Por: Ana Beatriz Andrade, Lorrany Amazonas, Marcela Sousa e Nicolle Santana
© LORRANY AMAZONAS / CONTEXTO
Quarta-feira, nove horas da manhã. Nossa Senhora do Socorro, Travessa Auxiliar Um. O choro do bebê ecoa por toda a casa. Chegou a hora de Ana Larissa, nome fictício criado para proteger a integridade do (a) entrevistado (a), alimentar o seu filho. No armário, o leite em pó integral é o que está disponível e fará parte da alimentação do pequenino. O que ela não sabia é que esse tipo de alimento não é o adequado para um recém-nascido. Dois meses depois, Larissa percebe que o seu filho não está se sentindo bem e o leva até a unidade de saúde mais próxima. Lá, o médico atesta complicações no estômago. Infelizmente, o bebê não resistiu.
A história de Ana Larissa, cuja identidade foi preservada, narrada por uma profissional de saúde, trouxe à tona o alto índice de mortalidade infantil no município de Nossa Senhora do Socorro. A falta de informações básicas e o difícil acesso a recursos adequados, agravados pelas condições socioeconômicas precárias, muitas vezes transformam a sobrevivência em uma batalha desleal. Para muitas mães, a falta de instrução, de apoio e a vulnerabilidade social não são apenas desafios, mas fatores determinantes na luta pela vida de seus filhos.
Mortalidade infantil, por definição, é o óbito de bebês nascidos do primeiro respiro a um ano de vida. Em 2022, de acordo com os dados do DataSUS, a taxa de mortalidade infantil em Nossa Senhora do Socorro foi de 21,02 mortes por mil nascidos vivos, mais que o dobro do registrado em 2021, quando o índice era de 10,00. O aumento assusta e, mais do que isso, revela falhas em um sistema de saúde que, apesar de alguns avanços, ainda não consegue alcançar de maneira eficaz todas as famílias do município.
© MARCELA SOUSA / CONTEXTO
Ainda segundo o DataSUS, 79,55% dos casos de mortalidade infantil por causas evitáveis foram de crianças pardas e 20,45% brancas. Não foram registradas mortes de bebês pretos, amarelos ou indígenas, apesar de 40% da mortalidade materna ser de mulheres negras. Das 20,758 crianças registradas em Nossa Senhora do Socorro, cerca de 17,039 estão inscritas no Cadastro Único e recebem algum benefício do Governo Federal.
© MARCELA SOUSA / CONTEXTO
Entre as causas mais frequentes, segundo a neonatologista Sabrina Barreto Antunes, estão complicações evitáveis, como prematuridade, infecções, subnutrição e doenças congênitas, problemas que poderiam ser mitigados com um pré-natal adequado e acompanhamento contínuo.
Estratégias Para a Redução
Para enfrentar essa crise, o município de Nossa Senhora do Socorro tem buscado parcerias com diversas organizações, como é o caso do apoio recebido da Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças e Adolescentes. Com o apoio da fundação, em 2022, o município criou o comitê de mortalidade materno-infantil, um passo importante para mapear as causas das mortes e formular estratégias de intervenção. “A parceria com a Fundação Abrinq tem sido fundamental. Estamos realizando capacitações, palestras e ações de busca ativa, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a importância do pré-natal e do acompanhamento médico durante a gestação”, como explica o secretário de saúde adjunto do município, Iziderio Souza.
Segundo o site da Abrinq, foi desenvolvido, no município, o Programa Mortalidade Zero, cujo objetivo era zerar o número de óbitos infantis por causas evitáveis, a partir do fortalecimento de políticas públicas. O programa iniciou a articulação, junto à Secretaria Municipal de Saúde, para a formação do grupo técnico que trabalhou no plano de redução do óbito infantil.
O comitê, integrado por duas médicas, três enfermeiros, membros da vigilância epidemiológica, maternidade e outros profissionais, produziu recomendações para orientar as políticas de saúde do município, visando reduzir e até zerar os óbitos infantis por causas evitáveis. A Abrinq contribuiu com a qualificação dos profissionais das equipes dos serviços básicos de saúde e assistência social por meio de formações técnicas.
