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Agricultura familiar ocupa 61% da área produtiva em Itabaiana e se destaca no Estado

Por Carol Mundim, Fernanda Spínola e Sofia Gunes

 

Foto: Fernanda Spínola


“Nós somos o centro comercial agrícola do estado de Sergipe. Se um coração batesse no estado, certamente o pulso energético seria aqui”. É assim que Diana Mendonça, professora da Universidade Federal de Sergipe do Campus Itabaiana e doutora em Produção do Espaço Agrário define Itabaiana, cidade que se destaca na produção agrícola em Sergipe e que, segundo a Secretaria Municipal do Comércio, comercializou mais de mil toneladas de produtos agrícolas em 2022.


Essas produções são, em sua maioria, advindas da agricultura familiar, que além de movimentar a economia da cidade, ultrapassam os limites do município e vão parar nas mesas de milhares de sergipanos. A cidade, situada no agreste sergipano, zona de transição entre o litoral e o sertão, apresenta condições climáticas favoráveis para o desenvolvimento agrícola, algo bem aproveitado pelos 2.764 agricultores familiares que, segundo dados da Secretaria Municipal do Comércio, residem no município.


A definição de quais produções podem ser consideradas como agricultura familiar está prevista na Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, conhecida como a Lei da Agricultura Familiar, que estabelece alguns critérios para classificar os pequenos agricultores, como: utilizar a mão de obra predominantemente da própria família, possuir uma propriedade de área menor que quatro módulos fiscais. Além disso, os agricultores precisam dirigir o empreendimento ou estabelecimento com a sua família e gerar uma parte mínima da renda familiar na propriedade rural.


Segundo dados do Censo Agropecuário, divulgados em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve uma redução de 9,6% no número de estabelecimentos classificados como agricultura familiar no país, em comparação com o censo de 2006. A redução da sucessão rural é um dos fatores para essa diminuição, já que os filhos dos agricultores têm migrado do campo para a cidade, levando a uma mudança na configuração dos produtores rurais. Além disso, a escolha de trabalhar para outros produtores, e não no próprio terreno, também interfere nesses números.


Apesar do cenário nacional apontar essa diminuição nos índices da agricultura familiar, Itabaiana mantém seu destaque no setor. O município é responsável pela produção de boa parte das olerícolas (hortaliças) que são comercializadas no estado, e semanalmente envia quatro caminhões com coentro, alface e cebolinha diretamente para o mercado Modelo, em Salvador. Todo mês, de acordo com a Secretaria Municipal de Comércio, a cidade comercializa cerca de 300 toneladas de hortaliças para diversos locais do país. Além disso, nos mais de 70 povoados de Itabaiana são cultivados outros produtos como a batata doce, a mandioca, o milho e o amendoim.


Itabaiana é a maior produtora de batata doce de Sergipe e é o segundo município que mais

produz esse alimento no Brasil. Arte: Fernanda Spínola


A tradição no campo em Itabaiana não é recente - pelo contrário, está diretamente ligada ao desenvolvimento da cidade desde o século XIX. Segundo o artigo “A importância da agricultura familiar de Itabaiana/SE a partir do Censo Agropecuário (2017)”, produzido por Diana Mendonça, professora da Universidade Federal de Sergipe do Campus Itabaiana, o cultivo do algodão foi um dos fatores importantes para a emancipação política do município, em 1888. Os anos se passaram, e a produção agrícola tomou forma, tornando-se um traço característico da cidade, que atualmente representa 15% da economia local, de acordo com a secretária municipal de Comércio, Indústria e Turismo, Sônia Maria de Carvalho.


Um artigo publicado no Observatório Geográfico da América Latina, revela que um dos fatores responsáveis pelo forte desenvolvimento da agricultura na cidade é a presença do Domo de Itabaiana. Trata-se de um conjunto de serras residuais que ajudam na formação de solos férteis e favoráveis ao cultivo. As nascentes e olhos d'água que descem das encostas do Domo e os rios que banham o município auxiliam na prática da irrigação, além de proporcionar condições ideais para se produzir olerícolas.


Apesar disso, Edivan Santana, presidente do Sindicato Dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Itabaiana (STRAAF) não coloca toda a responsabilidade das boas plantações sobre a terra. “Além da fertilidade do solo, tem a coragem do Itabaianense de investir, tem o sangue de buscar, correr atrás, de batalhar", defende.


