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Jovens Cientistas

Adolescentes sergipanos descobrem

a paixão pela pesquisa ainda nos bancos escolares

Por: Ana Júlia Oliveira e Gabriela Oliveira
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A introdução à ciência e tecnologia já nos bancos escolares em Sergipe tornou-se um primeiro passo na carreira de pesquisador para jovens do estado. Esse despertar está acontecendo a partir de programas de iniciação científica, que são ofertados como atividade extracurricular nas instituições de ensino particulares e públicas sergipanas.

O mercado de trabalho é sempre uma incógnita para quem ainda está terminando os estudos e para quem precisa decidir seu futuro profissional de forma célere. Definir qual carreira seguir já aos 17 ou 18 anos é uma pressão que assola a mente e a rotina de milhões de brasileiros que precisam e querem ingressar numa universidade, e finalmente dar início à sua carreira acadêmica.

Em dados exatos, o Ministério da Educação aponta que, no ano de 2020, dos 6,1 milhões de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 1,4 milhão estavam no terceiro e último ano do ensino médio. Apesar dos dados confirmarem que mais da metade dos inscritos já tinha completado o ensino médio, o número dá uma dimensão da importância do fim do ensino médio como momento em que grande parte dos jovens adultos são obrigados a decidirem o seu futuro.

Esse processo de decisões, dentro de uma rotina de muito estudo, é acompanhado de perto pelos profissionais da educação, que por muitas vezes assumem o papel de conselheiros, além de educadores. A influência dos professores, somada a maneira com a qual as matérias são aplicadas e ensinadas nas escolas, faz toda a diferença na decisão de quem ainda está perdido sobre os passos a serem dados para decidir o tipo de carreira que quer seguir.

Iniciação científica nas escolas

Em fevereiro de 2019, foram contabilizados pela Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc-Se) mais de 120 projetos de iniciação científica produzidos pelas escolas estaduais de Sergipe. Esse dado prova que, cada vez mais, a ciência é parte da formação dos jovens e alunos das redes públicas de ensino, fomentando a curiosidade pelas pesquisas científicas no estado.

Um exemplo recente desse tipo de iniciativa é o projeto “Casa de farinha: da mandioca ao bioplástico”, realizado pela aluna do terceiro ano do ensino médio Nallanda Victória, sob orientação da professora de química Darcylaine Martins, ambas do Colégio Estadual Doutor Garcia Filho, localizado na cidade de Umbaúba, interior do estado. A iniciativa tem como objetivo transformar as cascas da mandioca ― usualmente descartadas de forma inapropriada ― em plástico biodegradável, e a iniciativa partiu da percepção de que muitos dos alunos envolvidos em iniciação científica do colégio são filhos de pequenos agricultores e cultivadores de mandioca.

Nallanda Vitória

Nallanda Vitória. (Arquivo pessoal)

Unindo a história dos alunos do projeto de iniciação científica ao material orgânico descartado de forma incorreta pelos agricultores, as professoras de química e história, Darcylaine e Andreia respectivamente, sugeriram que a equipe procurasse uma solução sustentável para a destinação das cascas de mandioca. “Através de muitas pesquisas bibliográficas a gente conseguiu perceber que seria possível transformar as cascas da mandioca em plástico biodegradável”, explica a aluna Nallanda Victória.

Nallanda, Professora Darcylaine e outrs colegas

Nallanda, Professora Darcylaine e outros colegas. (Arquivo pessoal)

Segundo a estudante, o projeto já vinha sendo desenvolvido desde o ano de 2019, e o principal objetivo é substituir o plástico comum das estufas da cidade de Umbaúba pelo plástico biodegradável criado através das cascas de mandioca. A continuidade do projeto “Casa de Farinha: da mandioca ao bioplástico” vai ficar nas mãos das professoras e dos novos alunos que se interessarem pela iniciação científica, uma vez que Nallanda e os seus colegas de equipe já estão terminando o terceiro ano do ensino médio.

A experiência dentro da iniciação científica na escola fez com que Nallanda desenvolvesse interesse em continuar com as pesquisas uma vez que conseguir ingressar na universidade. Embora preferências da estudante para a carreira acadêmica recaiam em áreas distantes da pesquisa desenvolvida em sua escola, como jornalismo. A professora de química Darcylaine Martins considera que a participação em projetos científicos ainda na escola é fundamental para que os alunos percebam a realidade ao seu redor e possam trabalhar em formas para melhorá-la. “Estudando Ciências eles conseguem entender melhor o mundo a sua volta, e assim também conseguem modificá-lo para ter uma melhor qualidade de vida e, consequentemente, acabam enriquecendo intelectual e culturalmente, entendendo seu papel como cidadão”.

