
Desigualdade étnico-racial na Pós-graduação
Como o racismo reverbera no ambiente acadêmico e impacta a produção científica e de conhecimento
Gabriela Rosa e Rebeca Nunes
“Eu não me imaginava, vindo de uma família pobre que não tinha condições. Na minha cabeça mestrado era só pra quem tinha condições e pra quem era considerado muito inteligente” fala Sheylla Acácio dos Santos, 24. A estudante se surpreendeu quando a sua atual orientadora, a Prof. Dra. Patrícia Rosalba,“ao acreditar em seu potencial”, sugeriu que ela participasse do edital de seleção para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) no final de 2018.
A mestranda entrou no primeiro ano em que o programa utilizou de ações afirmativas para o acesso de pessoas negras e indígenas, sendo uma mulher quilombola da Comunidade Quilombo Mocambo e descendente direta do povo índigena Xokó, ambos de Porto da Folha, Sergipe.
A entrada pelas cotas só foi possível porque em 2017 a UFS apresentou a resolução n. 59 do Conselho do Ensino, da Pesquisa e da Extensão (Conepe) que implementou políticas de ações afirmativas. A aprovação veio após a portaria, editada no ano anterior, pelo Ministério da Educação (MEC) que estabeleceu que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) apresentassem propostas sobre inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação strictu sensu (Mestrado, Mestrado Profissional e Doutorado).
Estando atrás de instituições como a Universidade Federal do Piauí (UFPI) que aprovou resoluções sobre ações afirmativas na pós-graduação em 2014, para o Prof. Roberto Lacerda, coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI), a UFS “com certeza têm aí alguns anos de atraso que de forma direta significam estudantes negros que deixaram de ascender na carreira acadêmica por meio da reserva de vagas para os programas de pós-graduação”, avalia. .
Esse atraso da decisão poderia significar a ausência de Sheylla em um desses programas. E é justamente por isso que a enfermeira de formação destaca o papel de políticas afirmativas. “A cota não vai trazer uma igualdade, é uma equidade [...] quando você dá a alguém aquilo que ele precisa e não iguala a todo mundo. A cota é uma ferramenta que possibilita que pessoas como eu cheguem a disputar por igual com pessoas que tiveram privilégio a vida inteira”, defende. Foi essa ferramenta que proporcionou que uma egressa de faculdade particular, paga com o Fies, participasse em uma pesquisa tão importante como a do seu mestrado.
“Zika vírus em mulheres do Alto Sertão”, é o que estuda Sheylla, no Campus Sertão da UFS, em Nossa Senhora da Glória, onde também já estudou Engenharia Agronômica, curso que não terminou. Ela descreve como difícil estar no mestrado de Antropologia sendo formada em Enfermagem, mesmo estudando um tema dentro da área da saúde e facilidade de se expressar “Estar, hoje, fazendo um mestrado, é muito gratificante para mim, para a minha família e dentro da comunidade. Eu sou a primeira da comunidade, primeira mulher, inclusive, que se forma na área da saúde e, principalmente, em enfermagem”, conta a pesquisadora.
“É um lugar que eu nunca imaginei chegar. Eu sabia que queria algo diferente para a minha vida, mas eu não imaginava chegar ‘aqui’, tão longe. Pra mim já é muito longe terminar uma graduação, imagine estar em uma pós-graduação”, conta a mestranda ao reconhecer a dificuldade de pessoas como ela acessarem e ocuparem esses espaços onde a expectativa e o número de ocupação de negros e indígenas é tão pequeno. Segundo o último balanço divulgado pela Capes 2016 em - órgão do MEC –, apenas 29% dos alunos da pós-graduação são pretos e pardos; o estudo não traz dados referentes à população indígena.
A ausência de informações sobre a presença de pessoas não brancas é também um problema encontrado na UFS e reconhecido pelo NEABI, já que o núcleo está envolvido desde o primeiro momento da implementação das políticas de afirmação e também fomenta outras ações no sentido da diversidade étnico-racial. Para o atual coordenador do órgão, o Prof. Roberto Lacerda, a inexistência dessa coleta de informações é alarmante, mas “demonstra a importância da gente construir um censo, ter essas pesquisas para conhecer e denunciar a realidade e tentar modificá-la”.
