top of page

Restrições ameaçam atuação dos pescadores artesanais no município da Barra dos Coqueiros

  • Foto do escritor: Josino Neto
    Josino Neto
  • há 3 dias
  • 8 min de leitura

Por: Helen Basílio, Maria Clara Batista e Raquel Lopes

Foto: Maria Clara Batista

ree

Sobre as águas da margem esquerda do Rio Sergipe, alguns poucos barcos ainda tentam resistir. No mar, a mesma situação. Em terra firme, no entanto, a esperança se desfaz a cada dia. Independentemente do local, solo ou água, a certeza que habita entre os moradores da Barra dos Coqueiros é uma: a cidade está crescendo e empreendimentos imobiliários estão tomando espaço antes reservado à pesca tradicional. Dessa forma, surge a dúvida que afeta os pescadores da região: afinal, o que sobrará para a atividade? 


O município sergipano, inicialmente registrado como Ilha de Santa Luzia, passa por um acelerado processo de urbanização. De acordo com o último censo, realizado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população residente da Barra dos Coqueiros cresceu cerca de 66,20% em comparação ao ano de 2010. 


Desde a inauguração, em 2006, da ponte Construtor João Alves, a famosa ponte Aracaju-Barra, a cidade atrai diversos empreendimentos, à exemplo da criação de condomínios e colégios de luxo. Um fato que pode ser facilmente observado ao se deslocar pela região, principalmente nos arredores das comunidades, como o Jatobá, que tem diversas construções de condomínios em andamento. 


O problema dessa urbanização desenfreada está nas consequências para as comunidades pesqueiras e marisqueiras, que tem seus espaços invadidos pelos empreendimentos. Um exemplo disso é o navio regaseificador que abastece a Usina Termoelétrica Porto de Sergipe I (UTE) instalada na cidade. A embarcação está localizada a 6,5 km da costa, mas o seu impacto é inegável. “A gente não pode encostar mais o barco [perto do navio], eles empatam. Chamam logo a federal”, relata o pescador Alexson Souza


De acordo com as Normas da Autoridade Marítima para Tráfego e Permanência de Embarcações em Águas Jurisdicionais Brasileiras (NORMAM-08/DPC) da Marinha do Brasil, o distanciamento mínimo para circulação em áreas próximas ao navio é de 500 metros, para evitar acidentes e proteger tanto as instalações quanto as pessoas. Caso ultrapasse esse limite, os barcos de pesca podem ser multados pelos Agentes da Autoridade Marítima. 


No entanto, a área se torna atrativa para os pescadores, pois o fundo do navio acaba chamando a atenção de alguns cardumes como o robalo, xaréu e cavala, devido a uma matéria orgânica que abaixo dele se cria. “Por ficar parado no mesmo ponto por um longo tempo, o casco e as estruturas submersas [do navio] acumulam algas, cracas e mexilhões. A abundância chama a atenção pelas boas chances de pesca”, explica o chefe da divisão de pesca da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Pesca da Barra dos Coqueiros, João Victor Silva.


Limitados pelas construções à beira-mar e pelo navio regaseificador, quais espaços sobram para a pesca? Seja no centro do município ou nos povoados ao redor, a certeza que ronda é uma: a produção dos pescados está cada dia mais diminuta, e a restrição das áreas não ajuda na preservação e resistência daqueles que encontram na pescaria o sustento de suas famílias. 


De acordo com o Painel Unificado do Registro Geral da Atividade Pesqueira realizado pelo Ministério da Pesca e Agricultura (MPA), o município da Barra concentra o total de 542 pescadores artesanais dos 38.205 que se acumulam no estado de Sergipe. Esse número representa cerca de 1,41% do total de pescadores do estado, o que em um primeiro momento não parece muito, mas que detém em suas redes e barcos a resistência para sobreviver praticando aquilo que foram, muitas vezes, ensinados desde criança.



Mesmo aqueles que querem resistir e sentem na pesca a memória da infância, às vezes não têm outra opção a não ser achar outro meio para se sustentar. “Hoje a maioria dos pescadores estão indo embora. Uns trabalhando de carteira assinada em Santa Catarina, outros estão indo pra Vitória, Santos...”, relata a presidente da Colônia de Pescadores Z-13, Maria Elinete da Silva. Esse é um fato que torna ainda mais significativa a redução de pescadores da região, pois mesmo em situações desfavoráveis, se tornam resilientes e perseverantes.


