Por Amauri Lima e Mateus Ferreira
A Maré do Apicum, no bairro Coroa do Meio, região sul da capital sergipana, nos recebeu de portas abertas, serena e pacífica, assim como as pessoas sentadas na porta de casa jogando conversa fora. O que chega a ser irônico, já que minutos antes da chegada, mais uma vítima do crime organizado acabara de sair de lá carregada pelo som mais angustiante da morte. E como se nada tivesse acontecido, as pessoas andavam tranquilamente pelas ruas. Ao lado da cena do crime, os pescadores montavam suas redes como se aquilo já fizesse parte do dia a dia. E fazia.
Cada minuto naquele local ocupava o lugar do maestro na sinfonia da ansiedade. E ele tinha pressa. Estava agitado por ver duas senhoras fazendo tricô a poucos metros do chão marcado de vermelho. “Aqui a gente tem que tomar cuidado com o que fala”, disse uma moça quando perguntada sobre o museu. E logo descobriríamos o porquê.
Sem esperanças, chegamos na estrutura do museu. Ou no que ela deveria ter sido. Como detetives, queríamos investigar a real situação do local e registrar isso. Muito se falava sobre o abandono, mas o que presenciamos era algo muito além disso.
Como em um filme de velho oeste, o silêncio tomava conta daquela “cidade abandonada”. O ranger dos brinquedos enferrujados era como o resquício de uma civilização antiga. Uma civilização que se mudou para o outro lado da rua e que não conseguia mais passar pelo local, com medo do que poderia acontecer. Isso porque agora, o lugar tem dono. Ou melhor, dona.
Na calmaria do silêncio, tentávamos congelar o momento do que já havia se perdido no tempo. Até que, de longe, uma voz rompeu a tranquilidade momentânea. A dona do pedaço se irritou com a presença destes forasteiros e veio ao nosso encontro. Agora, totalmente controlados pelo instinto de sobrevivência, iniciamos nossa corrida contra o tempo. Cada tropeço, cada passada seria crucial para sair vivos de lá.
No meio do caminho, o olhar jornalístico apontava para dona Maria Isabel, moradora da região, como a nossa luz no fim do túnel. Em meio a corrida pela sobrevivência, fomos acolhidos e alertados. A mulher de cabelos loiros e crespos, como descreveu a moradora, era chefe do tráfico da área. Dona Maria Isabel disse que tivemos sorte de não ter sido os próximos a manchar o chão de vermelho. E disse mais: “Ali atrás do museu é onde ela e os outros malandros escondem as armas e as drogas”.
Depois de nove minutos de prosa voltamos à corrida. A aflição voltava aos nossos corpos, enquanto o único desejo era o de voltar inteiros para casa. E voltar ao lar foi um alívio. No fim, a aflição pairava no ar ao mesmo tempo em que processávamos o ocorrido.
ABANDONO E MEMÓRIA
Entre as raízes aéreas do manguezal e as palafitas que surgiram na maré do Apicum, nascia uma pequena vila de pescadores que começava a dar forma à primeira ocupação do terreno. Mas a maré é traiçoeira, sobe e desce sem aviso prévio. Nesse movimento, ela é capaz de levar junto o que estiver em seu caminho e os moradores sabiam bem disso.
Em 1980, a Prefeitura de Aracaju começou o processo de urbanização e loteamento do local para a expansão da cidade. Mas, nessa luta do homem contra a natureza, o que tinha sido construído foi levado pela força bélica das águas e muita gente perdeu tudo o que tinha. Apesar da constante batalha, aos poucos a maré perdeu forças e deu espaço ao que hoje conhecemos como bairro Coroa do Meio.
Com a implementação dos processos de urbanização do bairro em 2001, iniciaram-se as obras do Museu do Mangue, localizado na Avenida Desembargador Antônio Góis, próximo à Maré do Apicum. O museu foi construído por parceria da prefeitura com o Governo Federal, por meio do Ministério de Cidades, com um custo de mais de 1,6 milhão de reais e o propósito socioambiental de promover a educação ambiental e preservação da área de manguezal que cerca sua localização.
De acordo com informações divulgadas no site da Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA), o projeto contempla, além do museu, a construção de quiosques, centro produtivo, núcleo de apoio aos pescadores, píer, quadras de esportes, módulo de apoio à saúde, espaços para a realização de oficinas, exposições, dois atracadouros, além de estacionamentos para veículos.
Apesar disso, o andamento das obras conduziram um processo que fez com que a estrutura ficasse abandonada ao longo dos anos. Em 2007, o museu passou por revitalização, mas seguiu sem funcionalidade até o ano de 2010, quando foram realizadas novas obras pela PMA, a fim de finalmente reestruturar o Museu do Mangue e entregar um patrimônio de benefício público para a comunidade.