A professora Darcylaine já contribuiu diversas vezes para as experiências dos alunos com a iniciação científica, e destaca que as aulas de química servem para “aguçar a curiosidade natural” dos seus alunos, assim como os projetos científicos são a porta de entrada para novos conhecimentos. “Eu só aproveito esses projetos científicos para dar a esses alunos a oportunidade de realizar descobertas fora da sala de aula, mostrando que eles podem aprender ciências até no quintal de casa”, explica Darcylaine.

O projeto “Casa de Farinha: da mandioca ao bioplástico” não foi o primeiro envolvendo o Colégio Estadual Doutor Garcia Filho, assim como não é a primeira vez da professora Darcylaine nesse tipo de iniciativa. A docente revela que muitos ex-alunos, que chegaram a participar de outras iniciativas científicas, e hoje são universitários, continuam desenvolvendo projetos na universidade e gostariam da sua contribuição. “Seria muito gratificante desenvolver um projeto em parceria com um ex-aluno”, revela Darcylaine.

​Mesmo na escola, a aluna Nallanda Victória conseguiu perceber e sentir as dificuldades enfrentadas por quem desenvolve atividades científicas em Sergipe, como a falta de incentivo na área da ciência que, do ponto de vista da aluna, dificulta o andamento das pesquisas. Nallanda também destaca o descaso com os laboratórios das escolas públicas. “Um exemplo claro disso é a situação das escolas públicas, na minha, por exemplo, nós não temos laboratório equipado, então durante todo o decorrer do projeto nós tivemos que adaptar a nossa realidade. Felizmente nós conseguimos, mas muitas escolas públicas não têm a mesma oportunidade”.

Nallanda

Nallanda Victória. (Arquivo pessoal)

Da escola à universidade

A iniciação científica escolar pode ser um grande impulso para o futuro de diversos jovens nas universidades e ao longo da vida. De acordo com Ricardo Monteiro, ex professor e orientador do Instituto Federal de Sergipe (IFS), o aluno pesquisador amadurece mais rápido, pois “consegue ter uma visão de mundo diferente da que ele teria como simples estudante, constrói uma independência na sua carreira como estudante, instrui-se de como apresentar o trabalho, publicar em revistas, participar de congressos”. Monteiro observa ainda que a participação em pesquisas científicas “é uma construção do amadurecimento para que esse estudante tenha uma visão mais ampla do que é uma pesquisa científica.”

Ricardo Monteiro é ex-professor do Instituto Federal de Sergipe (IFS), engenheiro eletricista com especialização em segurança do trabalho, mestre em desenvolvimento e meio ambiente e pesquisa o tema das cidades inteligentes e sustentáveis. Atualmente está fazendo doutorado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Como professor do IFS, Ricardo iniciou seus trabalhos de orientação com os estudantes do sistema integrado, que consiste no ensino médio junto com técnico. Entre seus diversos trabalhos estão publicações em periódicos, participação em eventos nacionais e internacionais com grande reconhecimento e premiações.

​Dentre esses trabalhos, Ricardo teve a oportunidade de trabalhar com Jean Henrique, aluno do sistema integrado do IFS. Jean iniciou a carreira científica em 2014 através de um projeto de astronomia e divulgação científica; a motivação surgiu devido à oportunidade de fazer algo além da sala de aula. O projeto “Encanto dos Astros: Astronomia ao alcance de todos” foi de grande importância para a carreira acadêmica de Jean, não apenas pelo prêmio de 1° lugar entre os demais projetos de extensão do IFS, mas também pela experiência vivida e pelo despertar para a vida acadêmica, trazendo paixão e motivação.

Professor Ricardo e Jean. (Arquivo pessoal)

Entre participações, publicações e premiações, Jean foi à Espanha por meio de um projeto desenvolvido sob orientação de Ricardo Monteiro, levando o nome de Sergipe e do Instituto Federal ao país europeu. Para Ricardo, a experiência internacional foi de fundamental importância para o crescimento profissional de Jean, não apenas pelo resultado positivo do trabalho apresentado, mas também pelas experiências adquiridas.