AMEAÇADOS À ESCASSEZ


Os olhos de Maria Elinete expressavam tristeza quando, ao surgir o assunto da durabilidade da prática da pesca, ela previu que, pelo andar da carruagem, os próximos 10 anos, no máximo, seriam aqueles em que a atividade pesqueira se despediria do município. “Infelizmente. A gente não vê melhoria, não vê. Eles estão sendo muito prejudicados. Na parte da praia tem os condomínios, né? Já teve pescador chegando aqui [na colônia] reclamando que quando vão botar a rede não pode, porque é área de banho”, lamenta.


Pescadora desde criança por influência do pai, ela diz que, por muito tempo, a pesca foi sua fonte de renda, o que torna sua previsão ainda mais melancólica. Seguindo o exemplo paterno, também influenciou os filhos durante muito tempo no caminho da pesca. Hoje em dia, no entanto, possuindo esse entendimento sobre a sobrevivência da prática, Maria Elinete afirma aconselhá-los a buscar estudos e especializações. “A gente [estava] sempre ali: você vai estudar, já que a pescaria cada dia que passa tá pior”.


ree

A presidente da Colônia Z-13 da Barra dos Coqueiros, Maria Elinete da Silva, relata dificuldades no cenário atual.

Foto: Raquel Lopes


A realidade descrita não é aumentada para gerar dramatização. É apenas a verdade, que habita diversos lares e aflige o coração daqueles que veem na pesca muito mais do que trabalho, que enxergam nela uma tradição, uma cultura e um sentimento de pertencimento. A professora do Departamento de Engenharia da Pesca da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ana Rosa Araújo, acrescenta que “não tem para onde correr. Realmente a pesca está totalmente comprometida”.


O motivo é claro: falta de planejamento. Não é que os pescadores não queiram que a cidade cresça, mas eles precisam estar incluídos nesse crescimento. Ainda de acordo com a professora, esses movimentos de planejar transformações urbanas estão baseados no que está exposto aos olhos, e é uma tendência das tomadas de decisões do Brasil. 


Ela informa que já houveram grandes lutas de territórios pelo país que terminaram com a conquista desejada, como no caso da agricultura, pois são áreas possíveis de administrar certo controle sobre o que está acontecendo. A plantação pode ser enxergada. Mas, quando se trata das águas, a questão é outra, já que a quantidade de peixes dentro do mar não pode ser contada. 


O chefe da divisão de pesca, João Victor Silva, concorda que a falta de um bom planejamento e de profissionais especializados é um dos fatores que colaboram para o impacto dessas comunidades. Porém, em sua visão, acredita que não existe possibilidade de completa evacuação dos pescadores. “Enquanto existir mar, existirá a pesca”, conta.


No entanto, a preocupação que fica é sobre como essa existência persistirá quando os recursos pesqueiros estão sendo cada dia mais impactados. Além da crescente construção de moradias, há também um outro fator que contribui para a decadência da pesca: a poluição dos mangues. Por seu odor forte, o manguezal é visto como uma lixeira à céu aberto, então as pessoas que não precisam dele o poluem. Mas é necessário entender que ali é um local de vida, especialmente para aqueles que encontram nele sua subsistência.


“Muitas espécies vêm do mar, chegam até o manguezal para se alimentar, crescer, ficar forte e voltar para o mar”, explica a professora Ana Rosa. Com o manguezal poluído, no entanto, muitas dessas espécies não sobrevivem. Logo, a quantidade das espécies capturadas não é mais tão abundante e, aqueles que dependem da pesca, acabam sentindo o impacto. 


Pescador há mais de 20 anos, o morador do povoado Jatobá, Adriano José, tem na pesca sua fonte de renda. Infelizmente, seu relato sobre a situação atual da produção não é agradável, seja devido à urbanização ou mesmo a falta de cuidado com o mar. “Ano após ano vai diminuindo e as coisas vão ficando cada vez mais difícil”, relata ele, “É muita sujeira. Lixo, garrafa pet, copo... Acaba com o peixe”.


Mergulho na rotina dos pescadores da Barra dos Coqueiros e nas técnicas utilizadas na captura dos peixes.

Fotos: Helen Basílio, Maria Clara Batista e Raquel Lopes


De modo geral, não são apenas Adriano e Alexson quem sente os impactos. Como principal fonte de renda, se não a única, de muitos pescadores, a baixa produção ameaça o sustento dessas famílias. O único apoio institucional dado a eles é o pagamento de um salário mínimo mensal que acontece apenas no período de defeso. O art. 1° da Lei N° 10.779 de 2003 estabelece a proibição temporária da pesca, com o objetivo de garantir a proteção das espécies no período de reprodução.


