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Sementes Crioulas: Sementes da Liberdade


A semente é o núcleo da nossa sobrevivência, o começo de uma vida e a ancestralidade de um povo. As variedades crioulas são as que mais exemplificam isso, pois não foram geneticamente modificadas e são guardadas de forma especial. Passadas de geração em geração, essas sementes são cultivadas por comunidades tradicionais como: agricultores familiares, camponeses, assentados da reforma agrária, quilombolas e indígenas.


Essas comunidades cultivam tais sementes principalmente como forma de resistência e autonomia frente à agricultura de larga escala,e a chamada Revolução Verde, projeto político que veio com o propósito de aumentar a produção agrícola através do desenvolvimento de sementes modificadas geneticamente e criadas em laboratórios.

Além de desempenharem papel fundamental na garantia da soberania alimentar, as sementes crioulas dão notoriedade ao direito à alimentação nutritiva, acessível, produzida de forma sustentável e ecológica, e o direito de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo. O objetivo é que todos possam ter acesso regular e permanente a uma alimentação de qualidade, e manter o respeito à diversidade cultural.


A comercialização e a produção dessas sementes no Brasil são reguladas basicamente por duas leis: a Lei de Sementes e Mudas (Lei 10.711/03) e a Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9.456/97). A primeira garante a identidade e a qualidade do material de multiplicação e de reprodução vegetal produzido, comercializado e utilizado em todo o território nacional. Já a segunda assegura o direito à propriedade intelectual, assim como regulamenta a utilização de plantas e protege o direito de seus guardiões.


O pesquisador em agroecologia da Embrapa(Empresa Brasileira de Pesquisas em Agropecuária) Amaury Santos, desenvolve atividades com sementes crioulas nos estados de Sergipe e Paraíba, com enfoque no manejo sustentável da agrobiodiversidade e pesquisas participativas com agricultores familiares. Ele relata a importância e os benefícios da preservação da identidade crioula. “É muito mais uma questão de autonomia, dele (o agricultor) ter controle sobre o seu próprio sistema produtivo. Isso traduz em que? Em segurança alimentar, em aumento de renda, porque ele pode vender semente, ele tem uma produção maior, porque é adaptada a sua região. Então é uma série de benefícios, nem sempre é o financeiro, mas pode ser o financeiro também”.


Com relação a atuação da Embrapa na área de sementes crioulas, Amaury afirma que o ramo ainda não é muito trabalhado, mas que tem avançado muito nos últimos anos. Ele ainda revelou que a instituição aprovou recentemente junto ao BNDES um projeto de execução de atividades do campo agroecológico no semiárido de cinco estados da Região Nordeste sendo eles, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Piauí, além da Região Centro-Oeste atuando em áreas de Cerrado e na Região Sul.



Amaury Santos, desenvolvedor de pesquisas participativas em comunidades e assentamentos de reforma agrária. Foto: Mariane Góis

DIFERENÇAS ENTRE SEMENTES HÍBRIDAS, TRANSGÊNICAS E CRIOULAS E AS NOVAS TECNOLOGIAS DO CAMPO


Semente de milho híbrida. Foto: Reprodução-http://www.reduas.com.ar

As sementes híbridas são criadas através de um processo de cruzamento de duas linhagens, o que caracteriza uma polinização cruzada, ou seja, quando o pólen da flor de uma planta é passado para a flor de outra planta de variedades similares. O procedimento é feito de forma natural, duas plantas que estão florescendo nos mesmos locais se cruzam através da polinização por vento, pássaros ou insetos, com intuito de melhoramento de algum aspecto do fruto ou da planta.


Semente de soja transgênica. Fotos: Stock

A semente transgênica é modificada geneticamente por cruzamento artificial, feito em laboratórios e tem como principal finalidade, o melhoramento das plantas e resistência às pragas. A professora doutora do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Sergipe, Renata Mann, é pesquisadora na área de Tecnologia de Sementes e afirma que essa variedade é fruto de um procedimento com técnicas de biotecnologia.

A professora doutora do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Sergipe, Renata Mann, é pesquisadora na área de Tecnologia de Sementes e afirma que essa variedade é fruto de um procedimento com técnicas de biotecnologia. Normalmente na semente transgênica, se insere um gene que possibilita um cruzamento de características de outro ancestral, um não domesticado ou outra espécie.


Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

As sementes crioulas são variedades de polinização aberta, ou seja, ela é polinizada de forma natural através de ventos, a chamada autopolinização, feita por pássaros ou insetos. No entanto,esse conceito está atrelado principalmente a herança cultural e familiar. A pesquisadora ressalta que a qualidade dessas sementes é definida pela transmissão “Uma comunidade cultiva milho, então eles comem esse milho, reservam esse milho e passam de geração a geração”.

Após o aprimoramento da tecnologia no campo, as tradições de plantio com sementes crioulas foram sendo perdidas, mas de uns anos para cá, a opinião pública tem se preocupado mais com os transgênicos e buscando uma solução através da agricultura sustentável.

Renata Mann, afirma que é preciso pensar no público alvo. “Eu acho que o pequeno agricultor que vive de subsistência, que quase não têm dinheiro para investir, ele deveria usar uma variedade crioula. A semente transgênica custa 4,5 vezes mais do que as variedades de polinização aberta".


Segundo a professora, não se pode desconsiderar o uso da biotecnologia, porém deve-se pensar na recomendação específica de cada cultivo, para que se tenha uma agricultura mais sustentável. “Por exemplo, a soja geneticamente modificada. Antes, o agricultor usava um químico que matava o mato e matava a soja, hoje ele consegue usar produto que mata só o mato. Mas, toda tecnologia tem seus problemas, isso desde idade da pedra, toda inovação ela tem seus prós e contras.”


A pesquisadora exemplifica um destes problemas no cultivo do milho. “A gente tem um milho hoje tolerante às pragas, porque ele tem um gene que quando a lagarta do cartucho começa a comer a planta ela morre então isso é uma vantagem, eu não vou ter que usar um químico para controlar a lagarta”.


Ela explica também que o agricultor começou a plantar somente a semente geneticamente modificada e não levou em consideração que quando ele usa essa tecnologia, ele precisa deixar faixas de material não geneticamente modificado, para que a praga não evolua e vire uma super praga e seja necessário a utilização de mais inseticidas, em maior dosagem. “O produtor de milho não quer plantar essas faixas, que são chamadas de áreas de refúgio, que são recomendadas em até 15% da área. Tem empresa que tá tão com isso que dá desconto para o agricultor que plantar área de refúgio”, afirma.


Acerca das sementes crioulas, a professora afirma que muito foi perdido. “Como os plantios são muito próximos, o grão de pólen do milho facilmente poliniza plantas próximas, então no Brasil a gente perdeu muita coisa de crioula por contaminação genética, e isso é o maior problema”, ressalta.


Para a resolução disso, é recomendado que se faça um isolamento, ou seja, plantar em uma área que não há plantio de transgênico perto, no mínimo um raio de 400 metros ou planejar o plantio em época diferente.


Abaixo um ensaio comparativo realizado em Monte Alegre de Sergipe entre as variedades de milho, em que as colunas de tom de vermelho são referentes a variedade crioula e a de tom azul sementes geneticamente modificadas.




Figura 1. Média da análise qualitativa para tolerância à seca, mediante atribuição de notas (1-fraco; 2-médio; 3-bom; 4-ótimo), em ensaio comparativo de variedades de milho realizado na comunidade Retiro, Monte Alegre de Sergipe, SE. Fonte: EMBRAPA

Figura 2. Média da análise qualitativa para produção de grãos, mediante atribuição de notas (1-fraco; 2-médio; 3-bom; 4-ótimo), em ensaio comparativo de variedades de milho realizado na comunidade Retiro, Monte Alegre de Sergipe, SE. Fonte: EMBRAPA

Figura 3, 4 e 5. Média da análise qualitativa palhada (no ponto de colheita), espessura do caule e altura das plantas mediante atribuição de notas (1-fraco; 2-médio; 3-bom; 4-ótimo), em ensaio comparativo de variedades de milho realizado na comunidade Retiro, Monte Alegre de Sergipe, SE. Fonte: EMBRAPA

Figura 3, 4 e 5. Média da análise qualitativa palhada (no ponto de colheita), espessura do caule e altura das plantas mediante atribuição de notas (1-fraco; 2-médio; 3-bom; 4-ótimo), em ensaio comparativo de variedades de milho realizado na comunidade Retiro, Monte Alegre de Sergipe, SE. Fonte: EMBRAPA

Figura 3, 4 e 5. Média da análise qualitativa palhada (no ponto de colheita), espessura do caule e altura das plantas mediante atribuição de notas (1-fraco; 2-médio; 3-bom; 4-ótimo), em ensaio comparativo de variedades de milho realizado na comunidade Retiro, Monte Alegre de Sergipe, SE. Fonte: EMBRAPA

O comparativo mostra os três tipos de sementes na prática. Pode-se perceber que a maioria das espécies de sementes crioulas têm desempenho próximo ou melhor ao das sementes geneticamente modificadas na maioria dos casos, como: altura das plantas, palhada que é a mistura de palha e farelo para alimentação dos animais, espessura do caule, altura das plantas e tolerância a seca.





