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"Nova política" da parentela

Governos atacam os concursos e ferem os princípios da administração pública ao desvalorizar os cargos efetivos. Em alguns órgãos de SE mais de 80% são comissionados.



Quem quer se tornar funcionário público, depois da Constituição de 1988, tem que passar meses estudando para um concurso. A concorrência é sempre gigantesca e só os mais preparados são aprovados e depois convocados pela Administração. Após isso, eles são nomeados, tomam posse e iniciam o trabalho em “estágio probatório”, um período de três anos em que, ao final, se tiver desempenho satisfatório, conquistam a estabilidade.

Antes de 1988, porém, o concurso público não era obrigatório. Muitas pessoas contratadas como funcionárias eram apenas os eleitores, cabos eleitorais e principalmente os parentes e aderentes das famílias dos políticos de plantão. Eram muito comuns os “trens da alegria” a cada início ou fim de gestão em governos: demitia-se e contratava-se ao sabor das vontades dos políticos.

Não há vagas: diminuição de concursos pelo país é a questão mais difícil para os candidatos. (Foto: F1Digitals/Pixabay)

Os concursos vieram dar transparência, oportunidade, reduzir a influência da política partidária no serviço público e garantir mais independência para que o funcionário seja servidor do público indiscriminado, e não de um grupo político. O concurso público é a regra, porém as exceções são muitas.


Uma outra forma de ingresso no funcionalismo público, bem mais simples e instável, é a contratação de cargos em comissão. Conforme consta na Constituição, artigo 37, esses empregos são de livre nomeação e exoneração. Em outras palavras, basta a vontade do gestor para contratar e demitir quem ele quiser, inclusive parentes - sem concurso, sem estágio probatório, sem estabilidade.

Entretanto, na CF também está explícito que este tipo de cargo deve ser usado apenas para funções de direção, chefia e assessoramento. Na prática, porém, muitos gestores acabam fazendo uma farra de contratações de cargos comissionados para as mais variadas funções.

Ministério Público e Governo de Sergipe Veja o que aconteceu no Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE). Em abril de 2019, o MPSE encaminhou para Assembleia Legislativa um projeto de lei em que acabava com 53 cargos efetivos e, ao mesmo tempo, criava 25 vagas em comissão. O projeto foi aprovado por maioria e sancionado pelo governador Belivaldo Chagas (PSD).


Segundo a Resolução 06/2019, foram extintos apenas cargos que “não são mais compatíveis com o orçamento ou com as reais missões do Ministério Público”. Além disso, afirma-se no documento que os cargos em comissão criados podem ser assumidos por funcionários efetivos do próprio MPSE que possuem curso superior, mas assumem cargos de nível médio.

Entretanto, em nota, o Sindicato dos Trabalhadores Efetivos do Ministério Público de Sergipe (SINDSEMP) divergiu da versão apresentada pelo MPSE e argumentou que “entre os cargos extintos estão 18 analistas na área do Direito – atividade-fim do Ministério Público.” Segundo o sindicato, a decisão de fazer essas alterações foi “arbitrária e antidemocrática” e o órgão “retrocede na sua função de fiscal da lei”.

Além da extinção de cargos efetivos, o modo como os cargos em comissão foram criados também causou estranheza no deputado estadual Georgeo Passos (Cidadania). “Foi algo que me chamou a atenção porque eles não colocaram sequer as atribuições, o que também era uma exigência, porque se a atribuição do cargo em comissão for igual a do efetivo, tem que ser primeiro o efetivo”, defende o deputado.

O dep. Georgeo Passos discorda das justificativas do MPSE e do Governo de Sergipe para favorecer cargos em comissão. (Foto: Jadilson Simões/Agência Alese)

Segundo Passos, a decisão do MPSE causou mais indignação porque foi o Ministério Público quem cobrou de órgãos como Alese, Câmara Municipal de Aracaju e Prefeitura de Itabaiana que estes demitissem os comissionados e convocassem concursados ou fizessem novos concursos públicos. O próximo concurso do próprio MPSE, porém, deverá ter menos vagas. “Lá ocorreu a extinção de cargos, que é pior, porque aí você não vai ter mais concursos pra aquelas vagas”, explica o deputado.