PRESERVAÇÃO AO INDIVÍDUO


Se o impacto existe e é evidente, também se faz necessário, então, a criação de políticas públicas que visem a preservação da pesca e daqueles que dela necessitam. Mas, como garantir que os pescadores consigam manter a tradição familiar e sustentar sua família ao mesmo tempo? Quais seriam as políticas necessárias para que o impacto não fosse tão grande?


“Nas águas, nos rios e nos mares, a gente não vê [o que tem dentro]. Os pescadores são sempre os mais prejudicados quando se trata de alguma coisa nas águas, quando vão botar hidrelétrica, termelétrica...”  Ana Rosa Araújo, professora e chefe do Departamento de Engenharia da Pesca.

João Victor, como participante ativo da secretaria, afirma que criar estratégias para diminuir esse impacto está no planejamento da gestão da Barra dos Coqueiros. No entanto, segundo ele, a fase que o governo municipal se encontra agora é de, justamente, ouvir e analisar essas famílias que dependem da pesca para alinhar a realidade e entender o que a secretaria pode oferecer. “Na verdade, são questões que estão sendo pensadas agora. Eu acho que o mundo vem acordando para essas questões ambientais agora”, completa. 


Entende ainda que, no cenário atual, é um desafio criar estratégias que diminuam os efeitos negativos sobre a prática. Porém, se mostra esperançoso que consigam, através de novas implementações, criar uma compensação para os pescadores. “É um erro que vem tentando ser corrigido”. No entanto, os programas idealizados para a população pesqueira se mostram longe da permanência da pesca e mais próximos da sobrevivência do indivíduo.


São ações que têm como objetivo a capacitação do pescador em áreas de extensão, que são cursos voltados para o aumento das atividades e produtividade do indivíduo, mas não necessariamente na área de costume. João Victor informou que, ao mesmo tempo em que a pesca está sendo impactada, o campo aquícola vem crescendo e se tornando uma opção dentro desse planejamento. “Se a gente conseguir capacitar o pescador em alguma coisa próxima da linhagem, é o ideal”, disse.


Incentivar o estudo sempre é o melhor caminho, mas e onde fica a memória da infância? A pesca representa muito mais do que sustento, também é o afeto e as lembranças de uma juventude vivida nos mares e rios. Por mais semelhante que seja a prática da aquicultura e a pesca, há algumas diferenças entre elas, principalmente no que diz respeito à captura das espécies. Enquanto a pesca tem maior contato com os ambientes naturais, a opção aquícola envolve a criação das espécies em ambientes confinados, como viveiros.


Embora seja uma forma de tentar compensar o pescador, deixar se perder a tradição da pesca é grandemente desolador. Isso eleva, portanto, a importância da presença de profissionais focados na preservação dos recursos naturais dentro dos ambientes de construção e empreendimentos. Para que, aqueles que dependem desses recursos, não sofram as consequências do mau planejamento e precisem se alocar em áreas desconhecidas. 


É por isso, então, que existe o gerenciamento costeiro. Sancionado pela Lei 7.661, de 1988, ele visa garantir o uso responsável dos recursos na zona costeira, elevando a qualidade de vida da população e respeitando seu patrimônio natural. Atualmente, de acordo com o chefe de divisão da pesca, João Victor, o município da Barra dos Coqueiros não conta com um gerenciamento costeiro. Essa responsabilidade fica por parte da Secretaria do Meio Ambiente, que ainda está em processo de planejamento para execução. 

 

Ainda assim, a perspectiva para o futuro, no entanto, direciona a pesca apenas para o lazer. “Sendo uma ilha, é inevitável que sempre vá ter atividades pesqueiras. Mas, cabe a gente levar mais para o lado do esporte, porque aqui, no município, como fonte de renda direta, realmente vai deixar de existir”, finaliza João Victor Silva. A realidade exposta é dolorosa, mas é o início para que novas atitudes venham a transformar e enxergar aqueles que, por muito tempo, ficaram refém de um planejamento que não os inclui. 



 
 
 

Comentários


ZONA CONTEXTO é uma produção laboratorial EXCLUSIVA, da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado I, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe.

Departamento de Comunicação Social. Todos os direitos reservados.

  • Spotify
  • Facebook
  • Instagram
  • YouTube
8A4E99B4-F182-4544-9D48-0DF8E360EB85 (2).png

CONTATO

portalcontextoufs@gmail.com

Departamento de Comunicação Social (DCOS)

Avenida Marechal Rondon Jardim s/n - Rosa Elze, São Cristóvão - SE, 49100-000

Logo da Universidade Federal de Sergipe
Logo do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe
SELO PNG.png
bottom of page