À frente do órgão da Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (POSGRAP) da UFS de 2017 a 2020, o prof. Lucindo Quintans conta que as dificuldades relacionadas às ações afirmativas (AFs) estão relacionadas ao tempo necessário para que sejam feitas acomodações, principalmente as normativas. “A política de AFs dentro da UFS é algo relativamente novo e em constante aperfeiçoamento, mas a POSGRAP junto com a COPGD buscou dialogar com os PPGs que estavam com dificuldades em implementar as premissas da Resolução 59/2017 CONEPE ampliando o debate com outros PPGs que tiveram maior facilidade”, comenta o ex Pró-reitor.
Com a implementação das (AFs) na UFS, que ocorreu primeiramente na graduação, a universidade foi cobrada a criar uma banca de heteroidentificação que pudesse ajudar a solucionar o problema de fraude de cotas. No ano passado, perfis e identidades de possíveis fraudadores foram divulgados em redes sociais, o que resultou em determinação pelo Ministério Público Federal de Sergipe para que a instituição tanto apurasse as denúncias como criasse um comitê permanente para a apuração.
No entanto, a graduanda em Direito pela UFS, Stefany Santos, membro do Coletivo Negro Beatriz Nascimento (CNBN) que fez parte do Grupo de Trabalho designado para a construção do comitê de heteroidentificação, destaca que “a UFS tentou protelar, tentou adiar o máximo possível, tentou combater mesmo a criação e a execução das bancas. E isso em todas as instâncias. Ela levou até o último momento de negociação antes da via judicial”. Postura que, na visão da estudante, só não perdurou pelo receio da universidade de ser prejudicada de forma processual penal. Santos ainda destaca que políticas e ações nesse sentido dependem muito do interesse das próprias instituições: “pelo que eu posso perceber, vai muito da vontade dos gestores das universidades.”
Para além da reserva de vagas, outras ações e políticas de permanência
As cotas possuem um papel importante no combate a desigualdades estruturais. No entanto, os beneficiários dessas políticas ainda encontram dificuldades de ordem financeira para dar continuidade à carreira acadêmica. “As cotas têm um papel fundamental para poder trabalhar a equidade do acesso, mas é importante também que a pós- graduação, que os programas, considerem a importância da permanência”, comenta o professor Roberto Lacerda. Para o professor, é necessário levar em conta as condições as quais as populações negras e indígenas estão inseridas, principalmente em vista do contexto histórico pós-escravidão que relegou essas pessoas aos lugares mais vulneráveis e marginalizados.
Segundo Lacerda, as políticas de permanência, para além das cotas, podem ser constituídas pela ampliação da seleção de bolsas que considerem a vulnerabilidade social e superem o critério meritocrático que é excludente justamente pela desigualdade do acesso. Ainda, para o pesquisador, são necessárias ações que busquem integrar os dois níveis de ensino superior:
“É bem importante que haja articulação com a graduação pra que o estudante negro e indígena, cotista ou não, possa acessar os programas de iniciação científica, as bolsas de extensão, os projetos de pesquisa e, a partir daí, qualificar o currículo e ampliar as possibilidades de acesso e ingresso, na pós-graduação”
Roberto dos Santos Lacerda, 39, é professor do Departamento de Educação em Saúde e do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Culturas Populares, PPGCULT. O docente pesquisa sobre saúde coletiva e trabalha com saúde da população negra, educação em saúde, comunidades quilombolas e sobre a relação saúde-ambiente. Para o pesquisador, a posição em que se encontra é um desafio. “Enquanto professor negro, é desafiador. Não só pela própria concorrência pra entrar na universidade, que é um espaço de disputa, mas também pelo fato de ser negro e pela responsabilidade de ocupar esse espaço que é sub-representado”.
Justamente por tal condição de sub-representarão colocada aos negros e indígenas que Lacerda destaca o papel das políticas de assistência para manter esses grupos étnico-raciais em espaços acadêmicos, a começar pela graduação. “A gente que tá ocupando esse espaço também tem que colaborar para reduzir essas desigualdades e promover o acesso, ajudar a ampliar o acesso de outros jovens negros e negras, para que a gente também se sinta representado. Assim como os estudantes se sentem representados quando me veem como professor, eu também quero, cada vez mais, me ver representados nos estudantes”, destaca o professor. Para ele, essas políticas servem para que estudantes não brancos também possam “acessar à instituição na condição de professores e pesquisadores”.
