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A nova (re)configuração de São Cristóvão

Por Eduardo Costa, Felipe Tavares e Pedro Nascimento

 

Desde o surgimento da cidade, há mais de 430 anos, São Cristóvão já passou por incontáveis processos de reconfiguração. Se tornou a primeira capital da chamada Capitania de Sergipe durante o período colonial; foi invadida, devastada e completamente destruída pelos holandeses durante os anos 1600; passou por um longo processo de reconstrução após a expulsão dos neerlandeses; tornou-se, com o Estado, uma capitania anexada à Bahia; voltou a ser independente e, com isso, perdeu o título de capital para Aracaju, principalmente por conta da localização mais afastada do mar (o mercado marítimo da época necessitava de uma capital com um porto capaz de receber grandes embarcações).

Desde então, não houve mudanças estruturais consideráveis na localidade. No entanto, quando olhamos para os últimos 50 anos, percebe-se que a cidade de São Cristóvão passa por mais um claro momento de reconfiguração urbana. Os bairros mais afastados do denominado “Centro Histórico”, como o Rosa Elze, o Rosa Maria, e o Conjunto Eduardo Gomes, já são responsáveis por mais da metade da população total do município, que soma cerca de 90 mil moradores, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esse processo de reconfiguração da cidade se dá, sobretudo, por um fator-chave: a expansão do mercado imobiliário. Desde a fundação da Universidade Federal de Sergipe em 1963, que está sediada no bairro Rosa Elze, o número de imóveis (particulares e empresariais) vem crescendo exponencialmente na região. A proximidade com Aracaju também é um critério determinante para o crescimento desse mercado, tendo em vista que, por se tratar de outro município, os preços tendem a ser mais acessíveis do que na capital, atraindo cada vez mais moradores para a localidade.

O movimento expansionista desses bairros é completamente contrário ao que se é experienciado a apenas alguns quilômetros ao leste, no Centro Histórico de São Cristóvão, onde a cidade é preservada e protegida por leis impostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que, apesar de manterem vivas as inúmeras histórias e a rica cultura do ambiente, limitam o crescimento imobiliário do município.

Ciente desse movimento contrastante em que a cidade se encontra, o arqueólogo do Iphan, André Esteves, afirma que as normas impostas não possuem a intenção de impedir o crescimento da cidade. “A preservação do Centro Histórico é muito importante para a manutenção do município. O turismo, por exemplo, só é tão forte aqui por conta das leis de conservação. É preciso manter viva a cultura e a estética deste local. A praça São Francisco, por exemplo, é um patrimônio da humanidade reconhecido pela Unesco. O objetivo das leis não é limitar o crescimento, apesar de impor alguns requisitos para as reformas e construções civis”.


Visão da parte de trás de uma igreja alta, parcialmente branca, e em reforma na parte alta do Centro Histórico de São Cristóvão.
Reforma na Igreja Nossa Senhora do Amparo. Foto: Felipe Tavares.

Ao tratar do amplo território que faz parte de São Cristóvão, André Esteves reconhece que a cidade possui diversas demarcações, com zonas de expansão que vão além dos bairros mais próximos à UFS. “São Cristóvão é enorme. Na Cidade Baixa, por exemplo, as leis são bem menos rígidas quanto à construção de novos imóveis, apesar de, logicamente, ainda impor alguns requisitos básicos”, concluiu.

O corretor Gabriel Soledade, no entanto, acredita que, apesar das restrições serem menores em outros bairros do município, o crescimento da cidade tende a continuar sendo pelas regiões mais distantes do Centro Histórico.


“No ponto de vista imobiliário, é evidente que a principal zona de expansão de São Cristóvão está entre os bairros Rosa Elze e Eduardo Gomes. O mercado imobiliário da região tombada pelo Iphan só alcança picos em determinados períodos do ano”, afirma Gabriel.

Como agente imobiliário, Gabriel comenta acerca do movimento sazonal do mercado imobiliário da cidade, que nada mais é do que o crescimento da área em meses específicos do ano, como durante o período de verão. “Enquanto o Rosa Elze é constante por maior parte do ano e tem seus picos durante os meses de Dezembro/Janeiro (que possui relação com a chegada de novos estudantes na Universidade), o Centro Histórico fica em baixa por maior parte do ano e cresce durante os meses de Junho/Julho (meses de recesso/férias) e, principalmente, durante o FASC.”

O FASC, Festival de Artes de São Cristóvão, surgiu na década de 70, por meio de alunos da UFS que decidiram criar um evento que trouxesse música, dança e teatro para a cidade. O sucesso foi tamanho que a prefeitura de São Cristóvão, em conjunto com o governo de Sergipe, propuseram e conseguiram firmar uma parceria com a faculdade para administrarem os eventos de maneira conjunta. Desde então, o FASC se tornou um dos maiores festivais de música do Nordeste e atrai turistas de todo o Brasil, potencializando o mercado imobiliário durante o período festivo.


