Por Enzo Resende e Paloma Freitas
Andar de ônibus no bairro Santa Maria divide os moradores entre a dor e a delícia. A dor é devido a dificuldade de se locomover para o Centro e a delícia se deve à tranquilidade de encontrar os vizinhos no caminho para casa. Um exemplo, é a dupla Joyce de Souza e Marta Oliveira. Elas parecem esquecer o cansaço do dia quando se cumprimentam no ônibus, e as risadas só acabam quando chegam no ponto próximo a casa de Marta.
Quando o assunto é mobilidade urbana, a comunidade fica refém de uma linha de ônibus que, apesar de fazer um bom trajeto, de acordo com os passageiros, não é suficiente nos horários de pico. Para se deslocar até o trabalho, a bartender Débora Mesquita se vê obrigada a pagar o dobro da passagem para chamar um motoboy por conta do atraso do transporte público. “Se o ônibus viesse certinho, eu não gastaria tanto”, lamenta.
Em agosto, duas mudanças foram feitas nos transportes públicos que percorrem o bairro Santa Maria. A linha 410 foi implantada para fazer o trajeto Residencial Horto Santa Maria / DIA via Ciras, essa é a única linha que vai até o Horto e percorre um trecho de aproximadamente 20km. A segunda é a linha 407 - Residencial Jardim Santa Maria / DIA via Padre Pedro, que passou de dois para cinco veículos, além da mudança da empresa responsável (antes Progresso, agora Atalaia) pelo trajeto de 13 km.
Nesse sentido, buscou-se aprimorar o transporte na localidade com as mudanças. No entanto, basta andar de ônibus uma vez pelo bairro Santa Maria para perceber que as paradas de ônibus têm estruturas diferentes. Inicialmente, na avenida principal (jornalista Juarez Conrado Dantas), que leva ao Santa Maria, existem dois pontos com o modelo mais moderno feito de ferro, nas cores branco e azul, com banco e cobertura para proteger os passageiros do sol. Mas, à medida que entramos no bairro, a beleza da estrutura deixa de existir e dá lugar a postes vazios, sem a mínima placa de sinalização. De que adianta ter um ponto de ônibus decorado na avenida jornalista Juarez Conrado Dantas, enquanto no residencial Jardim Santa Maria (ou Vida Nova Santa Maria), tem-se apenas uma placa? As respostas da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT) para esta e outras perguntas podem ser lidas na íntegra.
Os problemas com as paradas de ônibus se tornam mais visíveis à medida que o ônibus circula pelo Santa Maria. Fotos: Paloma Freitas
Oficialmente, a sinalização do trânsito é de responsabilidade da SMTT. Mas, no bairro Santa Maria, os responsáveis são os próprios moradores, que, segundo o vendedor William Santos, a cada semana colocam a sinalização de parada de ônibus num lugar diferente do residencial Vida Nova Santa Maria. Ninguém sabe ao certo porque isso ocorre, provavelmente para facilitar o acesso ao transporte. Por trabalhar na mercearia em frente à praça, ele diz ter visto os próprios moradores trocarem a placa de lugar, e que, inicialmente, ela ficava três ruas antes do residencial. Na semana seguinte deste relato, a equipe de reportagem foi ao residencial e a placa já não estava na praça e em nenhum lugar próximo.
Por outro lado, a moradora Letícia Santos responsabiliza os motoristas por não pararem onde os passageiros aguardam. “O certo é parar onde as pessoas estão e existe sombra, mas alguns motoristas não param e mandam a gente ir correndo para onde está a placa”, desabafa. Nos dois momentos em que a reportagem esteve no residencial, observamos que os motoristas fizeram paradas onde os passageiros solicitaram.
Em conversa com o motorista Daniel Santos, responsável por conduzir um veículo da linha 407 à tarde, perguntamos como ele identifica as paradas sem sinalização. Ele diz que só sabe onde parar porque um fiscal da Viação Atalaia fez o “tour” com os motoristas para mostrar o percurso do ônibus antes de eles começarem a trabalhar. Ainda assim, ele conta que precisou fazer a rota várias vezes para decorar todos os pontos, devido à falta de sinalização. O fato do próprio motorista assumir que demorou para aprender permite questionar como os novos moradores do Santa Maria se localizam, já que não tem quem faça um “tour” com eles.
