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Maior feira de Sergipe é feita por gente de valor

Por Daniele Caetano, Enzo Rezende, Jhonny Oliveira, Verônica Soares

 

Foto: Verônica Soares


Localizada em Itabaiana, no agreste sergipano, a maior feira livre de Sergipe, e a segunda maior do Nordeste (perde apenas para Caruaru, em Pernambuco), é repleta de histórias das pessoas que fazem ela acontecer. Gente que, às quartas e sábados, faça chuva ou faça sol, transformam a feira em uma espécie de extensão de suas vidas. Este é o caso do casal José Henrique e Tatiane Maria, que encontraram no comércio feito na feira a independência financeira.


"Eu cheguei em Itabaiana com uma mão na frente e outra atrás. Aqui eu me casei e não tinha nem cama. Eu e minha esposa colocávamos um tapete em cima de um papelão e dormíamos ali. A nossa coberta e a nossa cabeceira eram as nossas roupas", relembra José. Hoje, a realidade deles é completamente diferente, graças ao trabalho na Feira de Itabaiana. Foi ali, na lida diária, que eles conquistaram casa, veículos, viagens e, sobretudo, uma família.


O feirante montou sua barraca por influência do irmão, que já era comerciante. Tatiane chegou na feira aos 17 anos para vender ao lado de sua mãe, de quem herdou o gosto pela feira. Neste lugar, eles se conheceram e seguem trabalhando até hoje em uma grande barraca de acessórios para celulares e outros eletrônicos.


Ao redor das mais de 2 mil barracas dispostas na Praça Fausto Cardoso, há uma infinidade de produtos, de pessoas e de histórias. De gente que sempre viveu em Itabaiana, daqueles que chegaram lá para ganhar a vida e adotaram a cidade, além dos que viajam para fazer compras, vindos de diversos municípios sergipanos e até de estados vizinhos.

As irmãs Marinalva Santos, de 62 anos, mais conhecida como Dona Ná, e sua irmã Maria Elze, de 64, conhecida como Maié, nasceram em Itabaiana e, tradicionalmente, todas as quartas e sábados vão à feira juntas passear e fazer compras. “Nós, desde novinhas, já vínhamos à feira. São os momentos para encontrar as amigas e conversar, é uma tradição de anos”, relatou Dona Ná.


José Anselmo, de 89 anos, nasceu em Itabaiana e começou a trabalhar na feira aos 12 anos. Hoje está aposentado, mas segue frequentando o lugar semanalmente. “Essa tenda já foi minha, agora é do meu filho. Foi passada de um para o outro, mas estou sempre aqui, acompanhando ele.” Com orgulho, ele observa o filho seguir seus passos, com o comércio de verduras e legumes na feira.


Aos 18 anos de idade, Seu José mudou-se para São Paulo “em busca de algo melhor". Trabalhou em plantações de algodão, na colheita de café e até na indústria automotiva , mas conta que logo percebeu que o melhor mesmo era voltar para casa. “Eu voltei porque era aqui que tinha tudo que eu gosto. Minha família, Itabaiana, a agricultura e o comércio”, conta o ex-comerciante.


Dona Sueli, começou a frequentar a feira aos 8 anos de idade para ajudar sua mãe com as vendas e segue trabalhando no local há mais de quatro décadas, assim como duas de suas irmãs e seus três filhos. É somente da feira que ela tira o seu sustento. “Em cada dia vendo algo diferente. No sábado, vendo frutas e minha irmã, verduras. Dias de quarta nós vendemos bijuterias juntas”, explica a feirante.



As irmãs Marinalva Santos e Maria Elze; José Anselmo e Dona Sueli, respectivamente.

Fotos: Enzo Rezende


O passeio pela maior feira de Sergipe é uma experiência de cores, formatos, texturas e sabores. Sons que confundem e sons inconfundíveis. Uma variedade incrível de produtos, de sensações e de histórias. Caminhar pelas ruas da feira é uma experiência prazerosa, mas nem sempre fácil.