Em relação à única universidade pública do estado de Sergipe, atualmente, a UFS não conta com nenhum trabalho conjunto entre a POSGRAP e a PROEST (Pró-reitoria de assuntos estudantis) - órgão da instituição responsável pelas questões que dizem respeito ao corpo discente, tais como ações assistenciais - acerca de políticas de auxílio financeiro que promovam a permanência de pessoas pretas e indígenas nos programas de pesquisa. Segundo o último pró-reitor da POSGRAP, Lucindo Quintans, “a PROEST usa basicamente os recursos do PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil) que apoia a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES)”.
Sheylla Acácio acredita que a aplicação da bolsa permanência que existe para os alunos da graduação integral, seria de “suma importância” para que os mais diversos grupos étnicos-raciais se mantenham como graduandos e, por isso, considera que ela também deve existir para a pós-graduação, sob a mesma justificativa. “A preocupação não é só de abrir as portas para que negros, indígenas, pessoas não brancas, entrem nos espaços universitários, a preocupação deveria ser também para mantê-las. E por quê não, além de mantê-las, incentivá-las a desenvolver estudos acadêmicos voltados para si?”, questiona a mestranda.
Já na perspectiva de Rubens Henrique dos Anjos Camilo, 25, “o fomento de educação de base seja mais importante para além das políticas afirmativas, porque se dariam a partir daí as mesmas oportunidades; e não só educação, porque a gente sabe que a população negra é negligenciada em todos os outros setores [...] em tudo que é relacionado a infraestrutura, a moradia, saúde, voltadas para esse público”. Camilo é um jovem negro e estuda questões raciais, sobretudo em relação à necropolítica e ao genocídio da população negra, no seu mestrado em Direito Material e Processual Penal pela Universidade Tiradentes (UNIT). Segundo o pós-graduando, a preocupação com esses grupos sociais é sempre negligenciada dentro da agenda de políticas públicas.
Pensar a permanência é necessário para que essas pessoas não desistam e se afastem de seus estudos e pesquisas ao longo do percurso. Camilo reflete que: “após o ingresso existe o problema da evasão. E daí vêm diversas questões, desde moradia, locomoção… Há aquelas pessoas que precisam trabalhar porque não têm o privilégio de apenas estudar, de apenas pesquisar, tem muita gente que mantém família, tem mulheres que são mães, então por natureza já possuem, além de trabalhar fora, a responsabilidade pra casa e para os filhos, então existem diversos problemas.
Eu creio que investir em bolsas é extremamente necessário, tanto para alimentação, para a moradia, para manutenção da pesquisa”. Ele ainda acrescenta a necessidade de existirem espaços físicos para acolhimento de mulheres pesquisadoras e mães, para que deixem os seus filhos , e para apoio psicológico de todos os discentes.
Com políticas de assistência ou não, é difícil, mas importante permanecer:
“A universidade hoje em dia é mais um espaço que a gente tá lutando pra demarcar”
Sendo a primeira de sua família a ingressar no mundo acadêmico, Débora Arruda, 29, indígena, graduada em Letras e mestranda em Antropologia Social na Universidade Federal de Sergipe, conta que o interesse pela sua área de estudo veio através do intuito de buscar um futuro e narrativas diferentes para ela e sua família. A pesquisadora conta, ainda, que o processo para chegar na posição que ocupa hoje em dia, foi longo.
Entre sua formação na graduação e a entrada no programa de pesquisa do mestrado se passaram cinco anos. Sem vislumbrar oportunidade de retorno financeiro dentro do espaço acadêmico, a necessidade de trabalhar para sobreviver falou mais alto, motivando esse hiato. Somente após esse tempo, graças a um alívio em sua vida financeira, foi possível voltar a praticar o que descobriu realmente gostar: estudar e fazer ciência.
“Agora o lixo vai falar”, foi esse o tema de um trabalho cuja apresentação Débora teve a oportunidade de assistir quando participou do primeiro evento em que exporia sua pesquisa. Ela conta que se sentiu marcada pelo tema e que hoje, ocupando o espaço que ocupa, se sente como um lixo falante: “é você sentir que o lixo vai falar, porque quando você não vê outras pessoas iguais a você dentro daquele lugar, quando você sempre é a exceção naquele lugar, quando os textos que você estuda estão exotizando sua existência, fazendo os corpos dos seus antepassados de laboratório, você se sente em uma posição de lixo”.
