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Democracia em risco?

Atualizado: 17 de jun. de 2019

Extinção de conselhos de participação da sociedade pelo Governo Bolsonaro acende o sinal amarelo da imperfeição democrática


Manifestação em Aracaju em 30 de maio de 2019 (Foto: Eric Almeida)

A revista britânica The Economist divulgou, em janeiro de 2019, o ranking Índice de Democracia, a fim de classificar o grau de desenvolvimento da Democracia em 167 países. O Brasil ocupou a 50ª posição, atrás da Colômbia, com a pontuação de 6,97. A Noruega está na primeira posição, com 9,87, e a Coreia do Norte ficou em último, com 1,08.


O baixo índice democrático no Brasil não é uma novidade. Desde 2014, o país encontra-se em queda nesse ranking, enquadrando-se na categoria de “democracia imperfeita”. Além disso, atitudes, medidas e decretos do Governo Bolsonaro, iniciado em janeiro desse ano, têm preocupado parte das organizações da sociedade civil.


Os eventos indicativos de ataque as bases democráticas se avolumaram rapidamente nos primeiros meses do novo governo. A publicidade do Banco do Brasil na TV foi censurada por celebrar a diversidade. Manifestantes protestaram contra os cortes na educação pública e foram insultados pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Conselhos e colegiados de participação da sociedade foram sumariamente extintos por decreto do presidente. De fato, algumas decisões do governo, em apenas cinco meses de gestão, têm gerado susto, revolta e indignação em uma parte da população. A preocupação e o descontentamento levam a pergunta: nesse cenário, a democracia brasileira, além de imperfeita, está em risco?


Uma das decisões que mais chamou atenção, do ponto de vista do exercício democrático, foi mesmo a extinção de mais de 50 colegiados. Esses conselhos, com participação direta de setores da população, eram canais de colaboração e controle social diante das políticas públicas. Agiam também como espaços privilegiados de formulação, execução, monitoramento e avaliação das iniciativas estatais ou órgãos públicos. Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos e Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção são alguns dos colegiados que foram extintos por meio do Decreto nº 9.759/2019.


Alguns políticos se opuseram às decisões do presidente. A deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG) se manifestou através de seu Facebook contra a extinção dos conselhos. “Não vai passar! Esse é um ataque frontal a um dos pilares de nossa democracia participativa e não mediremos esforços para barrar esse retrocesso”, publicou. Em seu Twitter, o senador Alessandro Vieira (PPS) opinou sobre um dos casos de censura. “A decisão de censura à Revista Crusoé agride violentamente a democracia e a liberdade de imprensa”, tweetou. Essa revista foi proibida de publicar reportagem em que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, aparecia envolvido em deleções de casos de corrupção.


Prof. Marcelo Ennes, doutor em Sociologia e membro do Dpto. de Ciências Sociais da UFS (Foto: Camila Gerônimo)

Segundo Marcelo Ennes, doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a consequência da extinção dos conselhos participativos pelo presidente Bolsonaro é um distanciamento entre o governo e a sociedade, e mostra que o sistema político irá priorizar ações centralizadas e centralizadoras.

Vander Costa, advogado e professor da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe (Foto: arquivo pessoal)

O advogado e professor da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe, Vander Costa, apresenta uma visão semelhante a do sociólogo. “Acredito que a extinção de conselhos, de fóruns de debates, de audiências públicas, acaba fragmentando a participação popular, levando para uma decisão muito mais política do que meramente

social”, avalia. Entretanto, pondera o advogado, a extinção de um determinado órgão não elimina a participação popular no governo. “Eu sou favorável ao conselho, mas a extinção de conselhos não quer dizer que a sociedade esteja à parte do controle da administração pública. [...] A extinção do conselho atrapalha um pouco essa percepção popular, mas não extingue que o povo possa participar efetivamente da construção da política de governo”, afirma Vander.


Ennes entende extinção dos conselhos como um alerta. “Dizer que a extinção desses conselhos representa uma ameaça à democracia eu não teria segurança de fazer essa afirmação [...] O que observamos foi um fechamento de um dos canais do Executivo. Sinaliza uma concepção de Democracia menos participativa e que os cidadãos devem ficar mais atentos para ver se isso evolui para uma situação de ameaça efetiva. É um sinal amarelo que se acende”, diz Marcelo.


Em relação ao ranking divulgado pela revista britânica, o sociólogo opina. “Nossa democracia não é plenamente consolidada. O fato de nós termos muitos períodos de interrupção do ciclo democrático sinaliza que os governos não têm força e consistência típicas de um governo democrático”, explica o professor. Ao contrário de Ennes, o advogado discorda do ranking. “Eu considero que nós vivemos uma democracia perfeita sim, no sentido material, no sentido jurídico da coisa. Ela vai ter discordância das partes, o que torna ela imperfeita em alguns sentidos, mas perfeita no sentido de que o povo é quem fica com a decisão final”, justifica Vander.


Apesar de, na visão de Ennes, o Governo Bolsonaro indicar um desrespeito à palavra Democracia, a sociedade civil pode agir para que o sinal amarelo não vire vermelho. “A população deve cobrar dos seus representantes ... e, sobretudo, participar ativamente da vida política, de preferência de maneira qualificada, sem ataques”, orienta Ennes. “Existem outras maneiras, por meio do controle popular, do ministério público, da própria sociedade se movimentar através, por exemplo, de um projeto de lei de iniciativa popular”, complementa Vander.


Assim como qualquer outro, o governo atual deve respeito à Constituição e à sociedade, senda ela formada por eleitores e não eleitores do presidente de plantão. Não há salvador da pátria, uma única pessoa que irá resolver todos os problemas, mas há métodos de melhorar a situação política do país, para que a democracia não seja posta em risco.


 

Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado I - 2019.1

Repórter - Camila Gerônimo

Orientação - Professores: Josenildo Guerra, Cristian Góis e Eduardo Leite

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