Apesar do município reconhecer o importante papel desempenhado pela fundação no apoio ao combate da mortalidade infantil, em 2023, a parceria com o município foi encerrada. A equipe de redação da reportagem tentou entrar em contato com a Abrinq para saber mais informações sobre a parceria, mas até o momento da publicação deste material, não obteve resposta. Socorro foi o único município sergipano selecionado pela organização para auxílio na redução dos casos.
O comitê, mesmo com a saída da Abrinq, se reúne mensalmente para discutir casos de mortalidade infantil, analisar as circunstâncias que levaram a essas perdas e formular planos de ação para reduzir as taxas. “A partir dessa análise, conseguimos identificar falhas no atendimento, áreas mais vulneráveis e quais ações são mais necessárias para evitar que mais vidas sejam perdidas”, completa Iziderio.
Apesar das reuniões mensais, o acompanhamento contínuo de gestantes nos postos de saúde ainda apresenta falhas. Em alguns casos, não consegue fornecer todo o atendimento necessário. Segundo Iziderio, iniciativas como a criação do comitê e parcerias com a Fundação Abrinq têm sido cruciais para mapear as áreas com maiores índices de mortalidade e traçar estratégias de prevenção. Contudo, a falta de profissionais especializados em áreas críticas, como pediatria, continua sendo um obstáculo.
Em outubro de 2023, o Sindicato dos Médicos de Sergipe (SINDIMED) realizou uma denúncia diante dos altos números de mortalidade infantil no estado de Sergipe. O vice-presidente do sindicato, Argemiro Souza, relatou que, durante o Fórum Saúde Sergipe, a palestra da pediatra Aline Siqueira sobre o tema chamou a atenção dos participantes e criou o alerta para os números registrados no estado. Depois das informações trazidas por Aline, o SINDIMED se propôs a investigar as razões por trás dos dados.
A denúncia foi registrada a partir de um vídeo do presidente do sindicato, Helton Monteiro, publicado no Instagram do SINDIMED, onde ressalta os números “alarmantes da mortalidade infantil em Sergipe”. De acordo com ele, segundo os dados obtidos pelo comitê, nos próximos anos, por causa da falta de pré-natal e maternidades adequadas, o estado pode ocupar o primeiro lugar no ranking de mortalidade.
Rayanne Santos, moradora do bairro João Alves em Socorro, precisou realizar todo o seu pré-natal em Aracaju devido à falta de atendimento adequado na UBS próxima de sua residência. Ela relata que nas poucas vezes em que tentou obter acompanhamento na unidade de saúde, a enfermeira responsável não estava disponível. "Eu fui duas vezes no início da gestação, mas a enfermeira nunca estava. Disseram para eu voltar outro dia, voltei e nada, então desisti", conta.
Sem outra alternativa, Rayanne optou por continuar o acompanhamento com uma médica, em Aracaju, onde teve o bebê no Hospital e Maternidade Santa Isabel, sendo levada às consultas pelo marido. Isso evidencia a precariedade do sistema de saúde em certas regiões que impõe obstáculos extras às gestantes que dependem exclusivamente de serviços públicos.
"Eu fui duas vezes no início da gestação, mas a enfermeira nunca estava. Disseram para eu voltar outro dia, voltei e nada, então desisti", conta Rayanne.
Bairros com Unidades de Saúde Básica adequadamente estruturadas, oferecem um ponto de acesso primário ao sistema de saúde pública. Isso é essencial para prevenir doenças, diagnosticar e tratar condições precocemente, além de promover programas voltados às melhorias de saúde pública. Já os locais com unidades mal equipadas e subdimensionadas, enfrentam barreiras significativas para o acesso a cuidados básicos, como consultas de rotina, pré-natal, vacinação e orientação médica.
