Por Emily Prata, Maria Isabel Chaves e Valter Davi
O mês de setembro é marcado pela data de aniversário da segunda inauguração dos mercados centrais de Aracaju. O Antônio Franco, com o relógio parado, demarca um tempo estagnado de cuidados e revitalizações. O abandono perpassa para os outros dois mercados: o Thales Ferraz, e o popularmente conhecido Albano Franco. Este último, em 2017, foi renomeado para Mercado Maria Virgínia Leite Franco, mas as placas do antigo permanecem enferrujando na marquise. Neste ano, não há comemoração. A última reforma realizada no complexo central completa 22 anos, observando a modernidade chegar aos espaços ao seu redor, mas sem perspectiva para ele.
O Relógio do Mercado Antônio Franco, inaugurado em 1926, hoje encontra-se deteriorado.
Foto: Maria Isabel Chaves
Com o relógio que deixa a marca registrada até hoje, e desde o dia da sua inauguração, em 1926, o Mercado Antônio Franco foi tratado como um “possante relógio''. O prédio ficou conhecido como “O Mercado Novo” ou “Mercado Modelo”, possuindo uma arquitetura imponente para a época. O espaço foi um dos marcos mais importantes do governo de Graccho Cardoso (1922-1926). Entretanto, a obra demorou a ser finalizada. A construção foi iniciada em 1924 e, em meados de 1925, foi constatado pelo Diário Oficial do Estado, que o governo não detinha recursos financeiros para concluir a obra do tão sonhado Mercado Modelo. O governo precisou então de financiamento privado, concedido pelo empresário Antônio Franco, a quem se nomeou em homenagem. As obras foram retomadas e a inauguração aconteceu em 08 de fevereiro de 1926.
Se na sua construção o mercado Antônio Franco era formado por comércios de mantimentos, hoje em dia é um aglomerado de bares, restaurantes, lojas de artesanato, de plantas, laticínios e possui uma seção voltada para as produtoras de tapioca. O prédio se tornou um ponto turístico da capital e, com isso, mesmo não passando por reformas estruturais, apresenta, assim, um estado de maior conservação.
Para a professora e historiadora Andrea Rocha, Aracaju para a época, na década de 20, não comportava um mercado do tamanho do Antônio Franco. “Mas havia uma questão política do prefeito da época, Humberto, de reafirmar a grandiosidade. A criação do segundo mercado, Thales Ferraz, já foi uma necessidade que o Antônio Franco não estava comportando, mas tem umas vaidades políticas nesse meio”, explicou.
Em 1948, por conta da demanda da população, é construído um prédio anexo: o segundo mercado, denominado de Thales Ferraz. Durante os anos 1960 e 1970, o cenário era outro, com barracas por todos os lados, pouca higiene, casos de violência e vários locais de prostituição. O centro da boemia sergipana, na capital, possuía um dos prédios conhecido como a maior área de prostituição da cidade, o edifício Vaticano. No prédio eram encontrados pequenos apartamentos que abrigavam comerciantes, feirantes, famílias mais pobres e prostitutas. Na mesma região, encontrava-se ainda o Beco dos Cocos, que representava a vida noturna da cidade, com bordéis, bares e cassinos.
É nesse contexto que se inicia a primeira quebra da memória e do patrimônio aracajuano. “O mercado teve as suas fases. Na primeira fase ele era considerado um point, era um local de destaque para toda a população de Aracaju, era um local de passeio, as elites se arrumavam para ir, mas com a ocupação que foi tendo com o passar do tempo... No princípio vai ter um auge, e na perda vai se descaracterizando totalmente, então virou um caos. Um caos”, conta Andrea Rocha.
Em 1998, as barracas foram ao chão e, durante dois anos, a grande reforma era o palco central de toda a comunidade que trabalhava ali e de quem ia até os mercados para consumir. Em 15 de setembro de 2000, foi inaugurado o então Mercado Albano Franco, que se separa dos dois primeiros mercados pela Praça Hilton Lopes - famosa por ser palco do Forró Caju, evento que promove grande movimentação turística na região. Entre os dois mercados mais antigos se encontra o Centro de Atendimento ao Turista (CAT), localizado estrategicamente para auxiliar e tirar dúvidas dos turistas.
“É um momento de expansão das informações, que o turista traz na bagagem e sai de lá com uma visão geral sobre a capital sergipana e com a primeira impressão da nossa cordialidade como aracajuanos”, afirma Jorge Fraga, secretário da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo (Semict).
Atualmente, dos três prédios, o mais prejudicado é o Mercado Albano Franco, irmão mais novo. Lá podemos encontrar frutas, verduras, carnes, mariscos, produtos para animais, roupas, sapatos, utensílios domésticos, acessórios para celulares, entre outras coisas. É visível que não há manutenção das bancas de comércios, pois muitas estão com as vigas à mostra, numa iminência de queda.
Conversando com alguns comerciantes, constatamos que a Prefeitura não promove nenhuma ajuda com as reformas dos balcões, os permissionários dos boxes que são responsáveis pelas melhorias. Valter Carvalho, vendedor de cereais e grãos, conta que passaram muitos anos e a Prefeitura nunca fez uma reforma eficiente.
"A gente já falou isso umas vezes, mas não deram muita importância, não. Precisa de uma reforma, nunca teve, só um retelhamento de umas telhas quebradas. Tinha um vazamento, eles vinham e consertavam. As estruturas de ferro precisam de pelo menos uma pintura, por causa da maresia que estraga.”, acrescenta.
Valter está no local há 63 anos, explica que gastou cerca de R$ 25 mil reais para construção da estrutura que armazena seus produtos, sem ajuda nenhuma do poder público. Além disso, é notório o descaso total com o sistema elétrico do local, estando os fios expostos em diversos pontos. Sobre isso, Valter completa dizendo que já precisou comprar e trocar a lâmpada de seu balcão quatro vezes.
