Projeto existente desde 2014 acolhe mulheres de todo o estado e procura soluções para os problemas encontrados durante o cuidado oncológico
Por Ana Julia Oliveira, Juliana de Jesus Santana e Waldênnia Soares Teles
Sergipe registrou 530 casos de câncer de mama em 2020, de acordo com dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer). A estatística aponta que a cada 100 mil habitantes, 44,27 apresentam resultado positivo para a doença. E grande parte desses casos está concentrada em Aracaju, que apresentou 210 novos casos no ano passado.
Apesar de o tratamento oncológico estar sob responsabilidade total do Estado sem participação dos municípios, a capital sergipana é o principal local para tratamento do câncer no estado, abrigando a maioria dos hospitais e centros especializados, sendo o Hospital de Urgência de Sergipe Governador João Alves Filho (Huse) a principal porta de entrada para o paciente oncológico.
No entanto, a estrutura existente não consegue atender com eficiência e qualidade os sergipanos e até mesmo pacientes de outros estados que procuram atendimento. São inúmeras as denúncias que revelam casos de máquinas quebradas, falta de medicamento e vagas, e até mesmo a possibilidade de desligamento de profissionais que atuam no setor oncológico. Em consequência disso, vários tratamentos são atrasados e pausados levando os pacientes à incerteza da cura e até a morte.
No que concerne ao câncer de mama em Sergipe, em 2017 foram notificados 162 óbitos de pacientes com essa neoplasia, segundo dados do Observatório de Oncologia, plataforma criada pelo Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC). A fim justamente de mitigar o número de mortes pela doença no estado, iniciativas independentes como o Mulheres de Peito surgem como uma extensão do trabalho do Estado, em busca do tratamento digno aos pacientes oncológicos.
A Associação Mulheres de Peito foi criada em 2014 como um grupo de WhatsApp, inicialmente pensada como uma plataforma para troca de experiências sobre o tratamento contra o câncer de mama. Aline Souza, em parceria com Sheyla Galba, Jicelma Vieira e Rozalia de Aquino foram as precursoras do movimento que já atendeu mais de 400 mulheres durante os sete anos de existência.
De acordo com Aline, atual presidente da associação, a “troca de figurinhas” foi um dos principais motivos para a criação do Mulheres de Peito, visto que apenas quem passa pela doença entende por inteiro as dificuldades do processo. “O que me motivou foi querer está próxima a pessoas que passariam pelo mesmo problema que [eu] estava passando”, ressalta.
A estrutura da associação conta com especialistas voluntários de diversas áreas, como psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, assessoria jurídica, massoterapeuta, nutricionista e profissionais em curso de artesanato. Para além de atendimentos profissionais, o projeto também auxilia pacientes oncológicos através de doações, seja de alimentos ou de sutiãs, lenços e cabelos.
Enquanto presidente da associação, Aline Souza enxerga o Mulheres de Peito como “uma família, [local onde as] pessoas buscam amparo, assistência e até mesmo uma palavra de conforto”.
Mas o principal recurso do Mulheres de Peito tem sido a sua voz. Com o intuito de conseguir melhorias no sistema oncológico do estado, a associação utiliza a visibilidade da plataforma, que recentemente adquiriu o título de utilidade pública através do projeto de lei proposto pela vereadora Sheyla Galba, que ocupa também a cadeira de vice-presidente do movimento.
Um exemplo da importância da sua atuação tem sido as denúncias sobre os problemas enfrentados pelos pacientes oncológicos, ato que fazem desde a sua fundação, ou das campanhas que promovem cuidados de prevenção como a mamografia e a biópsia.
Em virtude do mês de outubro que carrega a responsabilidade de conscientizar a população sobre o câncer de mama, a associação disponibilizou biópsias gratuitas em parceria com a Cormamare Mastologia e o Hospital de Cirurgia. A ação é apenas um exemplo em meio a uma variedade de iniciativas realizadas em conjunto com clínicas ou entidades médicas.
Embora o Mulheres de Peito seja uma iniciativa muito bonita, carrega o peso de responsabilidades que seriam normalmente atribuídas ao governo do Estado, funcionando não só como uma extensão do poder público, mas como um amparo não fornecido em função da negligência.
A luta contra a doença, atrelada à luta pelos direitos já existentes, mas omitidos, coloca ainda mais obstáculos em um tratamento que merece dedicação. Mulheres que deveriam ser cuidadas pelo sistema de saúde cuidam umas das outras para se manterem vivas e vencerem o câncer de mama.
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