No caso específico de Socorro, como evidenciado pelo relato de Rayanne, a ausência de atendimento adequado na UBS de seu bairro forçou-a a buscar cuidados em outra cidade, o que acarretou dificuldades logísticas, como a necessidade de transporte, aumentando o estresse e os desafios durante a gestação. Isso não apenas expõe a precariedade do sistema de saúde local, mas também acentua as desigualdades sociais, já que nem todas as gestantes têm condições de viajar para obter um atendimento adequado.
Um contraste interessante surge quando comparamos a realidade enfrentada por Rayanne, com o relato da enfermeira de uma das UBS do bairro João Alves. Segundo a profissional, todas as gestantes que realizam o pré-natal naquela unidade são classificadas como de baixo risco, e, por essa razão, ela nunca presenciou um caso em que uma mãe perdeu o bebê após passar por seus cuidados. Ela conta ainda que, em situações de alto risco, essas pacientes são encaminhadas para o Centro de Especialidades Médicas (CEMAR), em Aracaju, onde recebem atendimento especializado.
Como porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), as UBSs desempenham um papel importante no atendimento à maioria das necessidades de saúde da população. No caso do pré-natal, por exemplo, o acompanhamento frequente nas UBSs é crucial para a saúde da gestante e do bebê, garantindo detecção precoce de complicações, como a pré-eclâmpsia e a diabetes gestacional. Além do acesso a cuidados necessários, como os exames laboratoriais que devem ser feitos, vacinação, orientações nutricionais, entre outros.
Bairros sem UBS, ou com unidades ineficientes, geram um ciclo de negligência, no qual doenças que poderiam ser evitadas ou tratadas, em sua fase inicial, evoluam para quadros mais graves. Devido a esse cenário, existe uma sobrecarga nos serviços hospitalares de maior complexidade, como o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) e o próprio CEMAR citado anteriormente, o que gera problemas estruturais na promoção da saúde básica.
De acordo com a relação de Unidades Básicas de Saúde fornecida no site da Prefeitura Municipal da cidade, dos 28 bairros de Socorro, oito não apresentam essas unidades: Boa Viagem, Castelo, Itacanema, Pai André, Palestina de Dentro, Palestina de Fora, Santa Inês e São Brás. Deixando parte da população sem assistência de fácil acesso. Isso significa que muitas gestantes e famílias precisam percorrer longas distâncias para conseguir atendimento médico, e, em alguns casos, esse atendimento pode não chegar a tempo.
Essa carência em oito bairros de Nossa Senhora do Socorro é reflexo de uma infraestrutura urbana insuficiente. De acordo com moradores da região, motoristas de aplicativos muitas vezes se recusam a entrar em certas localidades devido à precariedade das vias, que muitas vezes não são totalmente asfaltadas e iluminadas. Além disso, a falta de cobertura de linhas de ônibus nesses locais torna o transporte público uma opção inviável para muitos moradores. Essas barreiras físicas, combinadas com a ausência de unidades de saúde próximas, dificultam o atendimento médico em tempo hábil.
© MARCELA SOUSA / CONTEXTO
Saúde Materno-Infantil
O município de Socorro, apesar do grande número de habitantes distribuídos em povoações, centraliza todos os equipamentos de saúde móveis, como ambulâncias, no centro do município. Esse fato influencia diretamente a locomoção de uma gestante ou criança para o hospital municipal, uma vez que as unidades básicas só funcionam até às 17h. Para o secretário adjunto, não existe implicação na falta de ambulância nos bairros e povoados por considerar que o local mais distante da base hospitalar fica a cerca de 40 minutos.
O Hospital Regional José Franco Sobrinho, popularmente conhecido como Zé Franco, funciona também como maternidade. Por ser regional, nele são atendidos os moradores de Nossa Senhora do Socorro e de municípios vizinhos, como Santo Amaro das Brotas. O hospital oferece atendimento para gestantes classificadas como de baixo risco, aquelas cujas gestações não apresentam complicações graves para a mãe ou o bebê e, portanto, não exigem intervenções médicas complexas. De acordo com a neonatologista atuante no hospital, Sabrina Barreto Antunes, a equipe é composta por uma gama de funcionários para tornar esse momento inesquecível para as mães.