Apesar dos esforços, poucos dias antes da entrega da reforma em 2011, aconteceu um incêndio no museu, que o deteriorou ainda mais. Segundo Eliene Oliveira da Silva, em sua dissertação “Governança e Comunidade Local: a Experiência do Museu do Mangue”, produzida em 2020 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA da UFS, o museu foi oficialmente inaugurado na gestão do prefeito João Alves Filho, em 6 de maio de 2013, com o nome de Centro de Educação Ambiental Manoel Bonfim, sobre gestão da Secretaria Municipal de Meio Ambiental (SEMA).
Nesse período, a SEMA havia colocado servidores para atender a comunidade, como a Guarda Municipal, e chegou a oferecer serviços de atendimento. Segundo Eduardo Lima de Matos, promotor de justiça na 10° Promotoria dos Direitos do Cidadão do Ministério Público de Sergipe, que era gestor da secretaria na época, já estavam sendo iniciados os primeiros contatos para a realização de convênios com a Universidade Tiradentes (UNIT) e a Fundação Mamíferos Aquáticos, chegando a ser assinados os documentos.
Assim, o museu chegou a ficar ativo no ano de sua inauguração, mas após isso, o poder público deixou de lado as obras e ações civis públicas protocoladas contra a PMA. Uma delas ocorreu em 2015, quando os moradores do local conseguiram uma concessão temporária do Ibama para realização de feira de artesanato e culinária no estacionamento do museu.
De acordo com a dissertação de Eliene Oliveira, a SEMA, nesse mesmo período, havia assinado um termo de concessão de uso do espaço do Museu do Mangue para as associações do bairro Coroa do Meio, que permitiu utilizar o local para realizar eventos culturais e uma feira de artesanato e alimentação.
A última ação protocolada ocorreu em 2018, quando a Associação dos Moradores e dos Ex-palafitas do bairro Coroa do Meio, através da 5ª Promotoria de Justiça dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Estadual, conseguiu ajuizar ação civil pública contra a PMA e contra a Empresa Municipal de Obras e Urbanização (Emurb), obrigando-as a realizar obras de revitalização no museu.
Contudo, a prefeitura desativou o museu e, desde então, devido à falta de segurança, o local está em completo estado de abandono e serve de ponto de tráfico e consumo de drogas. Segundo Eliene Oliveira em sua dissertação, além da criminalidade local, facções de outros estados também agiam na região do museu com ameaças tanto para a população quanto para os policiais que realizavam a segurança do local, inclusive, roubando as armas dos agentes.
Foi esse cenário que fez com que o então secretário, Eduardo Matos, tomasse a decisão de fechar o museu, na tentativa de proteger a integridade física dos servidores. “A guarda municipal foi atacada com tiros durante a noite e quase os guardas saíram feridos”, conta o promotor. Após isso, começaram as ameaças de morte aos servidores da SEMA pelo crime organizado. “Fiz reuniões com a Secretaria de Segurança para solicitar a colocação de um posto policial, mas não fui atendido e o crime continuou avançando”, conta.
Estruturas do museu deterioradas pelo abandono e vandalismo que tomou conta da região. Fotos: Amauri Lima.
Atualmente, os prédios do museu encontram-se totalmente depredados. Em audiência pública, realizada em 2018, a prefeitura informou que tanto as obras como o patrulhamento realizado pela Guarda Municipal enfrentavam dificuldades de serem retomados, principalmente por causa da violência local. Em maio de 2021, um novo incêndio atingiu o museu. Desde então, o espaço resiste estruturalmente e na memória afetiva da comunidade que, hoje, teme pela segurança na região do prédio.
Ao tentar entrevistar moradores do local, nossa equipe encontrou pessoas desconfiadas e com receio de falar. Uma senhora, que não quis se identificar, disse que ali as pessoas têm que ter cuidado com o que falam. Ela também contou que o único proveito que teve com a presença do museu foi quando existia a feirinha no estacionamento, por ser artesã e utilizar o espaço como fonte de renda.
Dona Maria Isabel, que mora no Apicum há 26 anos, lamenta a situação em que o mangue se encontra hoje e a falta de consciência dos moradores. “Fico triste porque o pessoal vem e joga o lixo aqui. São três dias que o caminhão de lixo passa, mas é sempre assim, sujo. Se o pessoal tivesse consciência, deixava o lixo na porta de casa e não jogava no mangue”, conta.