A deslegitimação dos indígenas dentro do meio acadêmico é um fator destacado por Débora. Como consequência da colonização, os indígenas acabam sendo invisibilizados , o que gera dificuldades para ocupar certos espaços. “Não é ser uma aluna, não é ser uma mestranda; é ter sua voz o tempo inteiro questionada, é ter que estudar o triplo ou até dez vezes mais do que uma pessoa branca que está ali dentro que talvez tenha sim seus argumentos questionados, mas não na mesma medida, não com o mesmo olhar e não com a mesma intenção”, comenta Débora.
Débora chama atenção para o fato de o referencial colonialista colocar as minorias raciais o tempo inteiro no lugar de objeto, no lugar “dos outros”, uma posição que exotiza essas existências. Por motivos como esse, inserir a diversidade étnica-racial no meio acadêmico é uma das pautas que segue como essenciais na luta desses povos.
A partir do momento em que eles se inserem na academia para estabelecer uma disputa de narrativas, também se estabelece uma disputa de ponto de vista, uma disputa sobre a forma como historicamente a ciência branca enxergou o mundo. “Diversos outros saberes foram invisibilizados para que o eurocêntrico pudesse ser posto como oficial e único, então quando estamos ali refletindo, pautando, brigando literalmente para que outras existências sejam reconhecidas, estamos brigando também pra que outros olhares sejam estabelecidos sobre o mundo”, realça Débora.
A desigualdade é um dos fatores que levam ao retrocesso, o tempo não é o mesmo para os diferentes grupos étnicos-raciais. A mestranda aponta que muitas vezes, com a necessidade de se dividir em diversas tarefas cotidianas, como trabalhar para se manter, por exemplo, produzir se torna uma missão bastante difícil, pois na lógica produtivista, enquanto o terceirizado trabalha, quem terceiriza produz.
Débora complementa afirmando que “as disparidades fazem com que você queira deixar de ser quem você é, na tentativa de ser igual ao outro, para se camuflar; se a gente for olhar pra natureza, o animal se camufla para se proteger de um ataque, se mistura pra não ser enxergado, então é isso que a desigualdade faz com a gente dentro do espaço acadêmico, faz a gente ter vontade de se misturar para não ser enxergado, porque ser enxergado dói”. A busca por parentes que também façam parte desse espaço e o estabelecimento das redes de contato como coletivos, por exemplo, são ferramentas estratégicas significativas quando o acolhimento e o fortalecimento uns dos outros se faz necessário.
“A gente vai demarcar todo e qualquer lugar que a gente acredite que pode ocupar, inclusive para poder aos poucos, ir quebrando essas visões cristalizadas de 1500, de povos originários ocupando os estereótipos inventados por outros dentro da colonização e não por nós [...] então estar nesse lugar, trazer a nossa cara e encontrar outras mãos dispostas a travar essa disputa com a gente é fundamental”, finaliza Débora.
Sobre as percepções das desigualdade sociais, o mestrando Camilo afirma que as sentiu desde que ingressou no ambiente acadêmico, principalmente por estudar em uma universidade privada onde, segundo ele, as questões sociais são menos discutidas. “Eu estava tendo aulas de Direito Penal e, durante isso, surgiu essa questão de racismo. A gente tava estudando crimes contra a honra e, dentro desses, tem uma espécie de crime que é injúria racial, e eu questionei acerca da diferença do crime que a gente chama de racismo, que é um crime gravíssimo e geralmente desqualificado para injúria racial, que é um crime bem mais leve e tal. A partir daí eu falei: quero estudar algo que implique, que venha mudar essa perspectiva”, conta o estudante.
Ainda segundo Camilo, as vivências desconfortáveis e experiências preconceituosas afetam a saúde mental e o estado psicológico dos estudantes negros e indígenas o que, de forma consequente, impacta na produtividade dessas pessoas: “De fato implica muito, porque é extremamente difícil você estar ali no meio, você tem que se provar duas, três vezes mais que outras pessoas que apresentam resultados muitas vezes medíocres, e você é mais cobrado também, aparentemente, e aí é difícil, mas não é impossível”.
A diferença de experiências em relação aos ambientes privados e públicos foi sentida também por Sheylla, que pôde passar pelos dois tipos de ensino durante a sua vida acadêmica. No entanto, para a mestranda, o racismo pôde ser sentido em ambos os ambientes. “No dia a dia você vai ouvindo “ah não, mas no seu interior tem isso? tem internet? Tem água? [...] são preconceitos, de que tudo pra nós, nas nossas comunidades, é arcaico, e retrógrado [...] as pessoas se espantam quando veem que a gente sabe usar a tecnologia. Nós temos que viver naquele mundo da cabecinha deles onde não conseguimos alcançar nada com facilidade e assim devemos permanecer, até porque se nós conseguirmos acesso à informação, é espantoso para eles. Eles querem dominar tudo, os brancos”, discorre a pesquisadora sobre um pouco do que viveu.