A neonatologista defende o empenho da equipe hospitalar e destaca que a unidade possui diversos equipamentos para humanizar o momento. “Nós tentamos ser o mais humanizado possível. A paciente vai entrar com o seu acompanhante e receberá todo apoio da nossa equipe. Vai sendo avaliada, tanto pelo enfermeiro quanto pelo obstetra, até que o bebê nasce. O bebê é assistido pelo pediatra de plantão e vai ser colocado pra mamar, preferencialmente, na primeira hora de vida”, explicou a médica sobre o atendimento.
© LORRANY AMAZONAS / CONTEXTO
Ala da maternidade do Hospital Regional José Franco Sobrinho
Em 2023, outra denúncia foi feita, dessa vez, pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Sergipe (CREMESE). O órgão relatou à imprensa, sobre as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde que eram designados para trabalhar no Zé Franco. Eram destacadas a falta de equipamentos e sobrecarga da equipe, que ficava sujeita a longos plantões.
Quando questionado sobre esse cenário, o secretário adjunto Izderio Souza, justificou que, por volta de 2022, mesmo a denúncia sendo de um ano depois, as escalas de profissionais médicos e obstétricos melhoraram. Ocorreu uma conversa com a equipe, para tentar descobrir por que os profissionais não se firmavam dentro da maternidade e, a partir disso, houve uma melhora no pagamento para as pessoas desse setor.
O secretário também conta que essa problemática criou um distanciamento na própria comunidade local. “Um exemplo, 1.800 bebês nasciam em Aracaju e somente 200 nasciam aqui. Os plantões eram sempre fechados, e colocaram na cabeça das mães que se, em trabalho de parto, ela fosse para o Zé Franco, iria para Aracaju depois. Por isso elas preferiam ir para Aracaju direto, já sabiam que tinham atendimento”, explica.
O vice-presidente do Sindicato dos Médicos, Argemiro Souza, destaca a luta por melhores condições trabalhistas para os médicos. Segundo ele, muitos médicos que atuam em órgãos da Prefeitura ou Governo, são contratados como Pessoa Jurídica (PJ), ou seja, como empresas, o que faz com que esses profissionais não tenham todos os direitos trabalhistas garantidos, como férias e 13º salário.
Isso acaba enfraquecendo o vínculo desses médicos com seus locais de trabalho. "Quando são realizados concursos públicos, o médico têm assegurados seus direitos trabalhistas, e isso torna mais provável que ele permaneça no mesmo local de trabalho por um período maior", afirma Argemiro, reforçando a importância de vínculos mais estáveis para a qualidade do atendimento.
Izderio alegou que quem gere o hospital é o estado. “Existe um colegiado de secretários, que é chamado de CI, Colégio Interfederativo Regional, lá ocorre uma vez no mês reuniões para discutir o que é que pode ser feito no hospital. Lá é o espaço de pactuações, então é lá que chegam as denúncias dos municípios, e também é lá que se discute o que pode ser melhorado. O superintendente é convocado para dar explicações, e o Secretário de Estado também é convocado”, explica o secretário.
Todavia, mesmo com a cobrança sobre as denúncias e com todas as discussões sobre o que pode ser feito, Izderio deixa claro seu descontentamento com a falta de execução das medidas voltadas para melhorias na saúde. Afirma não ter poder nenhum sobre a situação, no máximo pode participar apenas das discussões.
Outro problema maior, é a carência de campanhas de conscientização adequadas e a baixa escolaridade, que agravam o baixo acesso à saúde básica. Argemiro Souza conta que muitas mulheres podem desconhecer os riscos associados à ausência de acompanhamento médico durante a gestação, como complicações no parto, partos prematuros e condições de saúde que podem ser prevenidas ou tratadas quando identificadas com antecedência.