As produções agrícolas de Itabaiana são comercializadas por todo Brasil e viram subprodutos exportados para países como Argentina e França. Foto: Fernanda Spínola


Outro fator crucial para um bom desenvolvimento agrícola é o acesso à terra. No Brasil, esse acesso passa longe de ser uma realidade. De acordo com o índice de Gini, indicador internacional que mede o nível de desigualdade em determinada região, nosso país ainda precisa reajustar as políticas para promover a igualdade no campo: a taxa registrada no Brasil é de 0,73 (quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade).


De acordo com dados do Censo Agropecuário de 2017, no Brasil em termos de número de estabelecimentos agrícolas, a maior parte continua sendo da agricultura familiar, que representa 77% dos estabelecimentos. Entretanto, analisando a extensão territorial, a maior parte das terras ainda está nas mãos do agronegócio (77%).


Em Itabaiana, dados divulgados pela Secretaria Municipal do Comércio revelam que a agricultura familiar ocupa 8.279 hectares, que correspondem a 61% da área cultivada. O diretor do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em Sergipe, Zé Roberto, explica que isso acontece porque Sergipe possui menor concentração de terras, o que possibilita que mais famílias produzam. “Onde há concentração [de terra] não há desenvolvimento” afirma.


AGROTÓXICO COMO ALTERNATIVA?


Apesar das produções familiares serem, em sua maioria, de pequena quantidade, o uso de agrotóxicos se impõe às práticas agroecológicas comuns na agricultura familiar. Segundo o artigo “A importância da agricultura familiar de Itabaiana/SE a partir do Censo Agropecuário (2017)”, produzido por Diana Mendonça, dos 2.764 estabeleci­mentos de agricultura familiar, 61,7% fa­zem uso regular de agrotóxicos no cultivo de hortaliças e raízes no município e apenas 12 famílias tem uma produção orgânica. ”Os grandes latifúndios contaminam as pequenas produções, com a pulverização, com a contaminação da água, até mesmo o vento carrega as sementes contaminadas”, destaca Zé Roberto, dirigente do MST Sergipe.


O presidente do STRAAF, Edivan Santana, explica que a complexidade de descontaminar o solo e produzir de forma orgânica também desestimula os pequenos produtores a trabalharem com cultivos orgânicos. “Para você descontaminar o solo e ele ficar propício para produção orgânica, demora anos e quem vive da agricultura familiar precisa do imediatismo”, explica. Ele também conta que as hortaliças e outros produtos têm ganhado destaque na produção pelo curto período entre a plantação e a colheita, como uma saída à necessidade dos agricultores de ter uma renda rápida já que, muitas vezes, a venda do que é produzido é a única fonte de renda das famílias. Neste cenário, Edivan entende que produzir de forma orgânica se torna inviável para esses agricultores porque a produção demoraria a dar retorno, tornando-se pouco lucrativa.


Em contraponto, para o professor de Agroecologia, Chaski Aguilar, qualquer tipo de adubo químico de origem mineral nas plantações afeta todo o ecossistema - logo, o primeiro passo para uma produção orgânica seria parar com o uso desses agrotóxicos. “O solo é um ser vivo, ele se auto-regenera. A partir do momento que cessa o uso de agroquímicos deve-se fazer um cultivo de recuperação”, explica. Durante esse processo de recuperação, é necessário fazer uma cobertura total do solo com folhas para impedir a incidência de luz solar na área. Chaski conta que esse é o primeiro passo para o retorno da biodiversidade do solo. “Esse é um processo que pode ser rápido ou pode ser lento, depende da localização e da qualidade dessa cobertura do solo, normalmente de 3 a 6 meses a terra já se torna propícia para o cultivo” acrescenta.


Enquanto a terra não se recupera, Chaski comenta que ela pode continuar sendo utilizada para plantações de “plantas adubadeiras”, aquelas que ajudam a fixar nitrogênio no solo, como o feijão-de-porco e o margaridão. Uma alternativa que o professor apresenta para esses pequenos agricultores que estão ilhados, ou seja, encontram-se vizinhos a áreas que utilizam agrotóxicos, é fazer o plantio de barreiras com plantas. Além de proteger contra os agrotóxicos que se espalham no ar, as barreiras também protegem contra as sementes transgênicas, que possuem um alto teor de contaminação, e são “carregadas” pelo vento para outras plantações. “Se uma pessoa da agricultura familiar plantar um milho com a semente crioula (sementes adaptadas geneticamente pela natureza) e ao lado tem uma outra produção com semente transgênica, o pólen transgênico acaba fecundando a planta de semente crioula e ela perde essa característica de crioula”. Chaski explica que esse é um problema muito sério enfrentado por diferentes cidades no interior sergipano, inclusive em Itabaiana.