A perspectiva do motorista e seu sufoco nas ruas esburacadas. Foto: Paloma Freitas
“Antes o ônibus 407 estava sempre cheio, vixe! Também demorava muito para passar no terminal. Hoje, vejo que as pessoas não precisam esperar muito tempo no ponto”, diz Natali do Nascimento. Ela é vendedora numa loja de roupas que fica em frente ao ponto de ônibus do residencial Vida Nova Santa Maria, e também conhecido como Jardim Santa Maria (conjunto criado pelo programa Minha Casa Minha Vida). A jovem mora e trabalha no bairro, por isso, não utiliza o ônibus com tanta frequência, mas já conseguiu observar melhorias.
A moradora da comunidade, Nair Neta reclama que o novo transporte público é muito devagar comparado com o anterior, realizado pela empresa Progresso. Em contrapartida, o motorista da empresa atual, Tales Alves explica que a Viação Atalaia só permite chegar no destino, seja o terminal ou o fim de linha, com no máximo cinco minutos de antecedência do horário estipulado. Caso contrário, o motorista recebe uma advertência e se persistir, pode ser suspenso por três dias sem salário e sem ticket de alimentação. Além disso, se o motorista economizar combustível, ganha bonificação.
“Eu preciso do ônibus para levar meu filho, que é autista, ao neuropediatra, mas demora muito à tarde e eu acabo pedindo um uber”, explica Letícia Santos. A bartender Débora Mesquita, utiliza o ônibus todos os dias às 6h30 e conta que, antes de chegar no fim de linha, ele já está lotado. Ou seja, tanto pela manhã quanto à tarde, o ônibus não atende integralmente às necessidades da comunidade, já que em um turno demora a passar e no outro, fica lotado antes de chegar ao destino final.
Como solução, algumas pessoas preferem ir andando até o fim de linha, o que suja o rosto de terra, já que a estrada não é asfaltada e deixa a roupa do trabalho encharcada de suor. Ao chegar no local em que todos os ônibus que passam pelo Santa Maria se encontram, a preferência da maioria, ainda, é o ônibus 407 por não entrar no bairro Orlando Dantas e vai direto para o terminal DIA. Fazendo assim, um caminho mais rápido para levar os trabalhadores ao seu destino.
Apesar das queixas, tanto Débora Mesquita quanto Letícia Santos concordam: a comunidade cresceu bastante e as novas linhas de ônibus ajudaram, mas ainda não é suficiente para assistir todos o bairro Santa Maria. Débora inclusive define o aumento da frota de ônibus como mediano, já que contribuiu, mas ainda não supre a necessidade da população.
A julgar pelo que vimos até aqui, comunidade e empresa não dialogam com frequência. Basta procurar no portal de notícias da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT) algum indício de comunicação com representantes do Santa Maria. O último contato com moradores do bairro é do ano de 2015 (disponível em: http://www.smttaju.com.br/smtt/noticias/transporte/2211-diretores-da-smtt-reunem-se-com-moradores-do-santa-maria-para-ampliacao-de-linhas-de-onibus). Assim, são sete anos que o bairro não é ouvido pelo órgão e pelo que vimos nesta reportagem, não faltam problemas a serem resolvidos. Inclusive, o fato da população trocar a sinalização de lugar é prova que não há a mínima fiscalização.
Para entender o motivo dessa falta de comunicação do órgão com a comunidade, buscamos o mestre em sociologia Thomas Medrado, que desenvolveu uma pesquisa a respeito dos transportes públicos em Aracaju. De acordo com sua pesquisa, a SMTT leva em conta os dados obtidos pelos próprios funcionários, que ficam nos terminais anotando a quantidade de pessoas que utilizam determinada linha, por exemplo. Ou seja, não há participação popular na tomada de decisões. A superintendência confirma que utiliza fiscais, gps e bilhetagem eletrônica como ferramentas de avaliação da demanda, junto às operadoras.
