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  • Foto do escritorEduardo Leite

Apesar do cenário de cortes e ameaça à ciência, produção científica resiste na UFS

Por Bruna Mota, Larissa Moura, Letícia Monalisa, Marco Ferro e Yure Pio


Os investimentos em ciência aumentaram 19% no mundo entre 2014 e 2018, mas o Governo Federal do Brasil foi na contramão, e no mês de maio de 2022, informou que cortará R$ 3 bilhões do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o que representa uma queda de 44,76% nos recursos do fundo de ciência, em comparação com o orçamento liberado em 2021.

Dispêndio nacional em Pesquisa e Desenvolvimento sobre o produto interno bruto (PIB). Fonte: IPEA - Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade

Mesmo nesse cenário de incerteza, a Universidade Federal de Sergipe (UFS), como a única universidade pública do estado, continuou fomentando a produção científica local na pandemia. Com a distribuição de bolsas financeiras, a instituição promove e mantém diversas produções científicas, que trazem reconhecimento e benefícios para a sociedade.


Para quem trabalha na produção científica, duas opções de financiamento são as mais comuns: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que pertence ao MCTI, e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação. Ambas as instituições trabalham com concessão de bolsas para produção científica cujo valor é de R$1.500 para mestrado e de R$2.200 para o doutorado.


Atualmente, 73% das bolsas de pesquisas são provenientes da Capes, segundo levantamento da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG). Com tantos pesquisadores que dependem destes recursos para dar prosseguimento aos seus projetos, o anúncio da suspensão da Avaliação Quadrienal, que dá nota aos programas de mestrados e doutorados, pegou todos de surpresa.


“Se eu tenho uma lacuna na janela entre o fechamento de uma quadrienal e a entrada no outro ano, eu posso ter programas que poderiam ter mudado de conceito. Então, tudo isso vai impactando, o pesquisador vai trabalhando sem saber como ficou a quadrienal anterior, para poder entender onde você precisa corrigir”, explica Gladston Rafael de Arruda, coordenador de pós-graduação da UFS.

Gladston Rafael fala sobre os riscos da suspensão da avaliação quadrienal (Foto: Marco Ferro)

Falta de reajuste nas bolsas do Capes e CNPq

Em 2022, completam-se 9 anos desde que as bolsas de pesquisa para mestrandos e doutorandos foram reajustadas. De acordo com pesquisa realizada pela ANPG, com base em dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), se houvesse reajustes com a inflação desde 2013, o valor receberia um aumento de mais de 65%. Ou seja, R$2.499 para mestrado e R$3.666 para doutorado.


Valor nominal das bolsas da Capes e do CNPq / Reprodução: Nexo Jornal

Um dos grandes problemas que têm acometido mestrandos e doutorandos é o fato de o dinheiro não ser suficiente para se manter. O jornalista e mestrando em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom) da UFS, Emerson Esteves, conta que abriu mão de um estágio, que era sua fonte de renda, para poder frequentar as aulas do mestrado.


“Eles (CNPq) exigem que exista essa exclusividade, de 'ah o dinheiro que você recebe é suficiente para se manter'. Em 2010 talvez realmente fosse, mas em 2022 não é. Aí no dia a dia a gente vai achando brechas, mecanismos e tentando ganhar um dinheiro a mais, um freelance, uma coisa assim”.

Bolsista da Pós-Graduação fala sobre desafios para continuar no Mestrado


Em novembro de 2021, foi apresentado na Câmara, pelo Deputado Paulo Teixeira (PT/SP), o Projeto de Lei 4.144/21 que possui o objetivo de correção dos valores das bolsas de estudo e auxílios à pesquisa e à pós-graduação. De acordo com a proposta, a correção aconteceria a cada dois anos e seguiria o IPCA. Entretanto, apesar da finalidade positiva de continuar incentivando a pesquisa no país, a PL segue em tramitação desde então. Em 2019, a PL 2.290/19 possuía objetivos semelhantes e foi arquivada por inadequação orçamentária.


Para o jornalista e mestrando do PPGCom da UFS, Vinícius Oliveira Rocha, as bolsas são um estímulo à permanência na vida acadêmica e à produção de pesquisas, necessárias para entender questões que afetam o país. Vinícius encontrou sua área de pesquisa ao participar como bolsista voluntário e depois remunerado no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), gerenciado pela Coordenação de Pesquisa (Copes) da UFS, o que possibilitou desenvolver o mesmo tema em seu Trabalho de Conclusão de Curso e ampliá-lo em seu mestrado. A bolsa de mestrado é o seu principal sustento atualmente e ele comenta as dificuldades enfrentadas no cenário de ameaça às pesquisas.

O bolsista Vinicius Oliveira trabalha com Comunicação Regional e Cultura em sua linha de pesquisa


Desafios da pesquisa na pandemia


Segundo Renata Ferreira Bonifácio, professora da UFS e coordenadora de pesquisa da Copes e da Pós-graduação e Pesquisa (Posgrap), o conhecimento científico produzido pela universidade foi capaz de assistir à população atingida pela Covid-19. “Durante a pandemia, uma área de destaque foi a saúde. A UFS contribuiu significativamente para a questão das vacinas, de equipamentos e de testagem. E isso é uma função da própria ciência, contribuir com a sociedade”, explicou.

A professora do Departamento de Letras Vernáculas desenvolve pesquisas e ações de divulgação científica (Foto: Marco Ferro)

Ainda de acordo com a professora, um dos principais desafios trazidos pela pandemia foi a diminuição de submissão de projetos. Em sua concepção, esse cenário foi um resultado do fechamento da universidade, devido às medidas de isolamento social e a impossibilidade de atividades que demandam um empenho prático e empírico para serem executadas.


