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Biotecnologista baiana cria dispositivo que potabiliza água de cisternas por meio da radiação solar

Atualizado: 13 de fev. de 2020

Cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso à água potável, além disso, 361 mil crianças morrem todos os anos devido a doenças associadas ao consumo de água contaminada, a exemplo da diarreia. Esses são os dados apontados, respectivamente, pelos relatórios “Drinkingwater, sanitation and hygiene 2000-2017” e “Progress on drinking water, sanitation and hygiene: 2017” produzidos pela ONU e pela UNICEF.


No Brasil, de acordo com o Instituto Trata Brasil, 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável. O nordeste é a segunda região do país com menos acesso, já que 25,79% da sua população não consegue utilizar desse bem natural de forma adequada.

Delimitação do semiárido. Fonte: Sudene

Uma das razões para esse resultado está relacionada às condições climáticas, visto que é no nordeste que está presente a maior parte do semiárido brasileiro, estendendo-se pelos nove estados e alcançando Minas Gerais, no sudeste. Nessa região, o clima é determinado pela escassez de chuvas e pela forte evaporação da água, o que dificulta o armazenamento e a manutenção dos seus rios, que são, predominantemente, intermitentes, ou seja, apresentam água em seu curso apenas nos períodos de chuva.


Mais de 26 milhões de pessoas vivem no semiárido, distribuídas entre 1,262 municípios, sendo que, desse total, 9,6 milhões estão na zona Rural, território que sofre, ainda mais, com a dificuldade de acesso à água de qualidade. Como estratégia de melhorar a condição de vida dessa população, começaram a ser construídas na década de 1970, através de iniciativas paroquiais e de agências de cooperação internacional, as primeiras cisternas, que são reservatórios para captação de água da chuva para ser utilizada durante os longos períodos de estiagem.


A partir do ano 2000, o projeto de construção de cisternas de nome “Programa Um Milhão de Cisternas – (P1MC)”, idealizado pela Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, passou a ter o apoio do Governo Federal, à época do Presidente Fernando Henrique Cardoso, para levar as cisternas a essa região. Até o ano de 2012, essa relação com o Governo Federal acontecia através de termos de parcerias, mas a partir de 2013 ela foi institucionalizada através do Marco legal nº 12.873 de 24 de outubro de 2013. Nesse contexto, já foram construídas mais de um milhão de cisternas.


Tratamento da água de cisternas além dos métodos tradicionais


As cisternas abastecidas com a água da chuva, ou por carros pipa, oferecem condições de sobrevivência à população que, principalmente, vive no semiárido brasileiro, onde, segundo o IBGE 2010, mais de 6.600,000 pessoas não têm acesso à água potável encanada. Porém, é importante destacar que, antes de ser consumida, a água armazenada precisa ser tratada adequadamente, em razão da possibilidade de contaminação microbiológica, seja pelo ar, seja pelo próprio sistema de captação, do qual fazem parte o telhado, as calhas e os canos para escoamento.


Pensando em proporcionar um tratamento eficaz dessa água, além do convencional, com baixo custo e potencializar o consumo com qualidade, a biotecnologista Anna Luísa Beserra Santos, de 22 anos, quando ainda estava no ensino médio, enxergou no 27° Prêmio Jovem Cientista, financiado pelo CNPq, cujo tema era “Água: desafios para

sociedade”, a oportunidade de construir um dispositivo que fizesse esse tratamento,

Anna Luísa em visita à localidade que recebeu o Aqualuz. Foto: Divulgação

nomeado, então, de Aqualuz. “Apesar de eu ser nascida em Salvador/BA, sempre

estudei na escola sobre a realidade triste do semiárido com a escassez de água. Devido minha vontade de ser cientista e mudar o mundo, quis fazer algo para ajudar e que fosse útil para a região, não mais uma tecnologia sofisticada que, no final das contas, não poderia ser usada pelas pessoas que necessitam”.


Anna Luísa não conquistou o prêmio, mas permaneceu com o desejo de desenvolver o Aqualuz, uma realidade possível já no primeiro semestre do curso de Biotecnologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA). “A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) foi a primeira apoiadora com bolsas de iniciação tecnológica. Consegui através de um edital da incubadora da UFBA, aos 17 anos, quando estava no primeiro semestre”. Após isso, ela foi incentivada a montar uma equipe com estudantes e pesquisadores, tanto da UFBA, quanto de outras universidades, a exemplo da Universidade Federal do Ceará (UFC), para que a ideia da sua tecnologia fosse fortalecida.


O Aqualuz é um dispositivo composto por um filtro que bombeia a água da cisterna, retira as partículas mais sólidas e despeja a água em um pequeno tanque com tampa de vidro exposto ao sol. Quando a água está pronta para uso, um círculo no fundo do tanque muda de cor, indicando a potabilidade da água. O dispositivo é baseado na Tecnologia SODIS - Desinfecção Solar da Água, mas tem um diferencial: enquanto a SODIS dura entre seis e 48 horas de exposição ao sol para purificar a água, o Aqualuz gasta entre duas e seis horas para desinfetar em 100% a água.

