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Efeitos

Perto das telas virtuais, longe de interações reais?

Os efeitos das redes sociais na vida cotidiana

AMANDA BATISTA

Um mundo interligado, foi o que previu o filósofo Herbert Marshall MCLuhan nos anos 60. A famosa “aldeia global”, anunciada pelo estudioso, está maior do que nunca e isso se reflete nas redes virtuais de socialização. Neste velho novo mundo, cientistas tentam descobrir as consequências do uso das redes no comportamento humano. Apesar de ainda não haver consenso, os pesquisadores já conseguem traçar alguns efeitos semelhantes nos grupos analisados.

 

Entretanto, as relações sociais presenciais são peça-chave no resultado das pesquisas. Nessa nova realidade em que as interações estão à distância de um toque em uma tela ou o clique em um mouse, estariam as interações através de dispositivos tecnológicos fazendo com que as pessoas se distanciem ao invés de se aproximarem? Como usar as novas tecnologias sem se isolar das pessoas que estão fisicamente próximas? Em um mundo envolto por uma pandemia que limita as interações presenciais, qual o papel das plataformas digitais?

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Por: Claudia Porto e Milena ALves

As transformações causadas pelas novas formas de interação coletiva na internet compõem um novo modo de se relacionar com as diferenças do outro e fazer amigos, essa é a avaliação da doutora em Psicologia Social, Lívia Godinho. A pesquisadora explica que  “as relações de amizade mediadas pela internet têm como especificidade uma intensa troca de opiniões que mobilizam os amigos a refletir e são uma nova maneira de estar junto, na qual os sujeitos são mutuamente afetados pelas trocas simbólicas que se dão nas conversas online”, frisa.  Assim como Goldinho, o pesquisador Marcel Ayres enfatiza o papel das plataformas digitais nas relações sociais no mundo contemporâneo.  "Como seres gregários, nossa compreensão da existência da realidade é construída socialmente. Logo, os meios digitais são mais uma alternativa para que os indivíduos possam se expressar e realizar trocas sociais”, analisa.

 

O psicólogo Vitor Giderwood aponta que não existem estudos que possam ‘bater o martelo’ a respeito dos efeitos das mídias sociais. O que se deve observar é qual a função das redes na vida da pessoa e notar que o impacto delas está diretamente relacionado a estrutura social do indivíduo. Ele ainda destaca que “apesar de não serem uma necessidade biológica, as redes são essenciais, já que a socialização no mundo contemporâneo também ocorre por elas. Além disso, o indivíduo poderia se sentir excluído e isolado se não fizesse parte delas”.

 

O ponto chave da questão é não hierarquizar as formas de interação, mas percebê-las como experiências diferentes que contam com suas características próprias, aponta Ayres. “Existem diversas pesquisas que se debruçam em compreender a presença social em meios digitais e como estes meios proporcionam a percepção de “estar junto com o outro” mesmo que não seja fisicamente", reforça o pesquisador.

 

Os laços de amizade travados no ciberespaço, de acordo com Lívia Godinho, produzem trocas de experiências e conhecimentos que transcendem a internet e essa relação potencializa a reflexão e o alargamento de opiniões, cujos desdobramentos geram transformações para além das conversas online, e findam por repercutir na maneira de agir e de comunicar-se no cotidiano.

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Por: Claudia Porto e Milena ALves
A relação entre redes sociais e pandemia

Pouco mais de 40% da população mundial utiliza ao menos uma rede social, é o que mostra o levantamento realizado pela empresa de marketing integrado, Emarsys. Em tempos de pandemia, isso significa conexão entre amigos e família, especialmente para aqueles que fazem parte dos grupos de risco.

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As redes sociais foram e ainda são de suma importância nesta pandemia, não apenas como um meio de comunicação, mas como um espaço para a manutenção da saúde mental. Além disso, são essenciais para dar continuidade aos aspectos práticos como aprendizado, negócios e outras atividades, sinaliza Ayres. “O uso intensivo do digital como alternativa aos encontros presenciais físicos potencializa práticas sociais que devem ser mantidas mesmo após a circulação das vacinas”, afirma o pesquisador.

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A cabeleireira Sirleide Valéria, 50 anos, comenta sobre a angústia que sentia por ter ficado sozinha por meses nos períodos de pico da pandemia e fala da importância das redes naquele momento. Asmática, confessa que, em certo mês, a solidão se tornou maior do que o próprio medo da morte pela Covid-19. “Nos primeiros meses eu vivia angustiada, sentia muita saudade dos meus filhos e nada me consolava. Como não podia mais trabalhar e fazer caminhada, parecia que estava numa prisão. O único contato com seres vivos que tinha era com entregadores e com meu cachorro, Ralph. Como me sobrava muito tempo, sempre ligava para minhas amigas e fazia chamada de vídeo com os meninos [filhos]. Esse contato me confortou muito naquele momento”, confessa Sirleide.

