mobilidade da OAB de Sergipe, Leisly Mendonça, há uma relação direta entre o direito de ir e vir e a mobilidade urbana. “O direito de ir e vir está previsto constitucionalmente e a mobilidade urbana é a condição prática para esse direito. Ambos estão interligados, ou seja, quando não se tem um, não se tem o outro”, explicou.
A ausência de políticas públicas integradas de habitação, transporte e urbanismo contribui para o agravamento dos problemas de mobilidade. Em muitos casos, moradores das áreas mais afastadas enfrentam longos deslocamentos até seus locais de trabalho ou estudo, com poucas opções de transporte coletivo, vias mal conservadas e falta de calçadas adequadas para circulação a pé.
Estes indivíduos acabam tendo que pegar mais de um transporte para conseguir chegar até o seu local de destino, principalmente em horários de pico. “Das seis às oito da manhã e a partir das cinco da tarde, é aí que o aplicativo não para de apitar e temos trabalho sem parar”, afirma o mototaxista e motorista de aplicativo da cidade, Luan.
TRANSPORTES QUE NÃO INTEGRAM
Atualmente, o município faz parte do Consórcio de Transporte Público Coletivo Intermunicipal, que atende a região Metropolitana de Aracaju. Entretanto, apenas quatro linhas de ônibus garantem a mobilidade na cidade, levando passageiros para pontos específicos e restritos, como o centro da Barra, o Mercado Municipal Vereador Zé de Sate, e a praia da Atalaia Nova, no litoral.
No entanto, muitos moradores se queixam da falta de regularidade, superlotação e tempo excessivo de espera. Em horários de pico, o número de ônibus disponíveis é insuficiente para atender à demanda, o que compromete a qualidade do serviço e leva parte da população a fazer o uso de alternativas mais caras, como transporte por aplicativo. O resultado disso é um sistema ineficiente, que não acompanha o ritmo de crescimento da cidade e fragiliza o direito a um deslocamento digno.
Trajetos percorridos pela frota de ônibus entre localidades situadas na Barra dos Coqueiros e em Aracaju.
Mapa: SMTT Aracaju
A assistente social Evelyn Barreto, moradora local, relata que os ônibus circulam apenas nas regiões centrais da cidade, gerando um maior tempo de deslocamento. “Para chegar no trabalho, tenho que sair de casa com no mínimo uma hora e meia de antecedência. Não leva tudo isso para chegar lá, mas eu conto com imprevistos porque não sei como a ponte vai estar”, afirmou.
Além disso, a pavimentação e a infraestrutura viária ainda são deficientes em muitos bairros, especialmente os mais afastados do centro urbano, a exemplo de Moisés Gomes e Olimar. Ruas esburacadas, falta de sinalização, ausência de ciclovias e calçadas intransitáveis são problemas recorrentes. Isso afeta diretamente a segurança de pedestres e ciclistas, e dificulta a circulação de veículos e da própria frota de ônibus.
Não há uma rede eficaz que permita, por exemplo, a combinação entre diferentes modais, como bicicleta e ônibus, ou entre transporte alternativo e coletivo. Essa falta de planejamento integrado contribui para a dependência excessiva de carros particulares, o que, por sua vez, agrava o trânsito, contribuindo para longos congestionamentos, especialmente em horários de pico.
Nesse contexto, as tototós, tradicionais embarcações que fazem a travessia entre Barra e Aracaju pelo Rio Sergipe, são uma alternativa prática para uma mobilidade mais rápida. Além do tempo de deslocamento em relação às vias terrestres ser menor, elas ajudam a desafogar o trânsito nas pontes, sendo uma opção para quem precisa se locomover diariamente entre as duas cidades.
As principais alternativas de transporte utilizadas na Barra dos Coqueiros são os ônibus, bicicletas, carros, motos e tototós, que conectam as principais localidades entre a cidade, a região e a Grande Aracaju.
Fotos: Mateus Tavares e Marcus Trindade
O engenheiro de tráfego da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) da cidade, Gabriel Marques, avalia que o principal gargalo de mobilidade da cidade é a existência de uma única via de acesso ao município e defende o projeto de construção de uma nova ponte de acesso à Barra.
“Com a chegada da nova ponte, teremos uma desconcentração de problemas, uma vez que a única entrada e a única saída da cidade é a ponte Construtor João Alves. Apesar do crescimento, a Barra ainda é uma região de dormitório. As pessoas saem daqui para se deslocar até outro município para trabalhar e voltam”, afirma.
TENSÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
O debate jurídico sobre a mobilidade urbana na Barra começa pela Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), que estabelece prioridade ao transporte coletivo e aos modos ativos, como caminhada e bicicleta. Na prática, isso significa projetar planos municipais de mobilidade, incluindo diagnóstico de oferta, demanda, acessibilidade e segurança nas vias. Quando a cidade mantém uma frota reduzida e intervalos extensos, por exemplo, abre-se espaço para questionamentos sobre a adequação do serviço público.
Advogada Leisly Mendonça fala sobre legislação e possíveis soluções que envolvem mobilidade no município.
Vídeo: Mateus Tavares e Jairo Santos
Como solução estruturante, a proposta de uma nova ponte ligando Aracaju à Barra recoloca em pauta uma saída para as questões que envolvem a mobilidade urbana. O governador do Estado, Fábio Mitidieri, ao defender a obra, afirma: “Quando a gente identificou que a ponte Aracaju-Barra sozinha não dava mais conta do trânsito, despertou em nós o desejo de construir uma segunda ponte. Nisso, contratamos um estudo que apontou uma necessidade urgente de iniciar essa obra”.
A mobilidade urbana na Barra sintetiza dilemas que muitas cidades brasileiras em crescimento enfrentam: a necessidade de equilibrar desenvolvimento, inclusão social e sustentabilidade. A cidade, apesar dos avanços pontuais e da promessa de solução estruturante, como a construção da nova ponte, ainda convive com uma frota de ônibus insuficiente, infraestrutura precária e um planejamento que não dá conta da realidade metropolitana.
De acordo com a Cartilha de Apoio à elaboração de planos de mobilidade urbana, elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, alguns tópicos são estruturantes para o plano municipal de cidades com até 100 mil habitantes, como é o caso da Barra. A exemplo de: serviço de transporte público coletivo, circulação viária, acessibilidade de pessoas com deficiência, áreas de estacionamento, mecanismos e instrumento de financiamento de transporte público coletivo.
Enquanto a gestão municipal não apresenta um plano efetivo de mobilidade urbana para a cidade, a população segue vivenciando desafios diários para exercer o direito de ir e vir. O Consórcio Metropolitano do Transporte Público (que engloba Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros e São Cristóvão) com frota ainda insuficiente e precária, enfrenta resistência política e judicial no processo licitatório.
Paralelamente, o Governo de Sergipe defende a construção da nova ponte interligando os dois municípios, Aracaju e Barra dos Coqueiros, com a promessa de melhorar parcialmente a mobilidade na região. O projeto ainda encontra-se em fase inicial de elaboração do processo de licenciamento ambiental e realização de audiências públicas para apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) aos moradores das duas cidades.
Assim, sem um projeto de mobilidade que garanta qualidade de vida e sem investimentos consistentes em alternativas sustentáveis, o que se vê é uma cidade que cresce mais rápido do que a sua capacidade de se locomover. No fim, diante das dificuldades diárias, a população da Barra atualmente vive apenas de promessas de melhoria.
Ouça a reportagem sonora "Mobilidade Embaraçada"
Veja o webstories "Como se deslocar na Barra dos Coqueiros?"















Comentários