A paixão pela vida acadêmica e a orientação de Ricardo levaram Jean Henrique à universidade. Atualmente, ele está cursando Engenharia Ambiental na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Dentro da universidade, o jovem ingressou em alguns projetos científicos dos quais Jean fala com muito orgulho. “Hoje, constam no meu currículo a participação em três Projetos de Extensão, e dois Projetos de Pesquisa, um na área de Biotecnologia Ambiental e outro na área de Química Ambiental, enumera com orgulho o Estudante.

Projeto Encanto dos Astros. (Arquivo pessoal)

A atuação de Jean Henrique, no entanto, não se limita a participação em projetos de extensão de pesquisa. “Além disso, já fiz parte da Empresa Júnior do meu curso, sou membro fundador e atual presidente da Liga Acadêmica de Saneamento e Cidades de Sergipe (SANEAR), sou Coordenador de Pesquisa e Extensão na Executiva Nacional de estudantes de Engenharia Ambiental e colaborador associado no Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFS (TRAPICHE)”. O estudante ressalta o quanto o incentivo que recebeu durante o IFS foi importante para definir sua carreira atual, principalmente em relação ao acolhimento do professor para com o aluno.

Em um futuro próximo, após a graduação Jean vislumbra várias possibilidades. “Eu me vejo de várias formas: atuando em uma empresa de grande porte, abrindo uma empresa de consultoria, indo direto para uma pós-graduação.. Existem diversas possibilidades e eu ainda estou em dúvida para qual seguir”, revela.

Jean Henrique revela que apesar de desejar cursar mestrado e doutorado após a graduação para seguir a carreira de professor e pesquisador está aberto a outros desafios antes de enfrentar a pós-graduação. “A pouco tempo estava muito certo que terminaria a graduação e iria direto para a pós, só que atualmente, devido a algumas reviravoltas, tenho pensado sobre as possibilidades e eu estou aberto a todas elas, o que surgir eu abraço pois não tenho medo de enfrentar desafios”.

Tanto Jean quanto Ricardo defendem a necessidade e importância do investimento em projetos de iniciação científica nas escolas. Suas experiências são um retrato de como os jovens podem evoluir e alcançarem bons resultados, tanto profissionais quanto pessoais. Ambos consideraram que o investimento governamental e a orientação dos professores são fundamentais para que mais alunos tenham acesso a uma educação de qualidade que vai além da sala de aula, que está voltada para a vida pessoal e profissional e gerará grandes conquistas.

Robótica educacional

Outra iniciativa de destaque na iniciação científica de jovens é a robótica educacional, que ganha espaço em Sergipe através da parceria entre escolas particulares e instituições privadas como a First Lego League (FLL). A ideia também está se expandindo para as escolas públicas, mas de forma muito incipiente. Em 2009, o professor Hélio Igor dos Santos iniciou as aulas de robótica educacional em uma grande escola particular de Aracaju, o programa tem como objetivo desenvolver habilidades especiais nos estudantes que atualmente são consideradas fundamentais para o desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens como trabalho em equipe, criatividade, resolução de problemas e capacidade de intervir na sociedade agregando valores.

Professor Igor e alunos. (Arquivo pessoal)

Em 2010, Igor, como é carinhosamente chamado pelos seus alunos, saiu da sala de aula; montou a primeira equipe de robótica voltada para competições e levou seus alunos para campeonatos em busca de novos aprendizados e conhecimentos. Já são onze anos de história e desenvolvimento. Nesses onze anos foram diversos campeonatos, eventos e conquistas regionais, nacionais e internacionais. As equipes foram crescendo, melhorando, se especializando, ganhando espaço no cenário nacional e internacional. Juntos, professor e alunos, levaram o nome de Sergipe para os Estados Unidos, Espanha e África do Sul. Muito mais que equipes, foram formadas famílias. A convivência diária e a troca de experiências criaram laços que foram além do espaço pedagógico. 

Igor considera que a robótica é promissora em todo lugar do mundo e é fundamental para o engajamento nas novas profissões e áreas do conhecimento, devido ao crescimento da inteligência artificial. Não é atoa que parte dos alunos, motivados por essa experiência, seguem carreira nas áreas ligadas à ciência e tecnologia. Dentre esses estudantes, estão Samira Mendes e Thauanne Santana, ex alunas de robótica e atualmente estudantes de Engenharia da Computação (USP) e Engenharia Eletrônica (UFS), respectivamente. Ambas possuem histórias bastante parecidas, tiveram o primeiro contato com a robótica simultaneamente, trilharam o caminho juntas, participaram de campeonatos na mesma equipe e seguiram para as universidades em busca do aprimoramento das suas habilidades.