Segundo a mestranda, foi ainda mais surpreendente sentir essas agressões vindas de pessoas que estudam na sua área de estudo. “Para mim foi muito espantoso ver dentro de uma turma do Programa Pós-graduação de Antropologia – que é pra estudar justamente esses recortes étnico-raciais, essas questões de gênero, de políticas públicas, de desigualdade – pessoas tão pobres de conhecimento e que de fato dificultavam um pouco a minha entrada em campo, a minha percepção dentro da antropologia e o meu desenvolvimento”, conta a mestranda.
A diversidade étnico-racial repercute na ciência e na produção de conhecimento
O fomento de políticas públicas que proporcionem a diversidade étnico-racial dentro dos Programas de Pós-graduação no país e, assim, em Sergipe, é importante para que a própria produção científica possa ser ampla e diversa. No entanto, como discorre o Prof. Roberto Lacerda, “não adianta a gente falar de diversidade, de pluralidade, se a gente tem, historicamente, um grupo étnico-racial compondo quase que a totalidade dessa universidade, produzindo conhecimento a partir de bases eurocentradas e que não dialogam com a representação, com a diversidade que está presente fora da universidade”. Esse grupo racial é branco e não reflete a sociedade sergipana e muito menos a brasileira, que é composta por 54% de pessoas negras e 896.917 indígenas, de acordo com o último censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entender que desigualdades vistas e reproduzidas dentro dos Programas de Pós-graduação e na produção científica atravessa a compreensão de que isso é um problema estrutural e construído em anos de opressão sistêmica, feita de forma violenta e excludente. Por isso, para Lacerda, “é extremamente importante na produção científica do país, a inclusão, essa promoção da diversidade, não só para os grupos que vão acessar a universidade, que historicamente tiveram esse acesso negado, mas também para a própria ciência, que se torna mais diversa, que se torna mais plural e que passa a incorporar novas perspectivas, novas epistemologias, novos autores, novas teorias, a partir da inclusão de estudantes negros, indígenas, da população LGBT, de pessoas com deficiência, ou seja, dos mais diversos olhares, corpos e pessoas dentro da universidade”.
Por: Jamiles Batista e Milena Alves
A inserção desses grupos étnico-raciais sociais na produção do conhecimento é sentida, principalmente, no protagonismo do desenvolvimento de pesquisas que têm as minorias como objeto de estudo. Na perspectiva de Sheyla Acácio, quando pessoas como ela, quilombolas, indígenas, assumem papel protagonista sobre coisas que lhe dizem respeito, é assustador para os brancos que estavam acostumados a serem os únicos a liderarem todas as narrativas.
“Quando você vê um indígena, um negro, ir lá e dizer ‘ó esse é o meu lugar de fala, eu posso falar com propriedade sobre mim, eu tenho capacidade teórica, científica e prática pra falar sobre mim. Eu não preciso mais dá sua representação’, isso assusta. Porque pra eles estão perdendo o lugar deles. Eles eram porta-vozes para a sociedade nos ouvir através do que eles queriam contar, que pode ou não estar dentro do contexto do que realmente vivemos. Então, quando a gente começa a ocupar esses espaços - que são nossos –, a utilizar das nossas próprias linguagens, a falar do nosso próprio cotidiano sem precisar de intermediários, de interlocutores, de atravessadores do conhecimento, eles se assustam”, finaliza a pós-graduanda em Antropologia.
Na compreensão do antigo Pró-reitor de Pós-graduação da UFS, os próprios órgãos governamentais responsáveis pela pesquisa feita no país são limitantes quando o assunto em questão é fazer uma ciência inclusiva e diversa. Para ele, existem “gargalos institucionais”, referentes às universidades, e “muitos extra-institucionais”, que dizem respeito aos poderes superiores, a exemplo das “normas da própria Capes, que recomenda que as bolsas de demanda social (DS) sejam destinadas para as maiores notas do processo de seleção dos mestrados e doutorados sem levar em consideração importantes conceitos de equidade. A cultura dos PPGs é de seguir essas normas, pois temem a retaliação no processo de avaliação quadrienal. Essa cultura tem que ser mudada com bastante diálogo”, comenta o Prof. Lucindo Quintans.
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