Você deve estar se perguntando: se o transporte público é feito para a população, por que ela não é ouvida? O sociólogo explica que a organização espacial de uma cidade é moldada a partir do capital privado, das grandes corporações e dos fluxos comerciais e não para facilitar a vida das pessoas. O transporte público surge para viabilizar os fluxos econômicos e as demandas das grandes organizações, ou seja, levar as pessoas para seus trabalhos. Isso não apenas em Aracaju, mas em todas as capitais do Brasil. Entretanto, a população tem outras necessidades, como lazer, deslocamento não comercial, e o direito de ocupação da cidade. Na perspectiva do estudioso, é neste ponto que o serviço de transporte deixa a desejar. A origem do problema é que as linhas de ônibus foram pensadas para atender demandas financeiras.
Para Thomas, é preciso olhar para o transporte público como um reflexo da desigualdade social existente na cidade. “Por isso, é deficitário para a população pobre e atende às expectativas daqueles que já são privilegiados”. O que faz todo sentido quando somado ao relato de “Seu” Valmir Silva, que acredita que as pessoas reclamam de tudo no bairro Santa Maria, já que no tempo dele o ônibus nem entrava no residencial Jardim Santa Maria. Ele complementa com o ditado popular: “O povo reclama de barriga cheia; agora, o ônibus vem buscar na porta de casa e eles ainda querem que venha vazio e na hora certa”. “Seu” Valmir se utiliza de seu carro particular sempre que precisa se deslocar.
Aos fins de semana, o que já é ruim fica ainda pior, mesmo após o acréscimo de veículos na linha 407. O marido de Nair Neta chegou a esperar o ônibus por três horas no domingo, e como não veio, teve que pedir um carro de aplicativo. Ela conta que ele ficou chateado por se atrasar para o futebol e como é cansativo ter essa frustração no momento de lazer, sendo que já passam por isso nos dias úteis.
Segundo o sociólogo Thomas Medrado, apesar de essenciais, a função de acesso à cidade, mobilidade urbana e direito de ir e vir são secundários para os órgãos de trânsito e empresas de ônibus. Infelizmente, a organização do transporte público funciona a partir de interesses econômicos, por isso, aos fins de semana os transportes são reduzidos, mas em direção aos shoppings a circulação é maior porque se pensa em levar os funcionários para trabalhar e mais consumidores. Prova disso é que, no mapeamento das linhas de ônibus de Aracaju realizado pelo sociólogo, todas se direcionam para o centro comercial. e acrescenta, “não existe uma articulação fora deste destino que seja satisfatória para os moradores das zonas periféricas”.
Quando o assunto é segurança, todo mundo quer se sentir seguro perto de casa. Anderson dos Santos mora no Santa Maria há 21 anos e conta que “o bairro já foi perigoso, mas hoje não é nem sombra do que era antes”. Ele lembra que, em dado momento, o Santa Maria tinha uma onda intensa de crimes e quando a Guarda Nacional veio para Aracaju, foi feita uma patrulha na região. Anderson é estudante de Estatística da Universidade Federal de Sergipe e recorda que muitas matérias foram divulgadas com altos índices de homicídio e assalto.
“Em contrapartida, agora que a realidade é mais tranquila, nenhuma matéria é feita. Assim as pessoas de fora continuam com uma visão ruim do bairro e percebo que alguns moradores contribuem para essa má fama do Santa Maria”.
“Gostaria que dessem mais atenção pra gente”, diz o comerciante Denilson Lima. Ele conta que o bairro é um bom lugar, mas poderia ser melhor se a comunidade fosse ouvida. Realmente, os arredores do Residencial Vida Nova Santa Maria precisam urgentemente ser asfaltados. A areia batida, dificulta a locomoção tanto a pé quanto nos transportes. Prova disso são as manobras arriscadas que os motoristas de ônibus precisam fazer para estabilizar o veículo em meio a diversos buracos e poças d’água. Em seguida, as pessoas que descem do ônibus são recepcionadas com uma fumaça quente e terra no rosto. Sendo um risco à saúde da população e de acidente de trânsito. Já que a rua além de ser estreita, não recebe manutenção.
Depois de conhecer 15 moradores do Santa Maria, é possível afirmar que todos se sentem pertencentes a este lugar. Tanto é que Aline Nunes passou um ano de sua infância em outro bairro, mas logo voltou para o Santa Maria e não pensa em sair tão cedo. Quando perguntamos sobre como é morar no bairro, um sorriso é a resposta. Um bom exemplo é Anderson de Souza que, mesmo após 21 anos como morador, financiou um apartamento na região e está realizado com a permanência no local.
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