Sobre a situação do museu, o secretário municipal de meio ambiente, Alan Lemos, por sua vez, reitera o discurso da pasta de que a participação da população é fundamental para a manutenção do museu. “Nós temos um entendimento de que não há como viabilizar equipamentos públicos sem a participação da sociedade. Ou seja, se as pessoas que estão ali não incorporam aquele equipamento à sua forma de vida, ele não vai dar certo”, diz.
Dona Maria Isabel ainda reclama da falta de segurança no local e do descaso do poder público. “O museu não trouxe benefício nenhum para a comunidade, porque ele sempre foi assim, abandonado. Ninguém pode chegar ali perto, nem as crianças, que os marginais botam pra correr. Aqui é uma guerra sem fim”, desabafa.
Sobre a reestruturação do museu, Alan Lemos, fala que a SEMA já tem um plano de revitalização com alternativas do que pode ser feito com aquele equipamento público e está trabalhando nele, mas que não pode adiantar detalhes. Além disso, disse que a demora da sua execução também foi influenciada pela pandemia.
“Nós temos essa construção de alternativas, que está em processo de finalização. Uma vez estabelecidas, nós vamos levá-las para a comunidade do entorno. Então, eles vão validá-las, e havendo uma convergência da alternativa com a capacidade financeira, com os projetos e estratégias da prefeitura, vamos elaborar o plano de recuperação e revitalização e fazer a captação dos recursos”, conclui o secretário.
Para o promotor, Eduardo Matos, o museu só poderá funcionar normalmente quando a questão da segurança, que afeta todo o bairro, for resolvida. E cita a colocação de um posto policial permanente no local como uma das maneiras para conseguir isso. Enquanto nada é feito, a situação nos arredores do Museu do Mangue continua cada vez mais perigosa e o patrimônio, que deveria servir à comunidade, se torna seu principal inimigo. É nessa faixa de Gaza, entre o abandono do poder público e os desejos da comunidade, que o mangue resiste à degradação cumulativa.
QUEM SE ARRISCA?
Em estado de completo abandono, o Museu do Mangue foi tomado pelo tráfico de entorpecentes da região do bairro Coroa do Meio, além de servir de abrigo para moradores de rua e ponto de consumo de drogas.
De acordo com o secretário de meio ambiente, a situação da violência já era um problema da região mesmo quando o museu estava em funcionamento. “É um problema de violência que não vem depois que o museu ficou na situação que está. Ele já ocorreu. Inclusive, foi determinante para que o museu não funcionasse da forma como os idealizadores previram”, afirma.
Segundo o promotor Eduardo Matos, na época em que era gestor da SEMA, foram realizadas algumas reuniões com o Batalhão de Policiamento Turístico (BPTur), mas que ainda assim não foram o suficiente para coibir as ações dos criminosos. “Os ataques continuaram. Inclusive numa tarde de um dia de semana fizemos uma reunião com a associação de moradores e fomos intimidados por integrantes da organização”, lembra.
O assessor de comunicação da Guarda Municipal de Aracaju (GMA), Rogério César Santos, afirma que o policiamento no local continua sendo realizado sem alterações. Segundo nota emitida pelo assessor, todos os prédios são monitorados pela GMA, uns de forma presencial, através de rondas preventivas, outros por meio de videomonitoramento. Além disso, ele informou que o policiamento ostensivo da região vem sendo executado pela Polícia Militar de Sergipe (PMSE).
No que diz respeito ao espaço específico do Museu do Mangue, a GMA informou que a SEMA, órgão que administra a estrutura, está estudando qual finalidade será dada ao local. E, que só após a reforma e entrega do espaço à comunidade, caberá à GMA implantar um sistema de segurança que seja o mais adequado.
De acordo com dados fornecidos pelo Tenente Célio Santos Ferreira, comandante do BPTur da PMSE, só no primeiro trimestre de 2022, foram apreendidas 152 pedras de substâncias análogas ao crack no local onde se encontra o museu. Além disso, nesse mesmo período, houve o registro de um assassinato na região, decorrente de conflitos por drogas.
Ainda de acordo com informações do tenente, o policiamento ostensivo é realizado na área, com quatro rondas que acontecem diuturnamente. Nas ações, são realizadas abordagens com o objetivo de coibir atos delituosos na região.
E O MANGUE, COMO FICA?
O Brasil é o país que possui a maior área de manguezal do mundo, correspondendo a 12% da área desse ecossistema em todo o planeta. De acordo com o Atlas dos Manguezais do Brasil, produzido em 2018, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), essa área corresponde a quase 1,4 milhão de hectares e se estende pelo litoral brasileiro, do estado do Amapá ao de Santa Catarina.