Argemiro explica que essa questão da mortalidade infantil é muito maior de se pensar, justamente por causa dessas questões desigualitárias. “O acesso a um pré-natal digno não é algo tão simples de resolver, dado que a gente precisa dar estudo, trabalho e dignidade para as mulheres, precisamos mudar a cara do nosso país. Melhorar a educação, trazer propostas de planejamento familiar”, comenta o médico.
Assim, a combinação de desinformação, falta de infraestrutura e barreiras socioeconômicas, cria um ambiente em que gestantes das classes mais vulneráveis ficam mais expostas a complicações evitáveis, o que intensifica ainda mais as disparidades de saúde materno-infantil.
Cuidados Contínuos
É preciso destacar que o atendimento não se limita à gestação. Após o nascimento, os recém-nascidos necessitam de cuidados contínuos, para garantir um desenvolvimento saudável. Segundo a página de Cuidado Neonatal, fornecida pelo Ministério da Saúde, os bebês precisam passar por uma série de exames essenciais que permitem a identificação precoce de condições graves e evitáveis.
Entre os principais exames, destaca-se o teste do pezinho, que deve ser feito geralmente entre o 3º e o 5º dia de vida. Ele tem a capacidade de detectar doenças metabólicas, genéticas e infecciosas, como o hipotireoidismo congênito e a fenilcetonúria. Esse teste é crucial para iniciar tratamentos que podem prevenir complicações graves, como problemas no desenvolvimento físico e mental.
Outro exame importante é o teste do coraçãozinho, que avalia a oxigenação do sangue e pode identificar precocemente cardiopatias congênitas graves. A detecção precoce de problemas cardíacos permite que o bebê seja encaminhado para tratamentos ou cirurgias que podem salvar sua vida.
Além desses, há outros exames essenciais, como o teste da orelhinha, que detecta possíveis problemas auditivos, e o teste do olhinho, que avalia a saúde ocular do bebê, buscando sinais de doenças como a catarata congênita. Esses exames são fundamentais para garantir que o recém-nascido tenha um desenvolvimento adequado, sem comprometimento de habilidades auditivas ou visuais.
Conforme indicadores do Programa Nacional de Triagem Neonatal(PNTN), desses testes, o teste do pezinho é o exame mais realizado, por ser obrigatório em todo o Brasil. Seguido dele vem o da orelhinha, com uma cobertura nacional de 80% a 85% dos recém-nascidos submetidos ao exame. Depois o do olhinho, que embora não seja obrigatório em todo o país, é amplamente realizado, especialmente em maternidades com boas condições.
Entre os testes com menos adesão, o do coraçãozinho tem sido cada vez mais incentivado, mas sua aplicação ainda está em expansão. E por fim, vem o da linguinha que ainda tem uma menor cobertura comparado aos demais, a cobertura pode chegar a cerca de 50% a 60%. No entanto, com a Lei nº 13.002/2014, que torna o exame obrigatório, sua implementação tem crescido. É válido destacar que todos esses exames devem ser oferecidos pelo SUS, tanto nas maternidades e hospitais, quanto nas Unidades Básicas de Saúde.
No hospital-maternidade, de acordo com a médica Sabrina, o bebê tem acesso a vários testes que são fundamentais para um recém nascido. “Aqui fazemos os auxílios à amamentação, os auxílios ao RN. E a gente tem uma coisa que eu acho que é primordial, a pessoa já sai daqui com quase nada pra fazer, porque ela já faz o teste do olhinho, o teste da orelhinha, o teste da linguinha, o teste do coraçãozinho. A gente sempre procura estar aqui implementando o que tem de atualização para que essas mães recebam essa orientação atualizada”, explicou ela.
Somado a isso, o secretário Izderio diz que para tentar prestar apoio para as mães com os cuidados aos seus bebês, o município também implementou programas que ajudam gestantes de baixa renda. Um exemplo, é a criação, em novembro de 2023, do Banco Municipal Socorrense, da moeda social digital Ipê Amarelo e a Bolsa Municipal Cuidar Mais Socorro.