“Se eu trabalho numa instituição, e essa instituição está fechada, como eu vou fazer pesquisa? Se eu faço pesquisa com idosos no asilo e o asilo me proíbe de ir lá, por questão de contaminação, como eu procedo? Então esse impedimento é menos de uma questão de vontade do pesquisador, mas talvez um impedimento por questões práticas. Também existe o impacto na vida pessoal. A gente, trabalhando em casa, tem um acúmulo de trabalho”, completou.


A Posgrap é o órgão responsável pela execução das atividades de pesquisa e pós-graduação da universidade. Apenas no primeiro período letivo de 2022, foram disponibilizadas cerca de 1.249 vagas para pós-graduação, incluindo tanto o mestrado acadêmico e profissional quanto o doutorado, segundo dados da UFS em números. Além das bolsas para pós-graduação, os estudantes de graduação também podem participar de projetos de pesquisa. Apenas em 2021 foram disponibilizadas 1.293 bolsas pela Copes destinadas ao Pibic e Pibiti, um aumento de 52,1% em comparação ao ano anterior.


Ana Vitória Barreto, graduanda de Química Industrial e bolsista do Pibiti na UFS é um exemplo de estudante que iniciou sua jornada na pesquisa remotamente, ainda durante a pandemia, em agosto de 2021. Ela ressalta a importância da pesquisa e das bolsas concedidas aos alunos para fomentar a produção dentro da universidade.


Laboratório de Química Industrial retoma atividades presenciais (Fotos: Larissa Moura)


“A gente começou trabalhando na busca de material e só depois, no início de novembro, é que voltamos aos laboratórios no presencial. Essa bolsa ajudou bastante. Para mim, inclusive, que sou bolsista, é uma renda que traz não só benefícios para a pesquisa e estudo, mas também para me manter, para ter acesso a computadores e ferramentas para estudar. Mesmo sendo pouco, apenas R$400 para um trabalho de 20 horas semanais, ajuda bastante”, disse ela.

Pesquisas feitas na UFS durante a pandemia

Invenção sergipana contribuiu para reduzir lotação de UTIs (Foto: Larissa Moura)

No período de pico da segunda onda de contaminação, com o aumento da ocupação dos leitos de internação, um grupo de pesquisadores do Departamento de Engenharia Elétrica da UFS, em parceria com colaboradores externos, desenvolveu a Spirandi, um sistema de ventilação não-invasiva, baseado em uma máscara, que auxilia o tratamento de pacientes com quadro leve ou moderado de insuficiência respiratória.


Os professores de Engenharia Elétrica da UFS, Elyson Carvalho e José Carvalho, contam que a Spirandi é simples e possui baixo custo, podendo ser utilizada no leito de enfermaria, sendo útil como uma ferramenta para reduzir a lotação de UTIs. Além de ter sido utilizada em hospitais de Sergipe, como o Hospital de Urgências de Sergipe (Huse), o Hospital Fernando Franco e o Hospital São José, a Spirandi chegou aos estados de Alagoas, Pará e Bahia.


“Vale destacar que isso só foi possível devido à mobilização social, que resultou em doações ao projeto, e à parceria entre UFS e o Ministério Público do Trabalho (MPT), que financiou um grande número de máscaras”, ressalta o professor Elyson.


Em outra dimensão da saúde, a professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição, Raquel Simões Netto, e sua então mestranda, a nutricionista Marcela Costa desenvolveram pesquisa sobre comportamentos alimentares no período pandêmico. O objetivo foi identificar a relação entre os hábitos alimentares e comportamento de adultos na pandemia.


“Toda a nossa pesquisa foi estimulada após a decisão do isolamento social. Nos vemos em uma situação inesperada para todos e a nossa preocupação com a alimentação começou a ficar evidente e determinados comportamentos alimentares foram exacerbados. A gente bem sabe que atividade física atua como uma válvula de escape, uma forma de aliviar as tensões do dia a dia. Então partia-se do princípio, será que essas pessoas que têm um nível de atividade física maior, sofreriam também essas alterações no comportamento alimentar?, explica a professora.


Para chegar aos seus resultados, a pesquisa levantou dados entre dois grupos, sedentários e pessoas ativas, e identificou que a atividade física, de fato, consegue proteger a população de comportamentos disfuncionais, como o descontrole alimentar e a alimentação emocional.


Modo e motivos para continuar fomentando pesquisas

Apesar das adversidades impostas pelo período pandêmico e o desestímulo à pesquisa no Brasil, com cortes nos investimentos, essas produções continuam a contribuir através de modelos, resultados, dados estatísticos e discussões para a resolução de problemáticas que atingem diretamente à sociedade.


Em uma avaliação da coordenadora do Prosgrap, Renata Ferreira, a pandemia impôs ainda mais a necessidade de produção e divulgação da ciência, utilizando novas técnicas comunicacionais e recursos que auxiliem na popularização do conhecimento.


“De certo modo a gente se distanciou da sociedade, no sentido de como comunicar os resultados. A linguagem utilizada ficou muito distante, por exemplo, vem uma pessoa do sertão, que trabalha na terra, e eu consegui uma solução para não utilizar veneno e agrotóxico, mas e a linguagem que eu uso para conversar com essa pessoa? A pandemia surgiu como uma forma de a gente se reconectar à sociedade. A gente nunca parou de fazer as pesquisas para contribuir e solucionar problemas sociais, mas a nossa comunicação agora está se voltando mais para a sociedade geral”, finalizou.

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