Segundo um levantamento feito pelo Observatório do Clima, entre 2000 e 2017, através da plataforma Mapbiomas, o Brasil perdeu 20% da sua área total de mangue em 17 anos, correspondendo a mais de 12 mil hectares, aproximadamente. No país, os manguezais são protegidos pelo Código Florestal Brasileiro, que é a Lei Nº 12.651, de 25 de maio de 2012, na qual são considerados como Áreas de Preservação Permanente (APP), em zonas rurais ou urbanas, de acordo com o inciso VII do artigo 4º da lei.
De acordo com o artigo “Fitossociologia de manguezais em zonas urbanas: um estudo de caso em Aracaju, Sergipe”, publicado em 2020 na Revista Brasileira de Geografia Física, de autoria da Profª Drª Myrna Landim e outros pesquisadores, Sergipe possui uma das maiores áreas de manguezal remanescentes do Nordeste. Como grande parte das cidades litorâneas da região, Aracaju já teve uma cobertura significativa de mangue em seu território, mas o desenvolvimento e urbanização contribuíram para o aterramento dessas áreas que, atualmente, constituem pequenos bosques de mangue.
Sobre a quantidade da área total de manguezais em Sergipe, o atlas produzido pelo ICMBio revela que o estado possuía, em 2018, 26,5 mil hectares de áreas de manguezais em todo o seu território, que correspondem a 1,2% da área total do estado.
Ao entrar em contato com a Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema), a gerente de estudo de impactos ambientais, Ana Consuelo, informou que o órgão não realiza pesquisa de dados. Atualmente, a Adema atua com a produção de relatórios de gestão sobre licenciamentos conferidos a empreendimentos para construção em áreas que contenham vegetação protegida por lei.
Ana Consuelo disse também que a única pesquisa de dados quantitativos sobre o mangue, realizada pela Adema, aconteceu no ano de 2012, quando houve parceria entre o órgão, a SEMA e o governo do estado. O projeto foi intitulado “Levantamento quantitativo do manguezal de Sergipe” e conta com um mapeamento das áreas onde existe a presença de manguezal.
A falta de pesquisa e estudos sobre o manguezal em Sergipe revela uma situação muito mais preocupante: a irrelevância dada ao mangue pelo poder público, reforçando o descaso e o processo histórico de destruição desse ecossistema. Além disso, existe uma dificuldade muito grande de acesso a essas informações sobre o mangue. Nossa equipe tentou diversas vezes buscar pesquisadores e dados técnicos, mas sempre recebendo respostas nebulosas ou a ausência desses dados.
Considerando esse processo de degradação e ciente da importância que o mangue possui para a qualidade ambiental da cidade, o secretário do meio ambiente informou que a SEMA tem tomado algumas medidas para preservar as áreas de Aracaju que ainda possuem manguezais. Segundo ele, a prefeitura segue todas as medidas restritivas impostas pelo Código Florestal ao ceder autorização para serem feitas construções nas áreas do mangue.
De acordo com o Código Florestal Brasileiro, no artigo 7º, fica estabelecido que a vegetação nativa das Áreas de Preservação Permanentes deve ser mantida pelo proprietário do terreno, seja pessoa física ou jurídica, e caso haja supressão vegetal, é obrigatório recompor a vegetação. Além disso, fica estabelecido no artigo 8º do mesmo código, que a supressão vegetal pode ser realizada somente em casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental.
Ao tratar das áreas específicas de manguezal, o Código Florestal Brasileiro afirma que “a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda”.
No que se refere às zonas de manguezal que foram destruídas no passado, o secretário explica que não há o que fazer, porque muitas das áreas já estão consolidadas e já houve processo de supressão vegetal. “Não há mais limitação da utilização dessas áreas, a não ser fazer o que a gente chama de contenção de danos'', diz Alan Lemos. Como forma de correr atrás do prejuízo, a prefeitura criou o projeto “Aracaju Mais Verde”, no ciclo estratégico que vai de 2021 até 2024.
Esse projeto tem como foco as unidades de conservação, como é o exemplo do Parque Ecológico Poxim, que foi construído pela Energisa e entregue à prefeitura para gestão do espaço, através da Emurb, que realiza a manutenção e limpeza do local. Inaugurado em 9 de outubro de 2020, o parque possui dois mil metros de área construída e conta com brinquedos, academia e um píer de contemplação.
O parque conta com estruturas como anfiteatro, academia, brinquedos e píer para lazer da população.
