Aline* trabalha diariamente fazendo atendimento e muitas vezes fica até mais tarde no trabalho. Naquela quarta-feira ela saiu mais cedo, por volta das 17h, e como de costume, chamou um carro do Uber. Em alguns minutos o motorista chegou. Carro certo, dados conferidos, a viagem começava.
Cansada após um dia exaustivo, Aline acabou cochilando e quando despertou, percebeu que o motorista tinha alterado a rota. Compartilhou a localização com o namorado, que a esperava, e alertou ao motorista que aquele não era o caminho correto. O condutor calado, só a olhava pelo retrovisor. Aline ligou para o namorado. Com a chamada no viva-voz, ele gritava, em vão, para que o motorista parasse imediatamente.
Com muita sorte, o namorado de Aline, que estava perto, conseguiu interceptá-los. O motorista se encaminhava para um terreno baldio. Se conseguisse, ela seria mais um caso que não chega ao conhecimento das autoridades.
Após o ocorrido, uma denúncia foi feita ao aplicativo, mas o caso não foi reportado à polícia. O motivo? Segurança. O motorista sabe seu local de trabalho, o endereço de sua casa. O medo de que ele pudesse estar esperando em algum momento, paralisou. O condutor saiu impune.
Esse caso não é único. Conversando rapidamente com mulheres, sempre há algum relato, seja com ela ou com alguma amiga. Muitas não chegam a denunciar, seguindo o padrão nacional. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 65% dos estupros não são denunciados à polícia. Além de não denunciados, muitos casos não têm o local especificado e não ficam registrados como crimes ocorridos em veículo de aplicativo. Essa é a justificativa da Secretaria de Segurança Pública em Sergipe sobre não ter dados específicos.
Em Sergipe, além dos táxis tradicionais, os aplicativos mais utilizados são o Uber e o 99 Táxi. Em conversa com motoristas que trabalham com as duas empresas, eles foram unânimes, a Uber é mais criteriosa no cadastro de colaboradores. A empresa faz uma pesquisa de antecedentes criminais, não aceitando pessoas com histórico ruim, de crimes, principalmente relacionados à violência contra a mulher.
Questionadas, as empresas de apps afirmam que selecionam seus colaboradores e verificam todos os casos reportados à plataforma. Ambas transferem a responsabilidade, pedindo que os passageiros confiram os dados do motorista e avisem sobre qualquer problema na viagem.
Em 2019, a Uber lançou novos recursos de segurança. A confirmação da viagem por código SMS, o aviso em qualquer mudança de rota, a confirmação da identidade do motorista através de selfie em tempo real. A plataforma não fornece dados dos casos de agressão, assédio e estupro ocorridos nos veículos, mas esses recursos demonstram uma preocupação com a violência e são uma resposta a um mapeamento feito nos Estados Unidos, em que mais de 3 mil alegações de assédio foram constatadas.
Seguimos sem saber em qual nível de perigo vivemos ao utilizar tais serviços. A divulgação dos dados levaria à insegurança dos passageiros e uma consequente queda no faturamento.
O BANCO DA FRENTE
E se no banco de trás há medo, os motoristas afirmam não se sentir seguros no trabalho. Carlos* trabalha com aplicativos desde que eles chegaram a Aracaju, em 2016. Em 4 anos de trabalho, foi assaltado 3 vezes e perdeu a conta dos números de roubos que teve conhecimento. “Temos vários grupos no whatsapp e vamos nos comunicando. Roubam dinheiro, os carros e temos que dar graças a Deus por não fazerem mais nada e deixarem nossa vida”, desabafa.
Henrique Santos trabalha há 2 anos com a Uber e a 99. “Uso os dois apps para poder lucrar mais. Em porcentagem, ganhamos mais com a 99, mas as pessoas usam mais o uber, então o fluxo é maior”. Questionado sobre a segurança, ele fala sobre os dois lados: “quando decidi trabalhar com a Uber, tive que esperar mais de um mês até aprovarem meu cadastro, já com a 99, comecei a trabalhar imediatamente. Sabemos de muitas coisas, tanto de motoristas que fazem algo com as clientes, como de roubos aos motoristas. Ficamos sem querer pegar viagens em zonas mais perigosas e isso é difícil, porque a gente sabe que tem muita gente de bem lá, não é só bandido. Mas é nossa vida né? Temos medo”, afirma.
Como podemos perceber os dois lados conhecem apenas as informações do boca a boca ou as compartilhadas pelas redes sociais. A desinformação gera ainda mais medo, mas a necessidade é mais forte e faz com que as pessoas continuem utilizando os aplicativos e trabalhando com eles.
* Os nomes foram modificados a pedido das testemunhas.
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado II - 2019.2
Repórteres - Joyce Oliveira e Katiane Peixoto
Foto: Reprodução internet
Orientação - Professores: Cristian Góis, Vitor Belém e Talita Deda
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