O grande número de barracas e pessoas circulando e disputando espaço com motos e carrinhos de mão, cria um ambiente um tanto quanto confuso. A variedade de produtos não é distribuída de forma setorizada, o que faz com que em um pequeno trecho seja possível encontrar a venda de frutas, verduras, carnes, roupas e até bijuterias.


A falta de setorização dos produtos e a circulação de motos no espaço criam um cenário inusitado. Foto: Verônica Soares


As multidões que toda semana percorrem essas ruas, constroem mais que relações comerciais. A feira é um negócio de família para muitos e um espaço que tantos outros visitam, em família. É lá que milhares de pessoas trabalham. Alguns, se orgulham de ter conquistado nesse lugar a independência financeira.


Mas é possível também se deparar com a fome. Há pessoas que, diante das dificuldades financeiras, buscam ajuda e encontram nesse lugar solidariedade. Outros se queixam de arrecadar pouco mais que o necessário para o sustento, caso de José Amilton Pereira, que há 35 anos trabalha carregando compras com um carrinho de mão. Hoje, aos 58, ele continua prestando o mesmo serviço, que diz considerar cada vez mais difícil por conta da idade.


Em um bom dia de trabalho, José ganha cerca de R$ 50 e é somente da feira que ele, que ainda não conquistou a aposentadoria, consegue o sustento. “A feira aqui é difícil demais para mim. Para conseguir frete, só das pessoas que já são clientes, que vem diretamente. Aqui não tem fila, não. Chegou, chamou”, finaliza.


TÃO GRANDE QUANTO ÚNICA


Todo esse conjunto tornou a Feira Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Sergipe, por meio do projeto de lei nº 124/2019. Esse título reforça uma tradição que já existe desde 1898 e passou por mudança de local e o desafio do tempo, de forma inabalável. Desde 1926, quando foi edificado o Mercado Municipal, a feira passou a funcionar no atual Largo Santo Antônio.


O historiador itabaianense Wanderlei Menezes conta que, com o crescimento da cidade, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, a feira passou a acontecer em dois dias: os tradicionais sábados e às quartas-feiras. Nessa época, também foi ampliada até chegar ao Largo José do Prado Franco, no Centro, onde está até hoje. A feira é realizada pela Secretaria Municipal de Agricultura em um espaço físico extenso que se apequena diante das milhares de pessoas que fazem parte desse cenário.


Gente que vai para vender, para comprar; pessoas que carregam as compras, que cuidam da limpeza, da segurança. A força do comércio na região da feira é tamanha que há barracas todos os dias. Na quinta, a chegada e saída dos mais de 330 caminhões com mercadorias cria um fluxo de vendas semelhante ao dos dias oficiais, segundo o coordenador da feira, Eronildes Rodrigues.


Existem cerca de 50 pessoas trabalhando na limpeza do local toda quarta e sábado. Para garantir a segurança, quatro policiais realizam rondas nos dias oficiais e na quinta. No local onde acontece a feira também existem câmeras de segurança conectadas a duas salas de monitoramento. Toda essa atividade beneficia milhares de comerciantes da cidade e de outros municípios sergipanos, que produzem, por exemplo, cerca de 70% das frutas comercializadas no local.


Pessoas que trabalham na segurança e na limpeza da feira. Fotos: Daniele Caetano


Quem visita a Feira, pode voltar para casa carregando uma experiência que reflete parte da cultura da cidade. Uma grande diversidade de legumes, que demonstra a força da agricultura familiar na cidade “onde se tem tudo”.


Do adicuri quebrado ao maturi; do queijo do sertão ao requeijão da raspa do tacho; do jiló a seriguela. A feira é uma opção para quem quer provar o famoso bolachão de Itabaiana e a gastronomia regional ou para quem experimenta as deliciosas bebidas artesanais. Esse é o lugar para quem busca o que não encontrou em nenhum outro lugar.


A feira é ponto de encontro dos amigos, atração cultural, ponto turístico. É lugar de trabalho e palco de histórias incríveis. Mas o que torna esse ainda mais especial é o encontro da “vocação itabaianense para o comércio” com um povo conhecido pelo orgulho que tem de si mesmo.


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