Fotos: Mateus Ferreira
O secretário de meio ambiente explica que no Parque Poxim há uma unidade de conservação que tem 172 hectares de área (que corresponde a 1.720.000m²), totalmente destinados à preservação dos manguezais. De acordo com o gestor, já foi realizada a audiência de entrega do espaço, mas é no mês de outubro que será aprovado o plano de manejo. Somente a partir disso, é que o parque poderá ser utilizado da forma com que ele se propõe, ou seja, como uma unidade de conservação, pesquisa científica e educação ambiental.
O Plano de Manejo é um documento de gestão no qual, através de estudos da fauna, da flora, das condições do solo e das condições geológicas do local, pode-se ter uma ideia de quais são as zonas mais ou menos sensíveis. “Essa é uma ação muito forte para a consolidação das áreas de manguezais como unidade de conservação nas cidades”, explica Alan Lemos.
Além do Parque do Poxim, a SEMA começa a realizar estudos para a criação de uma outra unidade de conservação, que tem previsão de entrega para o ano de 2023. A chamada “Unidade do Lamarão” tem uma área estimada de 1.000.000m² (que corresponde a 100 hectares) e passará pelo mesmo processo do Parque Poxim.
Além da urbanização, um outro fator que contribui para a destruição do mangue é a poluição, causada pelo derrame do esgoto e pelo descarte irregular de lixo nessas áreas. Em relação a esse problema, o secretário diz que a SEMA faz a fiscalização de ocorrências de ligações irregulares de esgoto. Além disso, ele explica que todos os projetos que são apresentados, seja de um empreendimento imobiliário ou comercial, caso não haja rede de esgoto na área, é preciso que seja apresentada uma solução para o esgotamento.
Manguezal localizado na extensão das avenidas 13 de julho e Beira Mar, na zona sul de Aracaju, morreu com o descarte irregular de lixo e esgoto. Fotos: Amauri Lima
No entanto, o maior problema é que as pessoas fazem ligações clandestinas na rede de drenagem. Quando isso é feito, os resíduos e produtos que não foram tratados são levados para os mananciais, e é isso o que gera o cheiro de esgoto no mangue. De acordo com o secretário, cabe à Companhia de Saneamento de Sergipe (DESO), fazer o monitoramento da implantação da rede e assegurar que as pessoas façam a ligação corretamente. O papel da SEMA, nesse caso, é ajudar com a fiscalização e aplicação de multa, caso não seja corrigido.
Além disso, no que diz respeito ao descarte de lixo, a SEMA informa que faz o uso da educação ambiental para conscientizar as pessoas sobre os danos que esse tipo de atitude pode causar. “Nós lidamos na cidade com uma forma histórica em que as pessoas tomam mangue como uma coisa ruim. Para que as pessoas passem a ter a percepção da importância do mangue, é uma questão de educação que se dá com o tempo”, diz o secretário.
Ele afirma ainda, que no mês de novembro de 2022 será lançado o projeto de ecobarreiras, barreiras físicas, compostas por boias e arames, que terão a finalidade de impedir que os resíduos sólidos avancem pelos rios. Segundo Alan Lemos, o foco desse projeto não é apenas conter os resíduos, mas também chamar atenção da população para a necessidade de preservação dessas áreas.
“Quando essa barreira estiver com resíduos em uma quantia razoável, nós vamos fazer uma ação de educação ambiental naquele local em que ela está instalada. Vamos reunir as pessoas da comunidade, escolher locais que sejam mais sensíveis, com grande fluxo de material, para abordar aquela população e conscientizá-la”, explica.
E é assim, entre projetos e promessas, que dona Maria Isabel e os moradores do Apicum vivem à espera de poder conversar na porta de casa sem a preocupação de serem atingidos por uma bala perdida. Ao que parece, a criminalidade e o tráfico continuarão fazendo parte do cotidiano do Apicum por um bom tempo.
Ver o mangue morrer aos poucos, cada vez que a maré sobe e desce carregada dos males do homem, é como a dor de perder um ente querido. Não é uma “dor que desatina sem doer”, como diria Camões, mas uma dor que transtorna, por ver um dos biomas mais ricos em biodiversidade do mundo ser devastado sem dó nem piedade. Cabe a nós, enquanto sociedade civil, pressionar o poder público em busca de mudanças.
Nesse cenário quase que apocalíptico em que o mangue se encontra, outros moradores da região desse bioma também são afetados. O caranguejo-uçá, patrimônio imaterial e cultural de Sergipe, é símbolo de nossa cultura e também sofre com esses e outros problemas que atingem o manguezal. Para saber mais sobre o assunto, ouça o nosso podcast “Caranguejo-uçá: símbolo e sustento”.
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