RELAÇÃO ENTRE AS SEMENTES CRIOULAS, AGROECOLOGIA E AGRICULTURA FAMILIAR.


Dentro dessa relação, a semente crioula é vista principalmente como autonomia para o pequeno agricultor. A agroecologia é o movimento político, no qual, o direito de preservar as sementes e o direito à identidade cultural camponesa é reivindicado, e não só isso, ela é um campo de estudo, na perspectiva da acadêmica que une o saber popular com o científico e também um modo de produção alternativo, que prevê uma agricultura sustentável, sem o uso de transgênicos e agrotóxicos, para ambos os conhecimentos. A agricultura familiar é o campo geral, no qual esses conceitos fazem parte.


Tecnóloga em Agroecologia, Kauane Batista, afirma que “quando se fala de agroecologia se fala de agricultura familiar, no caso do agricultor tradicional dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, a semente está pertencente deles porque ela é a semente tradicional, que eles vêm cultivando sem impacto da indústria”.


O Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) é uma das organizações que lutam hoje pela agroecologia. De acordo com o site oficial do movimento “seu principal objetivo é a produção de comida saudável para as próprias famílias e também para todo o povo brasileiro, garantindo assim, a soberania alimentar do país”. Além disso, busca o resgate da identidade e da cultura camponesa, respeitando as diversidades regionais. Outras organizações fortes que atuam nesta luta no Brasil também podem ser citadas, como: Movimento Camponês Popular (MCP); Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e o Movimento Sem Terra (MST).


Kauane também explica que a emancipação do agricultor através das sementes está relacionada à soberania alimentar. “O agricultor que não tem sua própria semente, ele depende daquela semente que o governo vai trazer ou das que vendem em casas comerciais, que muitas das vezes eles não têm dinheiro suficiente para comprar”.


Algumas instituições de pesquisa que foram criadas nos últimos anos vêm priorizando a agroecologia como pauta, são elas: Associação Brasileira de Agroecologia (ABA); Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). E outras mais antigas que recentemente, vem somando na defesa deste modo de produção, como a Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária (Embrapa) e as Universidades Públicas Brasileiras;


Laiany Souza, que defendeu recentemente sua tese de doutorado sobre feminismo camponês e também é ativa no MMC defende que a agroecologia é uma pauta unificadora. “Eu sou movimento e academia, de que maneira ela pode ajudar nesta luta? É quando a instituição abre as portas para que o movimento também seja academia para que a gente possa pensar juntos, para que a gente não faça fragmentação do que é científico e o que não é, e sim o conhecimento em sua totalidade.”


CAMPONESES E AS SEMENTES


Os guardiões de sementes são agricultores que produzem grãos crioulos com intuito de distribuir e trocar o alimento. No dia de São José, 19 de março é comemorada a chegada do outono e da chuva na maioria das regiões do país. O santo é padroeiro dos agricultores e a data também marca o dia do plantio do milho para a colheita no São João. Neste contexto, todos os anos os camponeses fazem comemorações e trocam sementes, além disso, discutem a conjuntura política e o encaminhamento de pautas como agroecologia e o direito à preservação das sementes crioulas.


A Unidade de Produção Camponesa (UPC), localizada no município de Canindé de São Francisco, foi um dos locais que recebeu a festa com apoio do MPA. Em Sergipe, o Movimento atua principalmente em dois territórios: O Baixo São Francisco, com a produção arroz ecológico e no Alto Sertão, região de Canindé. A UPC é um espaço de terra conquistado pelos camponeses da região através do MPA, o terreno serve de experimentação da agroecologia e abriga um Banco de Sementes, que é conhecido como o Banco-Mãe do Estado.


No Brasil existem mais de 640 bancos de sementes, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Em Sergipe, não existem dados oficiais acerca disso, porém é de conhecimento de alguns camponeses e das associações que existem bancos em Lagarto, Simão Dias, e em algumas comunidades quilombolas.


