A ideia da ação é aproximar os surdos e ouvintes através das artes dramáticas e das teorias e práticas teatrais
Rafael Leite tem talento de ator. Encena o papel de mocinho e vilão com a mesma intensidade em uma cena improvisada em poucos minutos. Inclina o corpo e põe a mão no coração para expressar dor ou tensiona o rosto até ganhar ares de ira. Se é preciso, deita-se no chão, entra na brincadeira e a graça é garantida, durante reconhecimento corporal. O riso no rosto é sinal de receptividade. Para quem o conhece, a articulação e a inteligência chamam a atenção das pessoas.
Vinte anos de idade, Rafael terminou o ensino médio no ano passado e aguarda o vestibular. Rafael , que é surdo, se expressa através da Língua Brasileira de Sinais. Aluno do curso de teatro para surdos e ouvintes, ação de extensão promovida pelo Departamento de Teatro (DTE) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Rafael mostra que a arte de dizer não se resume à boca. Vai além.
Ele conta que conheceu o teatro através da poesia, das pessoas e das instituições por que passou ao longo da vida. A conversa entre o repórter de Contexto e Rafael foi mediada por Wagner dos Santos, participante do curso e intérprete.
“A comunidade surda entende a empatia. Podemos trocar experiência, ensinar, aprender”, afirma Leite. “O curso é um contexto entre surdos e ouvintes. Eu acho que é muito proveitoso: as pessoas, a empatia, as expressões faciais, a quantidade, diferenças. É muito importante para a sociedade. É muito melhor em grupo para a comunidade surda”.
A ideia da ação é aproximar os surdos e ouvintes através das artes dramáticas e das teorias e práticas teatrais, com o objetivo de criar por meio do teatro e da Libras, um canal de interação entre os dois públicos da atividade. Isto é, o teatro como meio de interação social e quebra das barreiras de comunicação entre pessoas de línguas diferentes.
Coordenador adjunto do curso, Lucas Wendel, professor do Departamento de Teatro, trabalha com teatro voltado para surdos desde 2015, com oficinas e pesquisas acadêmicas. O curso, para Wendel, visa um projeto inclusivo através de trocas (culturais, sociais, entre outras). “Eu pensei que poderia ser interessante surdos e ouvintes, a partir da linguagem teatral, criarem contatos corporais, linguísticos, artísticos, sobretudo, estéticos. A partir daí, surgiu a ideia do curso”, explica o professor.
Antes de montar a cena, os alunos passam pelo reconhecimento corporal através de exercícios de preparação e jogos teatrais,que são adaptados pelo professor, uma vez que foram pensados para um público de ouvintes. As cenas improvisadas se inspiram no
cotidiano dos participantes da atividade.
Inicialmente, a ideia era um curso restrito para surdos. Havia um temor de resistência deles em participar de ações com ouvintes. Mas o interesse cresceu, e o Departamento de Teatro repensou a proposta.
O estudante de Arqueologia da UFS, Jorge Pereira, viu no curso uma oportunidade de ampliar a convivência com os surdos e, consequentemente, desenvolver fluência na língua de sinais. “No teatro, a gente aprende coisa que a gente não sabia. Uso do corpo e do gesto para que haja comunicação. Com o curso de teatro, eles [surdos] adquirem conhecimento dessa área”.
Com cerca de dez alunos (seis surdos e quatro ouvintes), o curso, que começou em 4 de
julho deste ano, está previsto para terminar em 9 de setembro. A atividade acontece às quintas- feiras, das 9h às 12h, na Sala Preta do DTE, no Centro de Vivências da UFS. Um espetáculo teatral está sendo planejado como arremate do curso. Rafael espera, depois de tudo isso, que os “surdos sejam felizes”. Uma frase poética para um jovem que descobriu o teatro através da poesia.
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado I - 2019.1
Repórter - Abel Serafim
Orientação - Professores: Josenildo Guerra, Cristian Góis e Eduardo Leite
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