Ao circular por Aracaju, você pode reparar nas pessoas que ficam nas ruas, alguns moram, outros trabalham. De carro, já deve ter sido abordado por alguém pedindo doações, ou por um flanelinha. Incômodo, indignação, solidariedade, você pode ter várias reações, mas por que aquelas pessoas estão alí?
De acordo com a Secretaria de Assistência Social (SAS) de Aracaju, em 2019, aproximadamente 350 pessoas estavam em situação de rua no município. Tais pessoas utilizam o espaço público durante o dia, geralmente para trabalho ou como pedintes, e possuem uma residência, ainda que precária, diferente dos moradores de rua.
Para entender sobre a ocupação de tais espaços, antes de tudo, é preciso ver além do vidro do carro e enxergar de fato o ser humano. Todos têm uma história de vida, problemas, alegrias, sonhos.
“Não moro na rua não tia, fico aqui pra ganhar um trocado e ajudar a coroa nas conta de casa” afirma Pedro, de 14 anos. Ele é um dos muitos que ficam no semáforo da Avenida Deputado Silvio Teixeira. O bairro atrai muitos vulneráveis, em virtude da posição estratégica, sendo rota de circulação e pela proximidade com bairros da classe alta da capital.
Os flanelinhas são um pequeno grupo que ocupa a região. Na rotatória do Sinhazinha, frequentemente, artistas se apresentam e famílias transformam o espaço em moradias adaptadas. As reações das pessoas oscilam entre os que exigem uma solução do poder público e os que que desejam apenas limpar a região.
A Prefeitura Municipal, representada pela SAS, desde 2012, passou a estruturar a rede de assistência, integrando as unidades de apoio. Atualmente 27 locais, entre Centro, Lares, Creas, CRAS e abrigos recebem homens, mulheres, jovens, crianças, famílias. Quando uma pessoa precisa de ajuda, uma das nove equipes de intervenção vai até o local em que ela está, realiza a abordagem e verifica qual unidade mais próxima pode recebê-la. Ao mesmo tempo que é integrada, a rede é ramificada, conseguindo englobar o território.
Dos locais que acolhem pessoas menos favorecidas, o Centro POP é um dos mais conhecidos. O espaço é literalmente um ponto de acolhimento, onde as pessoas podem se alimentar, fazer a higiene pessoal, lavar roupas, fazer cursos, tirar documentos. Não é permitido dormir no centro, mas dependendo da situação, o indivíduo pode ser encaminhado para outra unidade.
Ao chegar, o indivíduo é recebido pela equipe de triagem, que faz um cadastro com os principais dados, como nome, quais documentos possui e quais as principais necessidades. Caso não possua documentação, o departamento pessoal é encarregado de dar entrada no processo. Após o cadastramento, a pessoa pode ter acesso às dependências da unidade e dispor dos serviços. Durante o processo, é analisado se ele/ela já recebe benefício, se tem direito à algum auxílio social, se tem interesse em alguma formação.
Mais do que um paliativo, o sistema pretende estruturar os moradores de rua. Como? Com um mínimo de dignidade, através de tratamento para dependência química, doença grave que atinge grande parte da população das ruas, e por meio da capacitação técnica, com cursos e especializações.
QUALIFICAÇÃO E MERCADO INFORMAL
A qualificação profissional é disponibilizada pela Fundação Municipal de Formação Para o Trabalho (FUNDAT) em 8 unidades espalhadas pela cidade (Santa Maria, 17 de março, Jardim Esperança, Coroa do Meio, Santos Dumont, Porto Dantas e Augusto Franco), além da sede, que fica no centro, ou nas empresas parceiras. São mais de 90 cursos disponibilizados pela Fundat, divididos em eixos: Desenvolvimento Educacional (inglês, espanhol, libras), Gestão e Negócios (Vendas), Informação e Comunicação (Informática, webdesigner, lógica de programação), Produção Cultural e Design (artesanato, técnicas de pintura, bonecas de pano), Produção de vídeo, Produção Alimentícia. A distribuição dos cursos é realizada em parceria com o Observatório Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que rastreia as necessidades mercadológicas, e também pelo diálogo com a comunidade. Os cursos mais procurados, são os que apresentam uma possibilidade de entrada imediata no mercado, tais como porteiro, cuidador de idosos. Além da formação, a Fundação disponibiliza vagas de trabalho com as empresas parceiras. Os candidatos são encaminhados após uma seleção de currículo e pré-entrevista, em que são passadas orientações para que o encaminhado possa conquistar a vaga de trabalho.
Para se cadastrar no sistema, além dos documentos de identificação, é necessário comprovante de residência. E como fica a situação dos moradores de rua? Como eles teriam acesso aos serviços da Fundat? De acordo com Johnatan Santos, coordenador da Assistência, quem não possuir endereço fixo e for cadastrado no sistema da SAS, pode utilizar a unidade mais próxima como referência.
Apesar do esforço conjunto com a Assistência Social, a Fundat também engloba toda a população de desempregados da cidade. Os números de pessoas de 14 anos ou mais desocupadas vinham em níveis de crescimentos nos últimos anos, seguidos por uma queda em 2019, conforme mostra a tabela abaixo:
A queda no número de desocupados é atribuída ao crescimento do serviço informal e subempregos. No último ano, o mercado informal ganhou o status de empreendedorismo. Assim, a pessoa que presta algum serviço, venda brigadeiros, seja motoboy, ainda que não tenha uma relação trabalhista, não são mais considerados desempregados.
AS RUAS COMO CASA
Se tudo é tão bem estruturado, por que ainda encontramos pessoas nas ruas? Pessoas que ainda não foram localizadas pelas equipes de intervenção, reincidentes (que já passaram mais de uma vez pelo sistema), “pedintes” sazonais (que aproveitam um período ou data comemorativa, pelo aumento das doações).
Para Johnatan Santos, coordenador da Assistência Social, além da necessidade de ampliar a quantidade de vagas nas casas de apoio, um dos desafios é conscientizar e até convencer os moradores de rua a mudarem suas vidas. “Muitos estão nas ruas há muitos anos, vivem numa liberdade total e quando vão às casas de apoio sentem-se aprisionados. Abordamos, conversamos, tentamos descobrir o histórico, se tem algum familiar ou até o que aquela pessoa gostaria de fazer para ajudá-la, mas temos que respeitar a sua vontade”, pontua.
O coordenador afirma que muitas pessoas são abordadas frequentemente e desrespeitam os avisos da equipe. “Temos uma dificuldade especial em algumas regiões e nos preocupamos ainda mais quando são família, com crianças. Em um caso específico, que está em segredo de justiça, crianças de rua estavam sendo assediadas por um morador de um condomínio próximo ao local que a família se abrigava. Esse é outro aspecto, as pessoas que vivem nas ruas ficam vulneráveis a qualquer ataque”, conclui.
Ouvir o trabalho dos órgãos públicos parece que destoa da realidade. Andamos tão ocupados com nossa rotina, que passamos pelas pessoas nas ruas sem nem olhar. Eles não têm rostos, são quase invisíveis. Temos medo da proximidade e continuamos na inércia. Exigimos uma ação do poder público e não somos capazes de doar um prato de comida, um cobertor, uns minutos de atenção. Esquecemos a humanidade.
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado II - 2019.2
Reportagem: Joyce Oliveira
Imagens: Cedidas por Jota Retratos
Orientação: Vítor Belém
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