“Temos uma parceria com a Secretaria de Assistência Social, e lá há um programa, além da distribuição de cestas básicas, onde é priorizado justamente essas mulheres que são de alto risco e estão gestantes. Elas recebem um cartãozinho com o valor que seria pago para comprar o enxoval. A mãe vai no comércio local, que está credenciado a receber o cartão, e escolhe o que ela não tem em casa, tanto de alimentação, como em padaria, em frigorífico”, explicou o secretário sobre a política pública do município.
Izderio conta que existem também, outras iniciativas que oferecem assistência com cestas básicas e um banco de enxoval, no qual se pode adquirir itens essenciais para os recém-nascidos. O objetivo é melhorar as condições de vida das gestantes e reduzir os riscos associados à pobreza e à falta de recursos.
Nossa equipe de reportagem observou que, apesar de alguns esforços isolados para enfrentar o alto índice de mortalidade infantil em Nossa Senhora do Socorro, muitas das medidas ainda não foram plenamente executadas, e há uma evidente falta de compromisso de todas as partes envolvidas. As mobilizações que surgiram para melhorar a saúde materno-infantil são recentes, como as reformas e transformações no modo de operar da maternidade do Hospital Regional José Franco, mas ainda há muito a ser feito.
O que se vê, em vez de um trabalho conjunto para solucionar os problemas, é uma contínua transferência de responsabilidade entre o município e o estado, com ambos relutando em assumir a carga das dificuldades. Esse impasse atrasa as melhorias necessárias e impede que ações concretas sejam implementadas de forma eficaz. O resultado é uma população vulnerável, especialmente as mães e os recém-nascidos, que continuam a enfrentar barreiras significativas no acesso a cuidados de saúde adequados.
Cicatriz Permanente
Esse cenário de ineficácia na execução de políticas e ações para reduzir a mortalidade infantil, tem um impacto emocional devastador. A perda de um bebê é uma tragédia que afeta profundamente as mães e suas famílias. Essas mulheres, muitas vezes passam pelos sentimentos de vazio, culpa, tristeza intensa e isolamento. Em um momento em que o mundo ao redor parece continuar normalmente, elas enfrentam um luto muitas vezes invisível, já que a sociedade nem sempre está preparada para reconhecer e lidar com a dor dessas mães.
Rayanne Santos compartilha dessa dor, o seu bebê Henry, o qual ela não conseguiu o atendimento na UBS, chegou a nascer na maternidade Santa Isabel, em Aracaju, e faleceu 2 semanas após o nascimento. Porém, ela teve a oportunidade de ser mãe novamente, dessa vez, do pequeno Calleb.
“Com Calleb foi uma mistura de sensações, porque a gente já tinha passado por todo o processo de Henry, aí veio ele, a gente fica com aquela expectativa. Então a gente esperava o melhor pra Calleb, só que fica o medo. Levaram ele, viram tudo, trouxeram ele pra gente, já é uma sensação de alívio porque a gente já viu que ele iria ficar realmente ali com a gente. Aí é quando vai caindo a ficha. E agora realmente você vai conseguir fazer o seu papel de mãe, porque você vai sair de lá com a criança. São sensações totalmente opostas.”, compartilha Rayanne.
O relato de Rayanne revela a complexidade emocional que acompanha mães que vivenciam perdas. A experiência de uma nova gravidez, para essas mulheres, é marcada por uma mistura de esperança e ansiedade, uma linha tênue entre o desejo de celebrar a vida que chega e o medo de reviver a dor da ausência.
© LORRANY AMAZONAS / CONTEXTO
Mãos de Rayanne e o pequeno Calleb
É importante lembrar que existem iniciativas de acolhimento para ajudar pessoas a lidar com o luto. Grupos de apoio têm surgido em várias partes do país para oferecer um espaço seguro e solidário, onde as mães e familiares podem compartilhar suas experiências, encontrar conforto e, principalmente, perceber que não estão sozinhos em sua dor. Esses grupos ajudam a romper o silêncio em torno do luto gestacional, neonatal ou infantil, oferecendo apoio psicológico e emocional em um momento de extrema vulnerabilidade.
