Círculo Monárquico de Sergipe é um das dezenas de grupos pelo Brasil que consideram o 15 de novembro um golpe e querem a restauração do Império no futuro; professor de História considera inviável
Desde pequeno a gente aprende que o dia 15 de novembro é feriado por conta da proclamação da República. Teria sido nesse dia que o Marechal Deodoro da Fonseca assumiu o poder ao depor o então imperador D. Pedro II, símbolo do atraso que supostamente a monarquia representava. O Império do Brazil (com “z” mesmo) havia sido instaurado após o famoso grito de D. Pedro I às margens do Ipiranga - “Independência ou Morte!” - e os imperadores teriam sido governantes autoritários que mandaram no Brasil por cerca de 67 anos. Essa história, porém, não é tão simples quanto parece.
Segundo o professor de história Paulo Mendes, a instauração do sistema de governo republicano há 130 anos em 1889, na verdade foi um golpe de Estado. “Foi uma tomada de poder sem a participação do povo, digo isso de uma maneira bem enfática. Os militares fizeram uma quartelada, de uma maneira covarde contra o imperador, aproveitando-se de uma fraqueza política e física de D. Pedro II. Foi um movimento que se aproveitou das fraquezas que a monarquia vinha apresentando no Brasil e tomou o poder.”
É com base neste fato histórico e em uma suposta ilegitimidade da República que diversos grupos foram formados pelo Brasil com intuito de promover eventos culturais e educativos sobre o período monárquico e no futuro restaurar o Império Brasileiro. Em Sergipe dois destes - o Movimento Brasil Real (MBR) e Organização Império do Brasil (OIB) - se uniram em 2017 para formar o Círculo Monárquico de Sergipe (CMSE).
Círculo Monárquico de Sergipe
Segundo o vice-chanceler do Círculo, Danilo Sacramento, o objetivo é “cuidar dos valores culturais, morais e das tradições brasileiras”. Com reuniões no Museu Histórico de Sergipe, em São Cristóvão, o grupo conta atualmente com cerca de seis membros e há um planejamento para que no próximo ano ocorra um Encontro Monárquico de Sergipe. “Nós estamos em um processo de busca de parcerias culturais para fomentar o Encontro. Nós queremos fazer um evento completo, inclusive com a presença de membros da Família Real’, explica Danilo.
O principal meio de atuação do Círculo Monárquico de Sergipe são as redes sociais. O vice-chanceler do grupo explica que através delas é mais fácil divulgar suas ideias e fazer com que o público se interesse pelos assuntos. Além disso, de forma independente alguns membros costumam fazer “bandeiraços” com a bandeira imperial no desfile de 7 de setembro na Av. Barão de Maruim, em Aracaju e na Orla de Atalaia. O CMSE é “filho” do Círculo Monárquico de Montes Claros/MG, já que foram os mineiros que ajudaram na formação do movimento sergipano há dois anos.
Apesar do atual chefe da Casa Imperial do Brasil ser Dom Luiz de Orleans e Bragança, bisneto da Princesa Isabel, o mais influente líder do movimento monarquista é Dom Bertrand que viaja pelo Brasil dando palestras e participando de manifestações. Segundo Danilo, o movimento monárquico era muito forte na década de 60, porém perdeu espaço quando “os comunistas tomaram os espaços culturais e sociais causando uma degradação cultural” na sociedade.
Por conta disso, o objetivo dos grupos monarquistas atualmente seria esclarecer à população o que foi o período monárquico para que no futuro esta apoiasse uma possível restauração do Império. Mas afinal, a monarquia realmente era melhor do que está sendo a República?
Império X República
Uma grande diferença na estrutura política do Brasil imperial e republicano é a existência de um quarto poder naquele: o Poder Moderador, exercido pelo Imperador que tinha a função de resolver conflitos entre os outros três. Segundo Sacramento, isto era necessário para que o Legislativo, Executivo e Judiciário fosse “vigiado” por um representante da vontade popular e o monarca teria seus poderes limitados pela Constituição. Entretanto, o professor Paulo Mendes explica que como o Imperador possuía nas mãos dois poderes, o Moderador e Executivo, na verdade as relações eram inversas. “A Constituição de 1824 dava plenos poderes ao imperador através do poder moderador. Então na verdade o que acontecia era o inverso, era a Constituição que obedecia o Imperador.”
A principal crítica que é feita ao Império é que nesse período ocorreu o horror da escravidão por mais de 65 anos no Brasil independente. O monarquista Danilo Sacramento afirma que esta foi “a maior desgraça da humanidade” e que os imperadores sempre quiseram aboli-la, mas que a Assembleia não queria fazer isso por conta dos interesses dos parlamentares. O professor Paulo Mendes, concorda que pessoalmente D. Pedro II e a Princesa Isabel eram contra a escravidão, mas que por conta do jogo político da época este imperador “não quis comprar essa briga."
A escravidão somente chegaria ao fim no Brasil em 13 de maio de 1888 com a assinatura da lei Áurea pela princesa Isabel que comandava o país durante o afastamento de seu pai, D. Pedro II que tratava de um problema de saúde. “O médico que acompanhava D. Pedro II em um tratamento na Europa conta que quando ele soube da Lei Áurea ele chorou”, conta Paulo. Segundo ele, há relatos de que Isabel teria interesse de auxiliar economicamente os recém libertos. “Após a Lei Áurea ela teria pensado um projeto de indenização para os escravos que seriam libertos. Essa visão é muito difundida na história”.
Segundo o membro do Círculo Monárquico de Sergipe, Danilo Sacramento, o caminho para a restauração da monarquia é longo. Ele afirma que primeiro é preciso esclarecer e educar a população para depois de uma geração vir o trabalho legislativo. “Não adianta colocar o carro na frente dos bois, [...] o Rei tem que assumir o poder por aclamação popular.”
Danilo afirma que, supostamente por conta de um viés ideológico, a história ensinada nas escolas distorce o que foi o período monárquico. O historiador Paulo Mendes concorda. “De fato os livros que mais são utilizados no ensino fundamental e médio trazem uma imagem negativa da monarquia. A gente sabe das grandes qualidades pessoais que D. Pedro II tinha e a própria princesa Isabel também, mas isso é negligenciado nos livros até propositalmente.”
Entretanto, o professor argumenta que isso não é suficiente para provar que restaurar a Monarquia hoje seria melhor para o Brasil, já que não é possível comparar os dois períodos. “Vivíamos uma monarquia assentada na escravidão cujo Rei D. Pedro II era o mandatário de uma política que [...] se a gente olhar em números gerais, a gente vê que no Império 80% da população era analfabeta, a participação política da população era baixíssima, atingindo níveis de 5% em termos de voto”, explica.
Ainda segundo ele, o fato da instauração da República ter sido feita via um golpe não deslegitima esse sistema de governo que trouxe avanços na cidadania ao permitir que mulheres, negros e a população LGBT conquistassem mais direitos, por exemplo. “Não cabe fazer uma associação direta. Na evolução da República no Brasil durante o século XX, as instituições se fortaleceram, a cidadania avançou e com certeza isso veio dá uma roupagem legalista para a República no Brasil. Basta a gente ver a evolução das Constituições até a de 1988. Esta fecha um ciclo de debates políticos que aconteciam no Brasil. O plebiscito de 1993 veio a confirmar essa tendência política e histórica do brasileiro de ser um povo e um país republicano. Não houve muita simpatia por um possível retorno da monarquia.”
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado II - 2019.2
Repórter - Caroline Rosa e João Victor Vasconcelos
Orientação - Professores: Cristian Góis e Vitor Belém.
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