Em alguns órgãos do Governo de Sergipe o número de comissionados ultrapassa até mesmo o número de efetivos. Na Secretaria de Turismo, por exemplo, 81% dos funcionários são cargos em comissão. Na Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) esse índice é de 61%. Segundo Georgeo Passos, a justificativa do governo para isso não se sustenta. “Alega-se a lei de responsabilidade fiscal, mas não é assim. Se eu não tenho dinheiro para contratar o efetivo, como é que eu vou ter dinheiro para contratar o comissionado?”, indaga o deputado.


Fonte: Portais de Transparência do Governo de Sergipe, ALESE e TJSE. Referentes a Julho/2019.

Âmbito Nacional Essa situação de desfavorecimentos a servidores efetivos, porém, não é exclusiva de Sergipe. Em âmbito nacional, o Governo Federal pretende fazer uma grande reforma administrativa no funcionalismo público. O Ministério da Economia prepara uma série de medidas que serão encaminhadas ao Congresso para cortar cargos e carreiras no quadro de pessoal da União, impedir progressões automáticas, além de tornar obrigatória a avaliação de desempenho, com possibilidade real de demissão em processo sumário.

Vale lembrar que o artigo 41 da Constituição Federal já prevê a demissão de servidor efetivo em três situações: “I- em virtude de sentença judicial transitada em julgado”, “II- mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa” e “III- mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.” Este último inciso, porém, ainda não foi regulamentado, por isso não é posto em prática.

A senadora Maria Carmo (DEM/SE) quer resolver esse impasse. Através do Projeto de Lei 116/2017, apresentado no Senado Federal, a parlamentar sergipana criou regras para a avaliação de desempenho dos servidores que podem causar a demissão do mesmo se o desempenho for insuficiente. Apesar de rejeitado por 77% dos votos na Consulta Pública realizada no site do Senado, a proposição foi aprovada em comissões e foi encaminhada em regime de urgência ao Plenário da Casa, porém ainda não foi votada. O porquê da estabilidade para o servidor público Para Maurício Gentil, doutor em Direito Constitucional e conselheiro federal da OAB/SE, as novas regras de ataque e perseguição aos servidores públicos efetivos não devem prosperar, mas, é preciso ficar atento para que não haja uma afronta a estabilidade. Mas afinal, por que os servidores precisam dela?

O dr. Maurício Gentil considera que a atual momento de ataques a servidores efetivos é preocupante. (Foto: Reprodução Youtube/Repórter Contexto)

“Isso decorre da necessidade de que as funções públicas permanentes para a prestação de serviços públicos de modo impessoal tenham o caráter da permanência. Em uma situação em que essas funções fossem de livre nomeação, como os governos mudam periodicamente, você ensejaria a cada troca de comando uma radical mudança. Isso atrapalharia demais a continuidade da boa prestação desses serviços e causaria o aparelhamento do Poder Público por determinados segmentos”, explica Gentil.

Segundo ele, a realização de concursos e a garantia de estabilidade aos efetivos tem como objetivo “garantir a permanência, a impessoalidade, a eficiência na prestação dos serviços públicos.” Entretanto, é comum ver muitos desses serviços até mesmo nem sendo fornecidos diretamente pela Administração.

Além da terceirização, permitida apenas para atividades-meio, existem as Organizações Sociais (O.S.), entidades privadas sem fins lucrativos que legalmente podem atuar em serviços essenciais, como saúde e educação. O “Future-se”, novo projeto do Ministério da Educação para a educação pública superior, inclusive, propõe que essas O.S’s sejam gestoras de Instituições Federais de Ensino, como as universidades, utilizando para isso funcionários não concursados.

Todas essas medidas adotadas ou propostas em esfera estadual e nacional podem diminuir radicalmente o número de concursos públicos e interferir na estabilidade dos servidores efetivos. Segundo Gentil, é perceptível que “governos anteriores e esse governo atual estejam radicalmente com vontade de implementar essas políticas via O.S.’s, terceirizações, inclusive nos serviços públicos essenciais”. Neste sentido, o conselheiro destaca que a situação encontrada hoje “é um momento preocupante para a noção de serviços públicos impessoais, eficazes, permanentes.”



 

Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado I - 2019.1

Repórter - João Victor Vasconcelos

Orientação - Professores: Josenildo Guerra, Cristian Góis e Eduardo Leite

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