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Efeitos

Convivência familiar em contexto de isolamento

GLEYDY MATOS

Vínculos familiares colocados à prova

O chamado “novo normal” ocasionado pela pandemia da COVID-19 obrigou o mundo a se ajustar a uma nova realidade, Por determinação da saúde e do governo, o distanciamento social é uma das medidas de prevenção e disseminação do vírus.  Esse cenário fez com que, em muitos lares, a convivência familiar se tornasse um verdadeiro desafio devido às interações e coabitação mais intensas, alterando as rotinas domésticas e trazendo à tona novas questões. Grande parte da população teve suas rotinas alteradas em diversas áreas da vida.

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O isolamento social é uma condição delicada, e quando vivenciado com outras pessoas, gera maior complexidade, devido à intensificação da convivência com um grupo restrito de indivíduos. Um núcleo familiar é formado por pessoas que compartilham o mesmo espaço, mas muitas vezes não dividem as mesmas de opiniões, crenças, condições, posicionamentos e valores. Devido a essas variações de temperamento e visões de mundo dentro do contexto familiar, as relações entre parentes ganharam novos contornos de acordo com cada caso, tendendo positivamente para o fortalecimento dos laços em algumas famílias, e negativamente, para o surgimento de conflitos em outras.

 

Possibilidades de isolamento social

A convivência familiar durante isolamento por conta da pandemia pode ter múltiplas facetas a depender da classe social em que a família está situada, segundo, a avaliação da terapeuta sistêmica Samira Bandeira. A profissional explica que existem inúmeros contextos sociais e diversas possibilidades de isolamento, em que as famílias podem ou conseguem se enquadrar. O acesso à renda altera os riscos de contaminação, a divisão do espaço doméstico, e possibilidade de mudança em maior ou menor grau das interações entre pessoas do mesmo núcleo familiar.

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Famílias situadas nos extratos de baixa renda, por exemplo, enfrentam maiores dificuldades de se isolarem socialmente, e os desafios consistem em realmente se isolar e proteger seus membros do contágio por Covid-19. “Se a gente for para um contexto periférico, para um contexto onde as pessoas não puderam parar de trabalhar, onde as pessoas dormem e se aglomeram, praticamente, dentro de um cômodo, essas pessoas não tiveram um isolamento social, e sim, uma aglomeração dentro das suas próprias casas”, avalia a terapeuta.

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 Já as famílias de maior renda conseguem praticar o isolamento com maior facilidade e se protegerem com maior eficácia, mas, por outro lado, tiveram sua rotina alterada “Outro contexto é a classe média alta, que cada um tem seu quarto, seu espaço e cada um pôde se encontrar ou estar dentro do seu espaço privado e conviver em outros espaços; sala, cozinha... são contextos políticos, sociais e econômicos”

 

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Para a terapeuta, a partir do momento que os familiares  aumentam o tempo de convivência no mesmo espaço, principalmente com filhos, pais, avós, as interações se tornam  bastante intensas e muitas vezes profundas em aspectos que fazem emergir  muitas questões emocionais. Segundo Bandeira, os aspectos relativos a essa dificuldade de convivência ,  assemelham-se a um jogo de espelhos, em que há julgamento ou avaliação  do outro, julgamento de seus desejos, opiniões e comportamentos, causando conflitos que levam ao desequilíbrio familiar . “A maioria das desavenças estão relacionadas a dificuldade de reconhecer o seu lugar, o seu lugar de pertencimento, dentro daquela estrutura familiar a qual você ocupa, a qual você constrói ou a qual você está inserida.”, finaliza.

 

Mudanças e comportamento infantil

As crianças, dentro dos grupos familiares, sofreram as maiores alterações em suas rotinas devido à pandemia e, portanto, tiveram maior dificuldade de se adaptar ao “novo normal”. O psicólogo Luan Belushi acredita que muitas crianças acabaram desenvolvendo comportamentos ansiosos, depressivos e melancólicos, por conta da mudança de rotina, mudança na estrutura escolar, social e familiar. Os efeitos negativos do isolamento nas crianças gera certa preocupação, pois, segundo Belushi, dentro desse período, muitos pais foram ausentes e até mesmo negligentes no cuidado dessas crianças, causando um estranhamento ainda maior. Em contrapartida, o psicólogo afirma que “há o outro lado da moeda, onde crianças apresentaram comportamentos melhores por ter uma proximidade um pouco maior com seus pais, com a sua família, coisa que em dias normais, não era possível, por conta das rotinas de trabalho e maior parte do tempo fora de casa.”

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Belushi orienta os pais e responsáveis que busquem incessantemente conexões com as crianças, ainda que as obrigações de trabalho e o cansaço batam a porta. É importante, de acordo com o psicólogo, que os pais busquem momentos de conexões, independente da faixa etária de seus filhos. “Momentos de conexões vão além de conversar”, acrescenta. Para ele, é a busca por atividades que possam ser realizadas em família, é o sentar, conversar e brincar com as suas crianças que fortalecem os laços entre pais e filhos. “Quando você estiver na presença da criança, seja criança junto com ela. Esqueça um pouco o seu adulto e traga à tona o seu eu criança, o seu eu criativo e sensível. Permita-se ser criança.”