Samira recebendo premiação. (Arquivo pessoal)

O contato de Thauanne e Samira com a robótica perdurou do início do ensino fundamental até o final do seu ensino médio, sendo acompanhadas e instruídas pelo professor Igor. Foi através do grupo de robótica que elas decidiram para qual curso deveriam prestar vestibular O contato com ex-integrantes da equipe que já eram universitários e a troca de experiências com outras pessoas durante os campeonatos, possibilitaram às duas enxergar a ciência e robótica como carreira.

O que começou como uma atividade extracurricular na escola se transformou em um leque de possibilidades dentro do ensino superior. Mesmo em universidades e cursos diferentes, Samira e Thauanne estão trilhando caminhos que contribuirão bastante para seus futuros profissionais.

Para Thauanne, o contato com o curso de engenharia eletrônica da UFS fez toda a diferença e foi crucial para a decisão da sua vida profissional ainda em formação. Ao ingressar na universidade, a sua primeira decisão foi tentar a seleção para o Grupo de Pesquisa em Robótica (GPR-UFS), sendo a sua primeira vez passando por um processo seletivo deste cunho e, felizmente, sendo aprovada. Thauanne revela que o contato direto com professores doutores e cientistas foi como um presente. “Foi uma das melhores coisas que me aconteceu nesse período de graduação”, conta.

Thauanne e colegas da UFS. (Arquivo pessoal)

Diretamente envolvida com os projetos do seu departamento na universidade, Thauanne trabalha e estuda a robótica assistiva, encabeçando o projeto “O uso de robôs como auxiliares de terapia de crianças autistas”. O seu contato com o grupo de pesquisa foi crucial para que a jovem entendesse o poder que a ciência tem de mudar a vida das pessoas, levando-a a decidir seguir a carreira em um futuro mestrado. O seu plano é dar continuidade a tudo aquilo que foi e é passado pelos professores da graduação, e usar os seus conhecimentos para “melhorar a qualidade de vida das pessoas”.

A trajetória de Thauanne é muito semelhante à de Samira, que também foi aluna do professor de robótica Igor, na época do ensino fundamental e médio. Para ambas, o papel de Igor foi fundamental para que se sentissem seguras na escolha dos seus respectivos futuros profissionais. Samira ainda não sabe dizer qual carreira, no âmbito da Engenharia da Computação, seguirá, mas desde já se mantém ativa em projetos de incentivo à participação das mulheres nos cursos de graduação da área de tecnologia.

Samira em competição de rôbos. (Arquivo pessoal)

Junto com outra colega de curso, Samira organizou um evento para trazer à tona assuntos como a falta de interesse das mulheres no cenário da pesquisa em tecnologia, bem como as experiências universitárias e a realidade do mercado de trabalho. O evento hoje se tornou um grupo de extensão da Universidade de São Paulo (USP) chamado “Women in Tech''. Além disso, ela também participou de projetos que levam a prática da robótica para alunos de escolas públicas. Foram dois projetos diferentes, um com adolescentes e outro com crianças. “Foi uma experiência completamente nostálgica porque meu primeiro contato com robótica se deu da mesma forma”, conta Samira.

Samira com crianças no projeto de extensão. (Arquivo pessoal)

"É importante ressaltar que o meu interesse pela robótica surgiu graças a oportunidade que eu tive no ensino médio. E por isso enfatizo a importância do professor como apoiador e incentivador de sonhos. Se hoje eu sou estudante de uma universidade federal é porque eu tive professores que acreditaram em mim e me apoiaram. E se hoje eu sou uma pesquisadora, é porque eu tive a oportunidade de conhecer professores cientistas que apoiam essa causa", disse Thauanne

Diante destes relatos, é possível notar a importância da iniciação científica na vida dos estudantes já nas escolas. Projetos, como a iniciação à robótica capitaneado pelo professor Igor, desenvolvem habilidades especiais que são importantes para a vida do aluno, que passam a ter maior clareza sobre suas decisões profissionais e pessoais. O incentivo à ciência ainda é algo bastante restrito às universidades e algumas instituições brasileiras, pois faltam maiores investimentos nas escolas públicas e particulares, e um olhar cuidadoso que valorize o impacto das pesquisas científicas no desenvolvimento social e tecnológico do país como um todo.

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