Mesmo a moradia sendo considerada um direito fundamental pelo artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o déficit habitacional no Brasil em 2017 chegou a 7,7 milhões de unidades, alcançando maior número em dez anos, segundo o levantamento realizado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrinc) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em Aracaju, de acordo o último estudo feito em 2011 pelo Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), esse déficit era de 20.851 unidades.
Um novo PLHIS já está sendo finalizado e segundo a diretora de habitação do município, Tereza Cristina, a prioridade agora é a atualização dos dados. “A estimativa é que até início do ano que vem a gente tenha esses dados atualizados para identificar qual é o déficit atual e quais são regiões que mais precisam de habitação”, diz.
Ainda de acordo com os estudos, as famílias mais impactadas são as que recebem até 3 salários mínimos. No Brasil, 91,7% do déficit corresponde a famílias dessa faixa. Em Aracaju esse número chegou a 95,7% do total. Tanto no Brasil quanto na capital sergipana, o ônus excessivo com o aluguel (acima de 30% da renda familiar) e a coabitação familiar (número de pessoas que moram na mesma residência) são os principais responsáveis pelo déficit. Segundo a FGV/Abrinc, o ônus com aluguel chegou a 42,3%, enquanto a coabitação familiar, a 41,3% no país. Em Aracaju, o número foi de 45%, enquanto o ônus excessivo com o aluguel corresponde a 31,2% do total.
Vinicius Oliveira, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Aracaju, explica que para ser “sem teto” a pessoa não precisa necessariamente estar em situação de rua, porque essa caracterização atende a parâmetros que vão além da condição de ter ou não um lar. “Segundo os critérios adotados pela ONU, ser sem-teto é ter [mais de] um terço da renda comprometida com aluguel, é ter uma densidade habitacional excedente, ou seja, uma casa de dois quartos ou um apartamento de 42 metros quadrados e morar 12, 18 pessoas, é morar em áreas de risco, onde pode haver desabamentos causados pela chuva, alagamento, etc”.
Políticas habitacionais em Aracaju
Segundo Prof.(a) Sarah Lúcia Alves França, do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe, em seu artigo Produção Habitacional de Interesse Social em Aracaju-SE, Brasil, Periferização do Direito à Moradia?, publicado em 2014, desde que foi aprovado o Plano Diretor em 2000, Aracaju tem recebido novas habitações em projetos da Prefeitura Municipal, Governo do Estado e programas federais como o Programa de Arrendamento Familiar (PAR) e o Minha Casa, Minha Vida. Ao todo, foram construídas nesse período 23.540 unidades, porém a maioria dos beneficiários (66%) estão na faixa de 3 a 10 salários mínimos.
Além disso, o estudo mostrou ainda que as habitações foram construídas em direção às periferias, promovendo muitas vezes a segregação e a exclusão socioespacial. “Em Aracaju, existe uma concepção de programa habitacional que é basicamente a construção de grandes condomínios em lugares periféricos. Isso tem dificultado muito porque às vezes o cara ganha a casa e perde a cidade”, afirma Vinícius.
Segundo Tereza Cristina, a escolha do local em que são construídos os conjuntos habitacionais leva em consideração justamente as necessidades estruturais da população. “A prioridade, até para ficar barato para o município, é que se construa onde já tenha uma infraestrutura. Ou seja, já tenha água perto, sistema de drenagem perto, que tenha posto de saúde, escola, etc.”, afirma.
De 2000 a 2014, Aracaju foi contemplada com seis projetos habitacionais: a urbanização da Coroa do Meio, urbanização do Santa Maria, Bairro 17 de Março, Urbanização do Coqueiral, residencial Vitória da Resistência e Conjunto Porto Dantas. De todos os projetos, o que chama mais a atenção é o Bairro 17 de Março, que tem o maior número de unidades habitacionais entregues, 2.322 casas e 470 apartamentos.
Erguido em uma área cedida pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), esse bairro começou a ser construído em 2007 com o objetivo de abrigar famílias que moravam em áreas precárias e tinham cadastro na Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (Sesmac). Além da construção de casas, o projeto previa ainda suportes estruturais como estação de tratamento de esgoto, escolas, bibliotecas e áreas verdes.
“Logo que entrei na prefeitura, decidi conhecer o bairro 17 de Março e fiquei impressionada com a estrutura. Há iluminação, as ruas estão pavimentadas, tem tratamento de esgoto, escola, creche, área verde”, diz Tereza Cristina.
Principais desafios
Segundo a FVG, para atender à demanda de moradias no Brasil nos próximos dez anos, é necessária a construção de 1,2 milhões de habitações por ano. Em Aracaju, ainda não se tem uma previsão de quantas unidades habitacionais é preciso para suprir o déficit. Essas informações só serão conhecidas após a publicação do novo PLHIS, mas alguns desafios já podem ser notados, um deles é o local para a construção de novas habitações. “A União Federal disponibiliza alguns terrenos para a construção de casas, mas os trâmites são muito grandes e hoje os terrenos que têm são margeando os rios e mangues. Tudo isso dificulta”, afirma Tereza.
Para Vinicius Oliveira, existem algumas políticas básicas que fazem parte dos estatutos urbanos e que podem ser feitas pelo poder público para garantir o direito à moradia. Ele chama atenção para o fato de que muitos bairros periféricos foram antigas ocupações e isso levou as famílias que moram nesses locais a não obter muitas vezes as escrituras legais dos imóveis.
“Seria fundamental que o poder público oferecesse de maneira gratuita todos os documentos, toda legalização dos processos do domínio do imóvel aos mais pobres”, defende Vinícius. Isso ajuda a reduzir o número de gente que tem casa e acaba ganhando outras em programas habitacionais. Além disso, “a desapropriação de imóveis que não estão cumprindo função social, como é previsto constitucionalmente, também seria importante. Isso porque a falta de moradia não é necessariamente a falta de casa”, acrescenta.
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado II - 2019.1
Repórter: Igor Rocha
Orientação: Prof. Josenildo Guerra
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