Na parte superior, encontramos um local ocupado por comerciantes vendendo roupas de segunda mão em araras, e alguns boxes fechados que antes eram restaurantes e lojas variadas. A comerciante Vanuza, 45 anos, contou que antes os brechós ficavam do lado de fora do mercado e, após muitos pedidos, foram realocados para esse novo local. “Aqui é melhor, pois estamos na sombra e temos mais estrutura. Mas é muito difícil as pessoas chegarem aqui, pois não sabem a existência desse setor”, explica. Ainda nesse espaço, encontramos um açougue que claramente está num local inadequado, provando o descaso com a organização dos setores. Além disso, também encontramos uma peixaria em meio às lojas de roupas .
Apesar dessa falta de logística na disposição dos estabelecimentos, a Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), responsável pela limpeza dos mercados, afirma desenvolver uma atividade contínua. “O local é higienizado diariamente com a lavagem nos setores de hortifruti, carnes e pescados após o encerramento das atividades, e conta com mutirões mensais, durante a terceira segunda-feira de cada mês”, afirma o presidente da Emsurb, Bruno Moraes. No entanto, questionados sobre planos de reforma, esquivam-se de responder, falando apenas das questões de limpeza e manutenção.
LINHA DO TEMPO
O DESCASO ESTRUTURAL
Em contraste com a falta de reparos na estrutura do Complexo de Mercados, principalmente no Albano Franco, há duas novas construções que chamam a atenção naquela região. Em março deste ano, a prefeitura de Aracaju finalizou a reforma do Terminal do Mercado, com um investimento de mais de 11 milhões para desenvolver a obra. Na mesma área, encontra-se também o Aracaju Parque Shopping, inaugurado em 2019. As novas obras trazem uma ideia de área em processo de modernização diferente do que é observado nos mercados, que não foram reformados desde sua inauguração há 22 anos.
“Não adiantou ter feito essa revitalização e não ter tomado os devidos cuidados, o tempo foi passando, passou uma década, duas décadas, já são 22 anos, e foi decaindo e decaindo. O que será do Mercado quando fechar as três décadas, se nada for feito na década em que estamos?”, refletiu a historiadora.
Os problemas estruturais são apenas uma face do descaso com o local, principalmente no Mercado Albano Franco, em que em janeiro deste ano, um vendedor de limões foi morto a tiros no setor de peixes e mariscos. A segurança dos comerciantes e dos compradores é sempre colocada em prova. “Já fui assaltado três vezes aqui dentro do mercado”, conta José Ari da Silva, 72 anos, um dos vendedores mais populares do mercado. Depois desses episódios, Ari se sentiu obrigado a comprar câmeras de vigilância para seu estabelecimento.
O comerciante já está há 52 anos vendendo cereais nos mercados, e foi um espectador das mudanças ocorridas no local. “Esse prédio é melhor que o antigo, é maior. Porém, quando viemos para cá recebemos bancas menores do que as que possuíamos”, conta. Além disso, ele ressalta que por conta do mau planejamento, já aconteceram inundações quando a maré encheu, prejudicando as mercadorias.
O Relógio do Mercado Antônio Franco é outro exemplo desse descaso. A torre é um marco da região e considerado um expressivo cartão postal. Porém, em 2005, a EMSURB realizou a última reforma, estando agora deteriorado e com suas escadas de acesso em estado crítico. No entanto, a empresa alega que, desde 2017, a região dos mercados recebe maior atenção e planejamento estrutural. “As ações de revitalização também foram implementadas em áreas que se tornaram pontos turísticos, a exemplo da Passarela das Flores e o Ponto do Caranguejo”, afirma Bruno Moraes.
Os mercados Antônio Franco e Thales Ferraz, são os mais voltados para a área do turismo, com a variedade de produtos já mencionada. Eles atraem o olhar e interesse dos turistas, proporcionando um passeio de grande valor cultural. O que faz com que a necessidade de cuidados e manutenção dos prédios seja ainda maior, além de serem importantes patrimônios históricos e culturais da capital. O relógio é apenas um dos pontos dos mercados artesanais que precisa de revitalização, o prédio pede por pintura nova, além de reparos na própria estrutura dos terraços e fachadas.
Os projetos de lei que tramitam na Assembleia Legislativa focam muito mais no departamento de segurança dos mercados do que na infraestrutura do local, mas ainda assim os últimos registros no site da Assembleia são antigos. Os mercados de outros municípios do estado acabam recebendo maior investimento do que os da capital, como o mercado de Itabaiana, por exemplo.
Quando observamos os projetos e decretos provenientes da Câmara Municipal de Aracaju, encontramos maiores demandas que envolvem a infraestrutura dos mercados, além de trazer à público as solicitações dos próprios comerciantes. No entanto, as últimas movimentações dentro da Câmara, buscando melhorias nos mercados, são de agosto de 2019 e ainda não se vê nenhuma mudança. Muitas vezes as pequenas reformas solicitadas são aprovadas diretamente pela Prefeitura de Aracaju, através de decretos.
Vale destacar ainda, que a praça dos mercados recebe todos os anos o maior evento junino do estado de Sergipe, o Forró Caju. De acordo com a Semict, o evento gera grande movimentação econômica e atrai grandes investimentos. Porém o resultado dessas movimentações não se revertem em investimentos para o próprio espaço que recebe a festa. Acaba, na verdade, gerando ainda maiores degradações e desgaste ao ambiente.
Para saber mais sobre os mercados, ouça o nosso podcast “Recanto do Agresteiro - Zé Américo, suas histórias e legado”, disponível no site da Zona Contexto.
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