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  • Foto do escritorEduardo Leite

Cinemas de rua em Aracaju e a produção de cinema em Sergipe

por Amanda Custódio, Anna Marília, Sabrina Chaves e Gabriel Silva


"Na primeira vez que fui ao Cinema em Aracaju, eu tinha 13 anos, parecia até um sonho. Naquela época era um espaço muito lindo, eu ficava observando as paredes, a tela, achava tudo tão lindo e tão grande". Com essa recordação, o aposentado Fernando Gonçalves da Silva ilustra não só a sua relação com o cinema, mas também descreve uma realidade de encantamento, experimentada por outros aracajuanos. Fernando viveu o período de apogeu dos cinemas de rua na capital do estado, momento em que eles funcionavam como um dos principais espaços de lazer e de socialização para a população urbana.

Cinema Rio Branco - Rua João Pessoa - Atual Lojas Ipanema. Jornal Gazeta de Sergipe nr. 8.477 - 07/02/1987.

Em Aracaju, na década de 50, existiam vários cinemas, como o Cine Plaza, no Bairro Siqueira Campos, os Cinemas Rio Branco e Palace, na Rua João Pessoa, o Cinema Ivo do Prado, na Rua Itabaianinha e o Cinema da Fábrica de Tecidos Confiança, no Bairro Industrial. Ao todo, existiram mais de 20 Cinemas de Rua na capital. Com o desenvolvimento das fábricas e lojas comerciais, o Centro e bairros próximos como Siqueira Campos e Bairro Industrial foram lugares de referência para quem ia investir no Cinema.


Com a expansão da cidade, o surgimento de novos bairros e áreas residenciais, os cinemas de rua, aos poucos foram sendo extintos. Para muitos, o golpe final veio com a construção e popularização de shoppings centers, que substituíram as pequenas iniciativas por grandes redes, como o Cinemark e o Cine Sercla.



Cinemas de Rua em Aracaju


Os cinemas de rua de Aracaju evidenciam uma época de ouro da cidade. Sendo uma das principais formas de distração e lazer da juventude que viveu entre as décadas de 1950 e 1980. Os filmes, e consequentemente os espaços de exibição cinematografica, tinham lugar fixo na vida da sociedade da época. Os espaços localizados em diversos bairros atraiam a todos que buscavam além de boas histórias, encontros e também a possibilidade de conhecer novas pessoas.


O Sr. Fernando Gonçalves da Silva, sempre que viajava para as grandes capitais e visitava os cinemas que tinham por lá, lembrava dos daqui. Às vezes por saudades, e às vezes por características semelhantes. "Eu não vi diferença entre os Cinemas de São Paulo e Aracaju, fui a São Paulo em 1978 e ao chegar na cidade fui várias vezes aos Cinemas locais, eles faziam recordar muito dos Cinemas de Aracaju, em especial a minha primeira vez no Cine Plaza, ali no Bairro Siqueira Campos".


Os cinemas de rua, conhecidos também como cinemas de calçada ou cinemas de bairro, são aqueles espaços de exibição cinematografica que se concentram fora dos shoppings (Modelo Multiplex). Esse modelo de cinema sofreu uma grave crise em sua existência, fazendo com que as gerações atuais não conheçam os antigos cinemas de rua.


Apesar da substituição, Eudaldo Monção Jr., coordenador da Mostra Cinemas do Brasil, esclarece que os cinemas de rua e os cinemas de rede possuem um funcionamento distinto. “O sistema Multiplex exibe em sua maioria os filmes blockbusters, tendo pouco espaço para exibição de produções independentes e filmes de arte”, além da divergência quanto ao conteúdo, os cinemas de rua também se diferenciavam dos de rede pelo preço mais acessível. “Por funcionar em shopping [o cinema modelo multiplex] contribui para o custo elevado do ingresso o que afasta a população que não dispõe dos altos valores que são cobrados".

Cartaz do filme Lara, de Jan-Ole Gerster. (Foto: Amanda Custódio)

Na atualidade, muitos dos cinemas que foram populares no passado não possuem nem mesmo um pequeno memorial, capaz de preservar essa parte da história da cidade. “A quase extinção desses espaços afeta a memória da cidade e a história dos espaços culturais que já existiram e que hoje abrigam lojas, igrejas e outros empreendimentos”, explica Eudaldo Monção.


As duas breves exceções a essa regra vêm do antigo Cine Plaza e do Cine Vitória. O primeiro é lembrado por um pequeno memorial que se esconde atrás de roupas que hoje são comercializadas no espaço e o segundo ganhou uma homenagem mais frutífera: dá nome ao único cinema de rua existente em Aracaju.