POLÍTICAS PÚBLICAS E INCERTEZAS


O dirigente do MST em Sergipe, Zé Roberto, conta que no Brasil, mais de 70% dos alimentos consumidos são fruto da agricultura familiar. Por outro lado, ele afirma que o produtor rural continua sendo desvalorizado e, muitas vezes, não possui a assistência básica que necessita. Outro problema, conforme pontua, é a ausência de uma política de saúde pensada para a população do campo, uma vez que esta possui demandas diferentes da que reside na cidade.


“Em um município altamente politizado [como Itabaiana], as minorias não são escutadas”, protesta Edivan Santana, presidente do STRAAF. A pouca participação dos agricultores familiares na construção de políticas sociais implica na ausência das reais necessidades dessa população. Esse cenário se mostra ainda mais preocupante, avalia a professora Diana Mendonça, tendo em vista que a agricultura familiar é a principal forma de abastecimento alimentar para consumo da população e essas produções são diretamente afetadas, pela falta de incentivo e apoio dos órgãos públicos. .


O STRAAF é um entre os esforços de auxílio e assistência aos agricultores familiares em Itabaiana. De acordo com o presidente do Sindicato, boa parte da população rural enfrenta muitos obstáculos para acessar os benefícios a que têm direito. Por isso, o órgão atua em defesa dos direitos dos agricultores, além de ajudar com questões mais burocráticas e promover ações que buscam humanizar as famílias que plantam seu sustento. Entre as iniciativas, destacam-se os atendimentos com médicos e dentistas, como o Sorriso no campo, que leva atendimento odontológico para a população rural, além de um processo de escuta amiga. “O Sindicato acompanha o agricultor do nascimento à morte, ajudando desde um auxílio para aquela jovem que vai ser mãe pela primeira vez até viabilizar uma aposentadoria ou auxílio doença para aqueles que já alcançaram uma idade mais avançada ”


Para quem trabalha no campo, a terra não é apenas um modo de sustento, mas a única forma de vida que conhecem. Dona Isabel, moradora do Pé do Veado, povoado distante 7km do centro de Itabaiana, que se destaca na produção de batata doce do município, conta que começou a trabalhar na terra muito nova, junto a seu pai. “Eu mexia 'era’ duas carga de farinha por dia, pra assar e secar, na casa do povo, mas depois papai comprou o sítio lá no Cajueiro, e a gente parou de trabalhar pra fora, e começou a plantar em casa mesmo”. Desde então, ela não largou mais a agricultura e até continua até hoje trabalhando “na enxada”, como conta agora, porém, junto a Manoel, com quem é casada.


Creuza, outra moradora da comunidade do Pé do Veado, planta melancia, pimenta, amendoim e cebola para o consumo de casa. No seu roçado, também é possível encontrar uma espécie de ‘ouro roxo’: a batata doce, esta sim destinada à venda. Mais de 50 anos depois da primeira experiência com o campo, ainda menina, ela não pensa em abandonar a vida na comunidade e tratou de transmitir o que chama de tradição aos filhos. A produção de Creuza é toda familiar: sua filha Elaine, que mora na casa ao lado e produz junto com o marido, ajuda a mãe com o trabalho nas plantações. Um outro filho da agricultora, que mora em Nossa Senhora de Lourdes (a 121 km de Itabaiana), ajuda no trabalho da roça quando vai visitar os familiares. Orgulhosa, ela diz: “Meus filhos tudo gostam, os três trabalham [na terra].”


Babalu, que mora próximo a Isabel e a Creuza, produz batata doce há mais de 50 anos. Ele consegue produzir o ano todo, inclusive nos tempos de seca, pois utiliza a água de um poço para irrigar a plantação. Ele conta que, algumas pessoas acostumadas a comer batata doce, conseguem diferenciar a que é regada com água da chuva e aquela que recebeu água do poço - que segundo ele, é mais salgada - mas mesmo assim, continuam comprando, e fomentando essa comercialização mesmo nos tempos de seca.