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Já para as crianças, a pedagoga Jéssica Fontes aponta que, se usadas corretamente, as mídias se tornam ferramentas eficazes no desenvolvimento cognitivo. “A vivência na pandemia tornou as mídias ainda mais necessárias para minimizar os efeitos da quarentena. A aproximação virtual e o esforço em manter contato por meio de vídeo-chamadas, ligações e mensagens para estimular os estudantes é essencial. Além disso, o uso dessas mídias se tornou um item indispensável para as crianças por conta do ensino remoto. Tanto, que agora está evidente o prejuízo educacional naquelas que não possuem acesso à tecnologia”, salienta a pedagoga. 


Os efeitos dependem da dose

Levantamento realizado neste ano pela empresa de tecnologia Ioasys mostra que, por conta da pandemia, os brasileiros passam, em média, 4 horas nas redes sociais. Ou seja, 80 horas por mês. Durante um ano, seriam  1 mês e 10 dias de vida gastos olhando para a telinha. Para aqueles que recebem salário mínimo, essas horas gastas equivalem a pouco mais de 1,567 reais. Para quem achava que era só uma olhadinha inocente, agora sabe o quanto isso pode custar.

 

O uso de plataformas digitais de interação promovem emoções variadas em seus usuários. O estudante de farmácia da UFS, Ruaan Oliveira, 21, um autêntico representante do que se convencionou chamar  geração Z , compara o que sente ao usar as redes sociais à uma felicidade fugaz seguida de ansiedade. “Sempre que entro no Instagram me sinto feliz e relaxado, mas é um tipo de felicidade passageira, como quando a pessoa come algo gostoso. Logo após me sinto ansioso por ver as pessoas o tempo todo felizes, enquanto parece que estou desperdiçando meu tempo na internet. Por isso evito usar essas ferramentas, especialmente o instagram”, reitera o estudante.

 

Alguns usuários como  o estudante do Instituto Federal de Sergipe (IFS), Reinam dos Anjos, 18, buscam estratégias para evitar o lado negativo das redes sociais. Ele revela que o segredo para não se prejudicar com certos conteúdos das mídias sociais é não tomar para si discussões que não te cabem e acrescenta “uso apenas para divulgar meu trabalho artístico e conversar com pessoas que já conheço pessoalmente, assim aproveito o lado bom da internet com tranquilidade”.

 

O psicólogo Vitor Giderwood explica que o uso nocivo das redes está relacionado ao vício nas mídias sociais que leva à diminuição da interação social presencial. “A utilização prolongada desses recursos pode servir como uma fuga da realidade, assim como substâncias químicas. Quando se vive no mundo virtual, o indivíduo pode se transformar em quem gostaria de ser na vida real, ele se sente livre e protegido pelo anonimato”, afirma.

 

Para as pessoas que apresentam esse tipo de dependência, o psicólogo pode analisar os sintomas, e, em alguns casos, encaminhar o paciente para um psiquiatra, a fim de oferecer um diagnóstico mais preciso. “Se houver prejuízos orgânicos ou psicológicos deve-se tomar medidas para dirimir o consumo das mídias. O tratamento do vício pode aliviar ansiedade, irritação e outros sentimentos e comportamentos típicos da abstinência. A abordagem psicológica vai depender do profissional escolhido. Porém, existem técnicas e ferramentas que independem da abordagem e podem ser utilizadas até por aqueles que querem diminuir o consumo das mídias, a técnica mindfullness e a balança decisional são algumas dessas opções”, conclui Gilderwood .

 

É necessário investir em conscientização sobre o uso dos meios digitais desde cedo. Ao mesmo tempo, deve-se criar momentos para seu uso de modo que ele não prejudique o indivíduo em atividades importantes para seu desenvolvimento, explica o pesquisador Marcel Ayres. “Muitas empresas investem em recursos que calculam o tempo que o usuário passa em determinados aplicativos ou mesmo criam conteúdos conscientizadores sobre o uso das plataformas. Entretanto, as iniciativas são questionadas pois há um conflito de interesse entre promover o uso moderado das mídias e manter os usuários conectados o maior tempo possível, já que o modelo de negócio dessas plataformas é baseado em publicidade e na venda de dados e metadados dos seus usuários”, conclui Ayres.

 

Ou seja, o segredo é conciliar outras atividades com o uso das redes, de forma que se possa manter a vida social presencial, quando for possível, e, ainda sim, possuir conexões e trocas com os amigos virtuais.

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