Em Aracaju, por exemplo, o Grupo Casulo, criado em 2022, oferece acolhimento para famílias que enfrentaram a perda de um filho nas fases gestacional, neonatal ou infantil. As fundadoras Marina, Julie, Priscila Lírio e Priscila Rezende, organizam rodas de conversa, na qual mães enlutadas compartilham suas histórias, buscando serem vistas e compreendidas por outras mulheres que também passaram pela mesma dor.
Julie, jornalista e mãe eterna de Raul, relata que a experiência de perder um filho envolve não apenas o luto, mas também a necessidade de lidar com comentários indelicados de quem está ao redor: "Você é jovem, pode ser mãe de novo. Por que se apegar tanto se não passou muito tempo com ele?", destaca.
A doula que acompanhou Julie foi Priscila Lírio, que ajudou a idealizar e criar o Grupo Casulo, inspirado em iniciativas semelhantes em outras cidades do Brasil. O objetivo central do grupo é abrir espaço para o diálogo, acolher e compartilhar sentimentos que, muitas vezes, são escondidos ou minimizados, oferecendo alento e refúgio para mães e familiares.
Após a criação do grupo, outra doula, Priscila Rezende, se juntou à equipe, contribuindo também para os encontros. Além de apoiar as famílias, o Grupo Casulo realiza um trabalho importante com profissionais de saúde, ajudando-os a entender e conduzir melhor os processos emocionais que envolvem o luto. Julie conta que a atuação do grupo fez uma diferença direta na Maternidade Maria de Lourdes, localizada em Aracaju, onde promoveram um encontro entre profissionais e pacientes para abordar o tema.
Marina, bombeira militar e mãe eterna da Ominirê, também é uma mãe enlutada. Após sua perda, buscou apoio nas redes sociais como forma de cuidar da saúde emocional. Ela explica que muitas pessoas têm receio de participar das rodas de conversa, temendo que o encontro seja doloroso, como se fosse reviver a ferida. No entanto, os encontros costumam ser catárticos, proporcionando uma forma de alívio emocional.
Embora as rodas de conversa tragam histórias de dor, também surgem relatos de indignação, especialmente sobre a negligência profissional que algumas mães enfrentaram. Marina destaca que, embora grupos em redes sociais ofereçam informações e apoio valiosos, o impacto de ter um grupo sólido e com encontros presenciais é incomparável.
Até o momento, o Grupo Casulo nunca atendeu ninguém de Nossa Senhora do Socorro. Um dos grandes desafios enfrentados pelo grupo é justamente tornar seu trabalho mais conhecido, especialmente em regiões próximas, como Socorro, onde o acesso a esse tipo de apoio emocional pode ser limitado. No entanto, o grupo afirma estar disposto a oferecer esse suporte, caso sejam procurados por famílias da cidade.
Segundo a psicóloga Lizandra Soares, o apoio psicológico é fundamental para ajudar as mães passarem pelas fases do luto. Ela explica que durante esse período as sessões de terapia funcionam como uma profilaxia, evitando que durante a dor da perda seja desenvolvida alguma doença mental.
Ao visitar a UBS Josafá Mota de Souza, localizada no bairro João Alves Filho, a equipe de reportagem também descobriu que é ofertado um serviço de acompanhamento psicológico para mulheres. As conversas podem ser individuais ou em grupos e são conduzidas pelas duas psicólogas da unidade.
Esse serviço se mostra de extrema importância, especialmente diante das adversidades que muitas dessas mulheres enfrentam. Podendo ser uma adversidade como a abordada pela reportagem, que é o luto pela perda de um filho, mas também podendo ser a vivência de uma gestação de risco ou a sobrecarga emocional relacionada aos desafios da maternidade e do cotidiano.
VEJA MAIS:
Webstories Podcast
Comments