Montagem e entrega do Aqualuz. Foto: Divulgação


Empreendimento de baixo custo


Para fortalecer o desenvolvimento do Aqualuz, Anna Luísa decidiu criar a startup chamada SDW for all, hoje, composta por uma equipe com cerca de 15 pessoas, e está alinhada a três dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS da ONU (ODS 3: Saúde de Qualidade, ODS 6: Água Potável e Saneamento e o ODS 17: Parceria para a implementação dos objetivos). Disseminando através da startup a ideia do dispositivo, ela conquistou vários prêmios que também contribuíram como forma de financiamento do projeto.


Em abril de 2019, ela recebeu o prêmio no valor de 25 mil reais ao conquistar o segundo lugar no programa Hack Brasil da Brazil Conference at Harvard & MIT 2019, em Boston, nos EUA. Em setembro do mesmo ano, ela foi premiada pela ONU meio ambiente no Prêmio Jovens Campeões da Terra como melhor iniciativa da América Latina e Caribe, recebendo o prêmio no valor de 24 mil dólares, sendo 15 mil US$ para ser aplicado diretamente no projeto e nove mil US$ para ser aplicado em divulgação e marketing. “Esse reconhecimento da ONU nos abriu mais portas, a nível nacional e internacional, fazendo surgir mais parceiros e as pessoas passaram a confiar muito mais na nossa tecnologia, no nosso profissionalismo. Isso mostra não só importância da premiação financeira, mas, também, da colaboração para a divulgação do projeto”, destacou orgulhosa a idealizadora.


Vídeo da cerimônia de entrega do Prêmio Jovens Campeões da Terra 2019. Fonte: United Nations Environment Programme


A biotecnologista pretende expandir o projeto e levar o Aqualuz para o continente Africano, em razão das dificuldades de acesso à água que esse território enfrenta, podendo beneficiar 148 famílias e duas escolas. “Sempre soubemos que o continente africano passa pelas maiores dificuldades em relação à água, por isso decidimos levar para lá”. Segundo o artigo “Climate Change Is Hurting Africa’s Water Sector, but Investing in Water Can Pay Off”, publicado em 2019 pelo World Resources Institute, a escassez de água no continente africano é um problema sério para um em cada três habitantes, e cerca de 400 milhões de pessoas na região da África Subsaariana, recorte territorial ao sul do deserto do Saara e que domina maior parte do território africano, não têm acesso à água potável.


Ao visualizarem os países do continente africano, o escolhido para receber o dispositivo de tratamento da água foi Madagascar (localizado no território da África Subsaariana), em razão do apoio que encontraram na região. “Sabemos que existem tantos outros países com realidades até piores, mas em Madagascar temos a Fraternidade sem fronteiras e a Liga do bem como parceiras. Vamos ajudar uma comunidade que passa por muitas necessidades, em que as crianças, principalmente, são vítimas de desnutrição e, também, morrem por conta de doenças de veiculação hídrica”, reforçou Anna Luísa.


Impacto social


O Aqualuz já está sendo utilizado em cinco dos dez estados brasileiros onde o semiárido está presente (Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e o Rio Grande do Norte), distribuído em oito cidades e impactando a vida de mais de 250 famílias.


A presidente do quilombo Mumbuca e Samambaia, localizado no município de Bom Jesus da Serra, no semiárido baiano, Gerlane Geisa, foi uma das pessoas contempladas com o Aqualuz e assumiu a responsabilidade de ser agente de campo da localidade, capacitando os outros moradores sobre como utilizar e realizar a higienização do dispositivo. “O projeto Aqualuz chegou à comunidade num período de extrema seca, quando passávamos por muitas dificuldades por conta disso. O pessoal veio para cá com o dispositivo e nos capacitou, explicando e ensinando como ele funcionava”, explica.


Ela ainda reforça: “Já contávamos com o projeto das cisternas que nos ajudava muito, mas, definitivamente, o Aqualuz contribuiu para melhorar nossa qualidade de vida. Mudou nossa realidade. Espero que outros projetos como esses sejam pensados e continuem sendo levados para essas pessoas que sofrem pela escassez de água”.


Quem também avalia de forma positiva a criação do Aqualuz como instrumento

potabilizador da água das cisternas é o professor da Universidade Federal de Sergipe

Jailton Marques, professor do Departamento de Engenharia Ambiental da UFS. Foto: Talisson Souza

(UFS), atuante em estudos de controle de poluição e tratamento de água e efluentes, José Jailton Marques. “A idealização desse dispositivo

está permitindo uma melhoria na condição de vida das pessoas dessa região. Ela facilita o acesso à água de qualidade para consumo, uma vez que reduz a incidência de doenças em decorrência da sua ação desinfetante, ou melhor, esterilizante, através da radiação solar, diferente de métodos convencionais como o cloro, que elimina somente os contaminantes patogênicos”. O professor ainda reforça a importância de que esse dispositivo possa ser implantado em mais estados do semiárido brasileiro.


Inovações tecnológicas de baixo custo, a exemplo do Aqualuz, podem oferecer condições para redução de gastos da economia com o tratamento de água, e fazer com que se possa utilizar o dinheiro economizado em novas estratégias, a fim de minimizar os problemas de crise hídrica em regiões que sofrem com essa realidade.


O sol, que por vezes é considerado o grande vilão, é, também, um bem natural que pode melhorar a condição de vida das pessoas, por meio da contribuição da ciência, tecnologia, inovação e do desejo de sujeitos sociais de transformar a sociedade.



Reportagem: Samuel Santos e Talisson Souza

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