João Nobre, é um guardião dessas sementes, agricultor desde dos 7 anos, conta que terminou o Ensino Médio e se orgulha por sempre ter tido bom desempenho escolar "na ciência da natureza, ou na ciência humana, ou na geografia, nunca tirei menos de 10 numa nota minha, porque aquilo estava dentro de mim, eu acho que nós somos natureza, não existe faculdade igual a natureza". Acerca das sementes, ele faz uma analogia com a vida. "A vida da gente é uma semente, é como uma semente qualquer, a semente orgânica ou semente paixão é nada mais nada menos que a semente original, a semente dos antepassados", afirma.


João explica que depois do impacto da indústria no grão crioulo, os agricultores ficaram dependentes das sementes modificadas e isso não é viável para o financeiramente para o pequeno agricultor. “Tudo isso para que você vire escravo, é a escravidão branca, é como se fosse a escravidão de corrente, ou mais perigosa que a escravidão de corrente, agora só trocou o modo, acabaram com a semente original e o agricultor ficou na pior". Ele ainda reitera sobre o uso de transgênicos "eu não sou uma assassino de mim e nem da minha nação, porque se eu colocar veneno no seu alimento, tô matando minha família e a sua família também, assim sou o pior assassino do mundo e é preciso se reconhecer isso."


Cida Silva, também guardiã de sementes, agricultora que ajuda no desenvolvimento da UPC e que faz parte da Associação de Mulheres Lagoa da Volta afirma afirma que houve muita perda de sementes crioulas, mas que UPC veio ajudar neste processo "eu vejo a UPC como casa mãe da gente, porque aqui tem água. Como a terra é boa, como tem água, não corre o risco da gente perder nossa semente". Ela confessou que espera que a Universidade e os institutos de pesquisa, como a EMBRAPA, criem também bancos e formas dos agricultores não perderem sua sementes pela seca.


Cicero Borges é pequeno agricultor de Poço Redondo. Ele explicou que existe uma dificuldade para encontrar algo que controle as pragas da plantação sem o uso de químicos "não queria usar o veneno, o veneno só faz mal, aqueles animais que é coisa da natureza a gente não pode matar. Ele contou que sonhou que pimenta do reino e cominho resolveria o problema “eu comprei passei nas verduras, tirei toda a safra e as lagartinhas foram tudo embora".


POLÍTICAS PÚBLICAS


As políticas públicas do Governo Federal são voltadas a construção de bancos de sementes e a distribuição dos grãos aos camponeses guiados pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDS), o Ministério da Cidadania e a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD), nos últimos anos essas secretarias investiram um pouco mais de R$ 21 milhões nessas frentes de trabalho.

Não existem ações voltadas ao impedimento da contaminação genética entre os transgênicos e os crioulos, que hoje é considerado o maior problema para os agricultores e pelos órgãos de pesquisa.


Em Sergipe, as atividades são guiadas pela Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (SEAGRI) com o apoio da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro). O representante da instituição e ex-secretário da SEAGRI, Esmeraldo Leal, explica “para o desenvolvimento de qualquer país é importante ter uma boa política de assistência técnica e de extensão rural, alguém que estude e dialogue com para que haja troca de conhecimentos, para que a gente possa avançar do ponto de vista ecológico, e a empresa tem comprido esse papel”.


Esmeraldo participa atualmente de projetos relacionados às sementes crioulas, no entanto, ele conta que nem sempre os órgãos públicos olharam para a agroecologia. “Em alguns momentos a empresa fez, o que a maioria das empresas no mundo fizeram modelos dos pacotes internacionais de agricultura, o que a gente apelidou de “pacote verde”, por um lado formou um Estado muito mais produtivo, mas que gerou também algumas contradições, uma delas é ter grandes polos monocultores é caso do milho, da laranja, da cana”, afirma.


Ele relatou que a Emdagro tem mudado seu posicionamento acerca deste pacote, e que os funcionários não receitam mais “veneno”. “É uma conquista extremamente importante, é muito comum à gente ouvir das equipes essa defesa da também de um modelo agroecológico”.


A escassez de políticas e de investimento sustenta as ações de associações. A ASA criou um projeto intitulado “Sementes do Semiárido”, que tem como objetivos o resgate do patrimônio genético e construção da agrobiodiversidade sustentável. O programa já criou 708 bancos de sementes por todo território árido do país.

O intuito da ação é também formular uma frente de pesquisa das sementes crioulas, com o objetivo de identificar as contaminações genéticas para a realização de dossiê para o Governo Federal, de forma que discuta esse problema e o caracterize como crime ambiental.


Acompanhe a Galeria de Fotos:



 

Produção da disciplina Jornalismo Digital 2018.2

Repórteres - Mariane Góis e Rafaelle Silva

Orientação - Professora: Messiluce Hansen


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