Linha do tempo sobre relações familiares
Por: Milena ALves
Captura de Tela 2020-12-18 às 01.12.03.
Por: Fernanda Souto
No isolamento, divórcios crescem e casamentos despencam

O isolamento social também mudou a rotina dos casais. Aparentemente, a convivência mais intensa aumentou os conflitos entre cônjuges, e por outro lado os casais que pretendiam se casar adiaram o ato devido à pandemia. Segundo, o Colégio Notarial do Brasil, o número de casamentos registrados em cartório despencou 33,3% neste ano, de janeiro a agosto, com uma média de 48.969 registros por mês. Enquanto no ano passado, a quantidade de matrimônios registrados por mês chegou a 73, 393, no mesmo período. Os divórcios também aumentaram nesse mesmo período, além da questão da pandemia e isolamento diário, ocorreu também a permissão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que os processos de divórcios também fossem feitos online. As separações formais entre junho e agosto chegou a 19.533, contra 18.076 no mesmo período do ano passado.

Melhora na convivência, saída e volta pra casa

As experiências familiares durante o isolamento social são diversas. Algumas pessoas redescobriram o prazer da convivência familiar, outras encontram dificuldade em retomar velhos laços, e há mesmo aquelas que buscaram se afastar para preservar a saúde dos parentes. O engenheiro civil, Wagner Alberto, conta que quando o isolamento social começou, ele morava sozinho, mas depois de alguns meses, por questões familiares, sua mãe voltou a morar com ele.

“Foi uma mudança brusca, pois, você sozinho, é tudo no seu tempo. É você por você. Você cria sua rotina, seu dia. E ao voltar o convívio com a minha mãe, já não era mais assim. Agora eu tenho mais uma pessoa para lidar com os surtos e estresses diários.” Ele acrescenta que a junção do convívio, com o isolamento “é de deixar qualquer um abalado psicologicamente, mas independente das diferenças, o respeito sempre sobressai."

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Casos de redescoberta do prazer em viver juntos também aconteceram durante a quarentena importa pelo novo Coronavírus. A estudante Iasmim Andrade, por exemplo, relata que sempre teve um bom relacionamento com os seus familiares e o isolamento social serviu para intensificar positivamente as relações.

Ela conta que durante esse período aproveitou para fazer atividades, receitas, assistir filmes e séries, conversas e dar boas risadas. A estudante acrescenta que o marco mais importante na convivência familiar foram os momentos de risadas no quarto dos seus pais assistindo filmes e lives. “Minha família é a base da minha saúde mental, quando penso neles, é como se eu tirasse forças de onde não tenho. Eles são de fato a minha fortaleza.”

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Um caso diferente é o vivenciado pela estudante Rafaela Pitanga que optou por sair de casa e morar sozinha no meio da pandemia devido à preocupação com a saúde da mãe. Mesmo tendo uma relação estável com seus familiares, Rafaela escolheu preservar a saúde deles, já que precisou voltar ao trabalho presencial “Minha mãe é do grupo de risco, meu pai também, tem criança em casa. Eu voltando a morar sozinha seria só eu e meus cuidados.” Rafaela ainda acrescenta “para uma boa convivência é importante o respeito e o diálogo, conhecer quem você tem dentro de casa e se aprofundar nas particularidades do outro”.

O lado sombrio

O aumento dos problemas de convivência familiar traz transtornos a todos os envolvidos. Entretanto o isolamento social não trouxe alívio às mulheres vítimas de violência. Apesar do registro da maioria dos crimes violentos contra mulheres ter diminuído, a ocorrência de feminicídio e homicídio doloso contra mulher no Brasil aumentou na comparação entre os primeiros semestres de 2019 e 2020. Feminicídio é o assassinato de mulheres que tem motivação no fato de a vítima ser mulher – caso que engloba misoginia, menosprezo pela condição feminina, discriminação de gênero – ou violência doméstica. O crime de feminicídio é tipificado pela lei 13.104/15 do Código Penal Brasileiro.

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O registro de homicídios dolosos contra mulheres aumentaram sua incidência em 14,72%. No caso de feminicídio, a variação é muito baixa, apenas 1,9%. Todavia o crime de lesão corporal teve diminuição de 9,9% nas ocorrências no mesmo período, ameaça apresentou queda de 15,8%, os casos de estupro regrediram em 22,6%, estupro de vulnerável em 21,98%. Em Sergipe, não houve variação no número de feminicídios, mas todos os outros crimes, incluindo homicídio tiveram queda no número de ocorrências. Foram 11 ocorrências de feminicídio no primeiro semestre de 2020, o mesmo número de ocorrências do primeiro semestre de 2019.

A diminuição do número de registros de crimes violentos contra a mulher enquanto as taxas de feminicídio não cederam podem indicar que as mulheres não se sentem à vontade de denunciar esses crimes por estarem mais próximas de seus agressores.

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