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Vale a pena fazer Ciência no Brasil? 

Precarização do trabalho científico e dificuldades por falta de incentivo governamental

Por: Érica Xavier e James Santos Silva
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A comunidade científica atravessa um momento de precariedade, resultado de reduções orçamentárias impostas pelo governo federal. Essas decisões são um obstáculo para o avanço científico e dificultam o trabalho dos pesquisadores. Em 2021, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologias, Inovações e Comunicações (MCTIC) deve seguir uma tendência de queda, presente nos últimos anos. O valor previsto para este ano é 27% menor em comparação com o ano passado, quando a verba para as unidades com vínculo direto com o MCTIC foi de R$ 3 bilhões de reais.


 

Em meio a esse cenário, as pessoas que dedicam sua vida a fazer ciência são as mais afetadas. Como consequência do problema de falta de recursos, surge outro que atinge os estudantes que desejam se tornar pesquisadores. Os cortes nas bolsas de pós-graduação da Capes. Segundo um estudo feito pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 2020, o número de bolsas diminuiu 10% em relação ao ano anterior. Foi uma perda de 8.121 bolsas permanentes de pós-graduação. 

Em Sergipe, esses cortes financeiros na área científica interromperam um movimento de avanço. Segundo o ex-diretor da Capes e atual presidente da Associação Sergipana de Ciência (Asci), José Fernandes de Lima, o estado nos últimos 20 anos, cresceu, proporcionalmente, mais que o Nordeste e o Brasil em relação à pesquisa. Os cortes prejudicaram essa tendência de desenvolvimento. “Nós que tínhamos um plano de crescer, não vamos mais fazer isso, porque não temos como pagar as bolsas dos alunos, como manter essa atração de estudantes”.


 

Diante de todo esse cenário, os estudantes de pós-graduação têm que lidar com os diversos problemas que envolvem fazer ciência no Brasil. A falta de incentivo e falta de recursos são questões agravantes. O valor das bolsas de mestrado e doutorado não é reajustado desde 2013. E esses estudantes trabalham sob o risco de faltar um laboratório ou um equipamento necessário ao desenvolvimento de suas pesquisas. Considerando que a pesquisa científica exige uma alta carga de trabalho, há uma grande insatisfação entre os alunos de pós-graduação. E a pandemia tornou ainda mais difícil os processos de pesquisa.

“Diversos equipamentos, por falta de manutenção periódica, encontram-se quebrados sem previsão de retorno ao funcionamento, e com a pandemia a falta de acesso aos laboratórios dificultaram ainda mais o progresso do projeto” (Jeferson Santos)

Recursos para ciência na UFS       Fotos e galeria: Ascom/ Fernanda Souto e Mirela Souza

Os problemas sob a perspectiva dos estudantes

“A gente faz um malabarismo com o dinheiro que a gente ganha. Porque em relação com o que gastamos é como se a gente pagasse para trabalhar” (Monalisa Martins)

Monalisa Martins, bióloga de 28 anos, faz mestrado na UFS no programa de pós-graduação em ciências fisiológicas. Sua fala diz respeito à falta de incentivo presente na ciência do país. O valor da bolsa de mestrado é 1,5 mil reais e a de doutorado é 2,2 mil reais. Essa quantia não é suficiente para que os estudantes continuem motivados a produzir ciência, e também não possibilita que arquem com suas necessidades acadêmicas. 

Essas bolsas são o ponto principal para a permanência de pesquisadores. Wilian Propheta, pesquisador na área de oncologia experimental, afirma que  “a bolsa para muitos alunos é um fator limitante, porque sem ela muitos não são capazes de continuar no programa.” Jeferson Santos, que pesquisa na área de desenvolvimento de fármacos e medicamentos, complementa citando o quão esses cortes podem ser prejudiciais. “Sem o auxílio financeiro, muitas pesquisas importantes tiveram que ser abandonadas e diversos produtos deixaram de ser estudados em prol da população.”

São diversas atividades complementares à vida acadêmica, necessárias para uma boa formação na pós-graduação, mas que não são contempladas e previstas na bolsa destinada aos estudantes. De acordo com Monalisa, somente a literatura básica oferecida e a vivência em laboratório não são suficientes para obter um bom preparo como pesquisador. É preciso comprar material, fazer cursos de especialização, pagar para participar de congressos e pagar o transporte, já que muitos acontecem em outros Estados. São diversos fatores que fazem R$ 1,5 mil se tornar pouco e insuficiente. “Sem contar o valor da insalubridade que o estudante não recebe. Quem trabalha em bancada e laboratório está exposto a produtos cancerígenos, entre outros”, complementa. 

A natureza da vida acadêmica é difícil. Um estudante de pós-graduação lida com desafios inerentes a essa formação acadêmica. E quando existem outros fatores que tornam essa realidade mais difícil, a situação se agrava. “Pressão para publicar, pressão para que fique tudo perfeito, medo de falhar, medo de como vai ser o futuro, medo se vai ter vaga em concurso para você virar pesquisador, se você vai terminar o mestrado e vai ter emprego em algum lugar”, relata Monalisa sobre os diversos impasses de se fazer ciência.

Outro grande desafio que os pesquisadores vêm passando, está na crescente desvalorização da ciência. Atualmente, uma das principais causas de sentimentos de indignação é o fato de o principal emissor desses ataques à ciência ser o líder máximo do país. “Como consequência disso temos movimento antivacina, terra plana, entre outros.”, aborda Propheta. O pesquisador afirma que a população tende a ser influenciada pelo que o presidente diz, causando grandes resistências. “Quando você tem um líder do país que não apoia as universidades e ainda desacredita no conhecimento científico, faz com que a universidade perca o apoio da população. Um dos papéis da Universidade é transferir o conhecimento produzido para a população e é impossível fazer isso sem que a população esteja aberta a receber.”

Ainda refletindo sobre essa desvalorização, Jeferson Santos, acredita que isso causa retrocesso para o país. O momento pandêmico expôs os problemas que negligenciar e atacar o conhecimento científico podem trazer pois o Brasil exemplo de governo em que teve um dos piores gerenciamentos no combate contra o novo coronavírus. “ A dependência direta de insumos e tecnologias de outros países, que investem verdadeiramente na ciência, nos deixou impotentes e retardatários no combate ao vírus que matou e continua dizimando milhares de vidas diárias.” E finaliza dizendo que “um país sem ciência é um país sem independência.”

Além de todos os problemas internos da área científica, os estudantes têm que lidar com os problemas pessoais ocasionados pelos desafios do mundo acadêmico. As pessoas em volta também estão sendo afetadas pelos danos que este ambiente causa no estudante. “Boa parte das pessoas que conheço, me falam para eu pensar bem se vou continuar com a vida acadêmica, porque são muitos percalços para pouca remuneração e pouco reconhecimento”. 

Segundo Monalisa, alguns amigos que observam os obstáculos que é preciso atravessar durante a carreira acadêmica consideram que seria melhor ela procurar outro rumo quando concluir o mestrado. Mas, sua mãe continua incentivando sua caminhada na ciência pois acredita que a filha vai ter um futuro brilhante. Para Monalisa, a ciência é um sonho. “Uma das coisas que mais me motiva é que tenho uma grande possibilidade de vir a ser uma pessoa como a minha orientadora, e como outros professores e orientadores que me inspiro há muitos anos”.

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