Em luta constante para superar preconceitos, as tatuagens imprimem um novo olhar sobre o humano
Quem disse que o corpo humano é só um corpo? Esse lugar físico da existência humana pode ser também uma tela em branco pronta a se transformar em arte, graças aos traços e cores que dão vidas às tatuagens. Mesmo ainda sofrendo forte preconceito social, a arte da tatuagem começa a ganhar cada vez mais os corpos, o que marcará as novas gerações.
Da leveza dos traços até a cor da tinta escolhida, cada tatuagem possui sentidos e significados especiais. Isabela Menezes tem 28 anos e possui 70% do corpo coberto por tatuagens. Ela é bartender, uma artista que usa da preparação de coquetéis e drinks. “Fiz minha primeira tatuagem aos 14 anos, mas eu digo que eu não sou uma pessoa tatuada, eu sou ‘a’ tatuagem, eu sou essa arte em movimento, eu vivo essa realidade, cada tatuagem minha é pensada, eu olho no espelho e já enxergo ela no meu corpo’’, revela Isabela.
A bartender analisa que hoje a tatuagem se popularizou e muitas pessoas a fazem por moda, mas não era assim. “Meu pai sempre foi muito tranquilo, nunca foi de opinar, já a minha mãe teve uma resistência.’’ As reações contrárias foram sendo enfrentadas gradativamente por Isabela. “Fui fazendo uma, fui gostando, sentindo a reação dos meus pais, das pessoas”, conta.
As tatuagens têm sentidos e significados. Na Polinésia, por exemplo, o povo Maori utiliza os desenhos no corpo como parte dos rituais religiosos. No Brasil, quem vai tatuar sempre traz um motivo baseado nas emoções, nas memórias, nos sentimentos. “As pessoas geralmente perguntam se minhas tatuagens tem significado. Com certeza tem. Cada tatuagem minha é pensada”, explica Isabela.
De fato, a tatuagem faz do corpo uma tela nua a ser pintada. Os desenhos gravados na pele transformam o físico em ferramenta de expressão, de movimento, de lembranças. Se de um lado o estigma de marginalização sobre essa arte impera entre os mais velhos, de outro, essa arte em telas corporais impressiona e conquista os mais novos.
Somente em 2013, foi realizado o primeiro estudo para contagem de pessoas tatuadas no Brasil. Uma pesquisa da Super Interessante, realizada nas redes sociais, ouviu 80 mil pessoas e constatou que 59,9% dos tatuados já são mulheres. A maioria é jovem, na faixa etária de 19 a 25 anos, com ensino superior e ganham bem. De acordo com o tatuador Sergio Henrique, “o preconceito diminuiu com o tempo. Hoje, todo mundo tem tatuagem. É a coisa mais normal que existe. A maioria das pessoas que eu tatuo é jovem, às vezes aparece alguém entre 40 e 50 anos, mas o meu público mesmo é de 18 a 30 anos”, conta Sérgio.
Arte marginalizada
Por muito tempo, o ato de desenhar no corpo esteve ligado a criminalidade. Atualmente, mesmo com o refinamento dos traços e o aperfeiçoamento das técnicas, não é difícil encontrar relatos de pessoas que já sofreram preconceito por conta dos seus desenhos corporais. “A gente, que é tatuado, enfrenta um preconceito diário dentro do busão, na questão de emprego”, denuncia Isabela Menezes.
No Brasil, o preconceito com as tatuagens teria começado por volta da década de 1920. Os relatos são de que as primeiras pessoas a se tatuarem foram os marinheiros, fuzileiros navais, estivadores. Nesse período, até a simples exposição pública do corpo era vista com maus olhos. Criou-se uma imagem de que os tatuados gostavam de criar confusão, que eram piratas e rebeldes. Logo, não demorou muito para surgir um estigma que permanece até hoje, de que pessoas tatuadas são “marginais", “vagabundas”, “perigosas”.
Com o passar dos anos, setores mais conservadores da sociedade continuaram a criticar as tatuagens. Aquelas e aqueles que ousam imprimir arte em seu corpo estariam fora do padrão baseado em tradições e preconceitos. É isso que reforça Isabela: “A tatuagem sempre esteve ligada a gangues, dependentes químicos, desde sempre, isso vem de fora do Brasil. Porque as pessoas sempre tendem a buscar o lado negativo. O desconhecido assusta. Ao invés de pesquisar, de conhecer, as pessoas preferem julgar.”
Honan Oliveira ,18, aluno de Publicidade da Universidade Federal de Sergipe, conta que mesmo tendo um pai tatuador, sofreu grande resistência por parte da avó materna. “Ela nunca gostou, nem das tatuagens, nem da profissão do meu pai. Mas, quando ele começou a ganhar dinheiro com isso, ela ficou de boa. Quando fiz a primeira tatuagem, ela também reclamou, disse que eu era muito novo”, lembra Honan. O estudante fez o primeiro risco prestes a completar 18 anos e, em menos de um ano, já possui 11 tatuagens espalhadas pelo corpo. “Por meu pai ser tatuador eu já tinha acesso. Já estava enjoado de ver até que tive vontade de tatuar algo que eu gosto”, disse Honan. Sobre o preconceito, ele afirma que “as pessoas olham pra você, percebem que você tem tatuagem e começam a te analisar. Uma tatuagem ainda é muito relacionada a criminalidade e, dependendo da forma que você estiver vestido, também pode influenciar”, disse o estudante.
UMA BREVE HISTÓRIA DA TATUAGEM
As linhas que desenham os corpos tatuados atravessam a antiguidade, passam pelo Egito antigo e terminam na contemporaneidade. Os registros mais antigos datam de 3.300 antes de Cristo. Todavia, a presença de marcas corporais definitivas como elemento de manifestação cultural está presente nos países orientais muito antes disso.
A história da tatuagem ao redor do mundo não acontece de forma linear. A depender do país, da origem e da cultura, essa arte adquire inúmeras significações. Na China, por exemplo, essa prática nasceu com o nome de Ci Shen ou Wen Shen, que em livre tradução significa “perfurar o corpo”. Já no Japão o surgimento da tatuagem data de 10.000 antes de Cristo, e passa por diversas transformações.
Em terras brasileiras, o embarcadouro de Santos/SP foi a porta de entrada para a tatuagem. A técnica foi trazida em 1959 pelo dinamarquês Knud Harald Luck Gegersen, que logo ficou conhecido como Mr.Tattoo ou Lucky Tattoo. Além de tatuador Lucky também era desenhista e pintor.
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado I - 2019.1
Repórter - Rivandson Teles
Orientação - Professores: Josenildo Guerra, Cristian Góis e Eduardo Leite
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