Captura de tela retirada do site de compra e vendas OLX, mostrando exemplos de cinco casas disponíveis para aluguel no centro histórico de São Cristóvão durante o período do Festival de Artes.
Mercado imobiliário sazonal sendo visto na prática em sites como o da OLX. Imagem: Pedro Nascimento.

Essa situação, no entanto, traz pontos positivos e negativos para o mercado imobiliário do município. Afinal, apesar da favorável troca econômica proveniente do aluguel dessas propriedades, a movimentação se restringe a ser algo momentâneo e sazonal, deixando de lado o status ideal de moradia fixa e inviabilizando o desenvolvimento da região de maneira geral.

O IMPACTO AMBIENTAL DO MERCADO IMOBILIÁRIO

O crescimento imobiliário causa impactos que vão muito além da área econômica e territorial do município. O meio ambiente é, sem dúvidas, uma das partes mais afetadas pelo aumento exponencial no número de construções civis em todo o país. No estudo “Geoprocessamento aplicado na degradação ambiental decorrente da expansão imobiliária no Rosa Elze”, publicado por pesquisadores do departamento de Geografia da UFS, em 2012, estima-se que a construção de novos empreendimentos na região ocuparam uma área de 0,352km², sem considerar o ambiente local, isto é, derrubando árvores, alterando o ecossistema e modificando o fluxo de águas pluviais.

Diante desses dados, o secretário municipal de meio ambiente, Edmilson Brito, afirmou que a preservação ambiental é ponto-chave do plano-diretor de São Cristóvão. “Todo desenvolvimento imobiliário gera impactos, é praticamente impossível que não. Dessa forma, o nosso principal objetivo é sempre alcançar um balanceamento entre crescimento e preservação, ou seja, toda área que a gente ‘perde’ tem que ser recuperada em outro local”, conta.

O secretário acredita também que a distância cultural entre as duas zonas urbanas do município é algo que precisa ser levado com muita seriedade, e que amenizar essa situação é uma das funções dos projetos sociais. “A gente tem que englobar cada vez mais os bairros mais distantes às nossas ações e projetos sociais, como o Cidade Mãe Sustentável, por exemplo, que faz campanhas para tornar a cidade mais ecológica. Acredito que essas atividades possam ajudar a tornar o sentimento de pertencimento algo mais forte entre os moradores dessa região”.

A distância cultural é tão forte por que é diariamente reforçada pela diferença imobiliária. Ao menos, é isso que acredita Maurício Santana, morador do Centro Histórico. “Acho muito complicado ter um sentimento de pertencimento uniforme entre os moradores de São Cristóvão”, citou. “As construções, o ritmo, a vida… Tudo é diferente. Hoje moro no Centro Histórico, mas quando estudei na UFS, morei no Rosa Elze… é compreensível que as pessoas não se sintam como moradoras de São Cristóvão fora do Centro.”


Um município em duas cidades. Fotos: Felipe Tavares.



A FRONTEIRA INVISÍVEL

Uma coisa é certa: a zona de expansão de São Cristóvão não diminui o ritmo e a nova configuração da cidade é uma realidade que tem de ser aceita o mais rápido possível. Assim pensa Rodrigo Santana, arquiteto, urbanista e empresário que ministra cursos e palestras acerca da forma com que as cidades são formadas. “Desde o início da humanidade, as pessoas se adaptam à realidade em que vivem. O processo de crescimento do Rosa Elze e do Eduardo Gomes é tão diferente do Centro Histórico por conta da distância entre os dois e dos elementos que estão em volta”, citou. “A realidade é que São Cristóvão possui uma nova dinâmica urbana e as pessoas precisam entender e abraçar essa ideia.”

Para ele, haverá um momento em que as duas zonas urbanas irão se fundir a partir do crescimento imobiliário às margens da rodovia João Bebe Água, que liga o Eduardo Gomes ao centro da cidade. “É uma realidade ainda muito distinta, mas não há como negar que é o que deve acontecer. Vai chegar um momento em que esses bairros não irão mais suportar a necessidade urbana, fazendo com que a cidade se expanda para essa região.”

O urbanista completa dizendo que, por agora, a melhor solução para a cidade é abandonar a ideia de transformar esses bairros em uma parte da cultura tradicional de São Cristóvão, aceitando e assumindo de vez a nova realidade dessa zona urbana e investir com mais ímpeto na subprefeitura da região, localizada no Eduardo Gomes. “A melhor forma de manter o sentimento de pertencimento à São Cristóvão nesses bairros é fazer com que os moradores dependam cada vez menos de Aracaju, por ações da prefeitura da cidade. Forçar uma relação com o Centro Histórico é inviável pela distância física”, finalizou.

 

Em suma, São Cristóvão é uma cidade em constante estado de reconfiguração territorial, cultural, e, sobretudo, imobiliária. Se você se interessou pela reportagem e deseja visualizar o processo de forma mais dinâmica, assista ao webdoc “As Multifacetas de São Cristóvão: Entre a Calmaria e a Euforia”, publicado no portal da Zona Contexto.



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