Isabel, Babalu e Creuza trabalham com agricultura desde pequenos e se dedicam principalmente à produção de batata doce na comunidade do Pé do Veado. Foto: Fernanda Spínola


Apesar de produzirem também para consumo próprio, a maioria dos agricultores plantam com o objetivo de vender os seus produtos. Além de abastecerem o comércio interno, os produtos itabaianenses circulam em nível estadual, regional, nacional e até mesmo internacional. Essa disseminação da produção acontece por diferentes meios, através dos feirantes, do Mercadão, um mercado municipal localizado na feira livre da cidade, onde ficam feirantes e varejistas do setor agrícola, e também por meio dos intermediários, que exercem um papel de revendedores dos produtos agrícolas.


Aqueles produtores que optam por não ir pessoalmente à feira vender seus produtos, acabam recorrendo aos intermediários, pessoas que vão diretamente nos povoados comprar os produtos em grande quantidade. “O produtor repassa para um intermediário, que vai para o Mercadão e comercializa para terceiros em varejo”, explica a professora Diana Mendonça. “Quem determina o preço da produção é o intermediário, que busca a produção na cancela”, acrescenta a geógrafa.


No entanto, essa venda para os intermediários diminuiu o lucro dos produtores. Por exemplo, na feira, o quilo da batata é vendido a cerca de cinco reais para o consumidor. Para os intermediários, a venda é em maior quantidade, e o agricultor vende cada saco de batata (com 40 kg) por aproximadamente 120 reais, o equivalente a três reais por quilo, ou seja, vendendo para os intermediários o agricultor recebe dois reais a menos por quilo do que se vendesse diretamente na feira para os consumidores.


Apesar de perder financeiramente, muitos agricultores recorrem aos intermediários pela segurança de um dinheiro fixo, que não existe na venda direta na feira, uma vez que o produto não tem uma venda garantida. Outro fator que impulsiona a venda aos intermediários é a maior facilidade. “Se ele mesmo [o produtor] pega sua produção e vai para o Mercadão, tem o gasto com o transporte da mercadoria e o tempo dele também, já que ele não sabe se vai conseguir vender tudo rápido, ou não”, pontua Diana. “Por isso que a figura do intermediário, por mais negativa que ela seja, no sentido de determinar o preço, dá fluidez à questão da disseminação produtiva”, afirma.


Devido ao grande fluxo de produções agrícolas em Itabaiana, a prefeitura inaugurou, em fevereiro de 2021, a Central de Abastecimento (CEASA) que serviria como espaço para a comercialização dos produtos agrícolas, tanto em escala menor para consumidores, como em varejo para grandes empresas. Construído através do Programa de Parceria Público-Privada (PPP) entre o Governo de Sergipe e a empresa Icobras, o local conta com um espaço amplo, bem arejado e até organizado, mas passa a maior parte dos dias vazio. O motivo é que não houve adesão dos feirantes, que reclamam da discrepância da taxa cobrada no mercadão e no Centro de Abastecimento para quem utiliza o “box”. Para superar esse problema, Edivan defende que a solução é promover o diálogo com os agricultores e repensar os valores que estão sendo cobrados no CEASA, possibilitando assim que mais produtores passem a vender neste local. O que, segundo ele, ajudaria até mesmo a desafogar o trânsito no centro da cidade, que nos dias de feira é caótico.


O tesoureiro do STRAAF, Emerson Resende, explica a importância de se dialogar com a população para entender quais necessidades precisam ser sanadas, e destaca a importância de cursos técnicos para fortalecer a agricultura familiar, evitando o êxodo rural. “É preciso incentivar o jovem para que ele permaneça no campo e seja realmente um profissional da área”, ressalta. Importante citar que, em Itabaiana, o Instituto Federal de Sergipe (IFS) já oferece cursos técnicos voltados para a área agrícola e estão em processo de implantação do Curso Superior de Agroecologia. O profissional formado como técnico em agroecologia sairá preparado para atuar em sistemas de produção agropecuária, atuar na conservação do solo e da água, auxiliar ações integradas de agricultura familiar e entre outras atividades.


O presidente do Sindicato, Edivan Santana explica que, apesar de muitos acharem que o crédito rural, financiamento destinado ao segmento rural, é a principal ajuda para o agricultor, é preciso pensar além. “Não é só o crédito rural que vai fortalecer a agricultura, qual a oportunidade e a orientação que é dada com esse crédito?[...] É necessário um tripé, que envolve tudo isso, precisamos mostrar que a agricultura é importante e criar programas que incentivem os jovens a permanecerem nas propriedades deles”, acrescenta. O apelo é urgente: maquinários e cursos não são suficientes. As mãos que alimentam Sergipe - e por que não dizer o Brasil - exigem respeito para continuar a produzir. Afinal, se o campo não planta, a cidade não janta.


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