Cine Vitória: memória e resistência


Inaugurado em 1934, o Cine Vitória teve vínculo com a Ação Solidária dos Trabalhadores e marcou várias gerações, fazendo daquele espaço, um ponto de entretenimento e de lazer para a população aracajuana. O momento de maior popularidade desse cinema aconteceu entre as décadas de 50 a 80, período em que os cinemas de rua estavam em ascensão.


O senhor Luís Carlos de Almeida, um dos frequentadores do antigo Cine Vitória, conta em um tom bem humorado que suas visitas nem sempre tinham relação com o filme transmitido. " O Cine Vitória era situado na Rua de Itabaianinha e vizinho ao INPS, onde é a atual Lojas Americanas. Eu me lembro que na época tinha, no Calçadão do Centro Comercial, o Cinema Vitória, o Rio Branco e o Cinema Palace. Eu gostava de ir ao Cinema, mas minha frequência era pouca, eu ia com a namorada, com o sentido de namorar".


Atualmente, o cenário aracajuano de cinemas de rua mudou bastante, desde a popularidade até os investimentos realizados. O atual Cine Vitória possui uma história que evidencia essa transformação sociocultural, que conduziu a redução da popularidade dos cinemas. Sua história recente conta com muitos fechamentos e reaberturas, que revelam a luta dos cinemas de rua para sobreviver.


O nome Cine Vitória, inclusive, foi uma homenagem ao cinema de sucesso e de tradição do passado. Sua última reabertura ocorreu em 09 de junho de 2013, período em que funcionou até a interrupção provocada pela pandemia de Covid-19. De acordo com Rosangela Rocha, atual proprietária e responsável pela reabertura, as dificuldades para manter o cinema em funcionamento são extensivas e corriqueiras, principalmente pela falta de incentivo financeiro.


O custo mensal para manter um cinema do porte do Cine Vitória funcionando e atualizado é de aproximadamente R$10 mil. Valor que é usado para fazer manutenção, pagar custos operacionais e adaptar-se aos novos modelos tecnológicos e estruturais.


Para a reabertura, Rosangela precisou do apoio do Ministério da Cultura (MinC) e de emendas parlamentares. “Nos articulamos com os políticos Iran Barbosa (Psol) e Rogério Carvalho (PT) para solicitar uma emenda parlamentar. Também mantivemos contato com a Secretaria de Estado da Cultura (Secult), a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Sergipe (Codise) e o MinC. Por fim, conseguimos apoio da Secult para a compra dos equipamentos”, lembra a administradora que conta com o apoio da Casa Curta-SE e da AvBr Produções.


O Cine Vitória preza em sua programação pela promoção de filmes brasileiros e por uma diversidade cinematográfica mundial, que foge dos blockbusters. Para tanto, o cinema possui diversas parcerias. No âmbito local, são parceiros frequentes o Sesc Sergipe, o Curta- Se, o Sercine e o Egbé. Já as parcerias internacionais incluem a Embaixada da França/Institut Français, a Embaixada da Espanha e Secretaria Européia para captação de festivais, como Festival Internacional de Cinema Infantil (Fici) e o Festival Varilux de Cinema Francês.

O atual Cine Vitória tem capacidade para atender 130 espectadores e funciona de quinta a domingo, na Rua do Turista, antiga Rua 24 Horas, no centro da capital sergipana. (Fotos: Amanda Custódio)


A reabertura do cinema Vitória, em 2013, após 11 anos sem funcionamento, foi marcada pela 13ª edição do Festival Varilux de Cinema Francês. O Varilux serviu para cativar mais frequentadores, como é o caso do Richard Breno, aluno de Publicidade e Propaganda da UFS.


O estudante conta que desde que teve seu primeiro contato com o Cine Vitória, passou a frequentar o espaço e o que mais gostou foi dar oportunidade de conhecer novos filmes. “O Cine Vitória trouxe a oportunidade de ver filmes independentes, de países europeus, e que saem desse nicho dos outros cinemas de shopping, que só trazem filmes norte-americanos”, afirma.


Além do Varilux, o espaço também foi palco, depois da reabertura, de 16 mostras e festivais, sendo alguns com entrada franca. Neste período, foram exibidos 462 filmes em 794 sessões, que atenderam a quase 14 mil espectadores pagantes. Além disso, 3699 pessoas acessaram as sessões gratuitamente por meio do projeto Sergipe Memória em Rede que apresentou 17 produções nacionais à população.

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Nos último anos, as sessões de filmes mais procuradas pelo público, foram: Bacurau, Parasita e, mais recentemente, Medida Provisória. A volta, após o fechamento causado pela pandemia, já contou com a exibição de 101 filmes distribuídos por agentes econômicos e 12 pelos citados parceiros.


Cine Educa no Cinema Vitória


Uma das parcerias realizadas pelo Cine Vitória para divulgação e ampliação do público são projetos temporários como o Cine Educa, um projeto recém inaugurado pela Secretaria de Estado da Educação, que tem como principal objetivo tornar o cinema mais acessível. Paulo Lacerda, professor de artes e coordenador do projeto, explica que muitas pessoas não sabem da influência cultural do Cine Vitória em Sergipe.


Para ele, o desconhecimento da importância desse cinema, se deve, entre outros, a falta de investimentos em marketing e divulgação, capazes de atrair escolas, universidades e comunidades. "O Cinema alternativo em Sergipe tem uma frequência que deixa muito a desejar, quando vamos em cidades vizinhas como Salvador, que tem o Cine Glauber Rocha, já se tem uma formação de platéia e de público com a paixão de frequentar aquele lugar na sua cidade, muita gente aqui em Aracaju não sabe da existência do Cine Vitória e que ele foi reaberto”, afirma Paulo Lacerda.


Para João Alexandre, estagiário do projeto e graduando em Cinema e Audiovisual pela UFS, o Cine Educa é uma grande ferramenta pois pode servir para levar o conhecimento do cinema para a sociedade. Principalmente, no que diz respeito ao cinema alternativo, que não encontra espaço nas grandes redes.


De acordo com ele, o desejo da organização é tornar o Cine Educa um projeto permanente. “No início, o planejado era fazer uma sessão a cada mês, mas dentro do plano está também previsto que o número de sessões aumente cada vez mais, dependendo também da demanda do público”, esclarece João Alexandre que destaca a necessidade de incluir os estudantes de escolas públicas.

Cartaz da primeira edição do Cine Educa

A primeira exibição através do Cine Educa levou ao público o filme Medida Provisória. "Como é um projeto que ainda está no início, o público que frequentou essa sessão do filme Medida Provisória, foi um público além do esperado, então tinha um público que já estava acostumado, mas percebi que algumas pessoas foram pela primeira vez. E a reação foi bastante positiva, algumas pessoas ficaram para o debate e muitas assistiam até o final, e eu considero isso uma vitória”, avalia João Alexandre.


A Produção de Cinema em Sergipe


Para Suyene Correia, jornalista e crítica cinematográfica da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a produção de Cinema em Sergipe é deficiente, devido a falta de maior incentivo do setor público. “A nível municipal, a gente não tem essa política anual de lançamento de editais, com valores mínimos, decentes, para que os realizadores consigam fazer uma produção interessante”.


O que há, de acordo com ela são medidas paliativas e instáveis, além de questões burocráticas, impostos e contribuições, que aumentam as dificuldades do setor. "Efetivamente a gente não precisa desses tapa-buracos, nós precisamos é de uma política continuada, e o que nós menos temos aqui, é essa política continuada."


Suyene caracteriza o cenário não apenas como estagnado, mas como vivendo um retrocesso. “Eu vejo que a gente não avançou muito, acho até que a gente retrocedeu, porque nós já tivemos momentos melhores alguns anos atrás, em que anualmente nós tínhamos editais que eram lançados, principalmente pela Secretaria do Estado da Cultura."


Ao falar sobre a Política Cultural do Governo Federal, a crítica de cinema demonstra ainda mais a sua insatisfação e a falta de perspectiva de melhorias a curto prazo. "Eu sinceramente acho que eu era um pouco mais otimista, antigamente, antes desse Governo Federal, que por sinal só atrapalhou o andamento das produções audiovisuais, barrou muita coisa, a Ancine ficou capenga, suspendeu editais e leis que fomentavam as produções artísticas de uma forma geral”, descreve.


O que continua movimentando o cinema local, apesar do cenário crítico, é a esforço individual de alguns produtores. “Talvez a luz no fim do túnel ainda brilha por conta de alunos abnegados, alunos que não desistem, alunos que persistem, alunos que realmente tem talento e que fazem por onde realizar um curta e de repente se inscrevem em festivais, geralmente são selecionados e às vezes até premiados", finaliza a jornalista.


Procuradas pela equipe de jornalismo, a Funcap e a Funcaju, não se pronunciaram até o fechamento da reportagem.



Curta Cinemas de Rua de Aracaju, de Eudaldo Monção Jr.




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