Por: Artur Vieira, Ronaldo Araujo e Yvis Cavalcante
© ARTUR VIEIRA / CONTEXTO
No bairro Santa Cecília, localizado no município de Nossa Senhora do Socorro, na região metropolitana da capital sergipana, os moradores convivem diariamente com a dura realidade de uma infraestrutura precária e a ausência de saneamento básico. As ruas esburacadas e mal pavimentadas, a falta de drenagem adequada para escoar águas pluviais e o esgoto a céu aberto são problemas recorrentes que impactam diretamente a qualidade de vida da população. Essas deficiências não só prejudicam a saúde dos moradores, expondo-os a doenças, como também dificultam a mobilidade urbana do bairro.
Dona Maria Silva, nome fictício criado para proteger a integridade da entrevistada, vive há 29 anos na Avenida Saneamento e compartilha sua angústia: “Antigamente, em 2001, isso aqui era tudo piçarra. Era até melhor, porque não tinha esgoto na rua, era tudo sequinho, bonitinho”. Segundo ela, com o calçamento implementado por gestões anteriores, o espaço se deteriorou. “Depois do primeiro calçamento, meu filho, já era. Agora tem esgoto e o cheiro é insuportável”, completou.
A falta de saneamento tem impactos diretos na saúde dos moradores. Maria Silva, que sofre com problemas respiratórios, desabafa: “Eu tenho problema de asma, uso três tipos de bombinhas. Com esse esgoto aqui, piora minha respiração”. Ela também critica a precariedade dos serviços de saúde disponíveis no bairro: “No posto não tem remédio, os exames nunca chegam. É tudo na análise”.
Ao chegarmos à frente da Unidade Básica de Saúde Santa Cecília, que fica localizada na Avenida Saneamento, uma das principais avenidas do bairro, foi possível observar os problemas que a moradora citou, como o esgoto a céu aberto e muita lama; além disso, observamos muito mato ao redor do espaço, em um nítido exemplo de descaso do poder público com os moradores.
Além dos problemas de saúde, a infraestrutura deficiente dificulta o transporte. É o que informa João Santos, outro morador que preferiu manter sua identidade preservada: “O transporte melhorou um pouco, mas agora não passa por aqui. Só carroça e bicicleta, e a gente tem que pisar na lama. Nos dias de chuva, a situação se agrava”, denuncia. A falta de saneamento básico, ruas mal pavimentadas e iluminação pública precária são alguns dos desafios diários da comunidade. Segundo o comerciante Alisson Santos, que trabalha há mais de 20 anos no local, “para passar na Avenida Saneamento o veículo ideal seria uma canoa”, ironiza.
Direito ao Saneamento
O direito ao saneamento básico e à infraestrutura adequada é essencial para a dignidade da população, conforme previsto no artigo 6° da Constituição Federal. No bairro Santa Cecília, em Socorro, essa realidade é negada. Para além disso, é possível observar atraso na execução da Lei Federal nº 14.026/2020, conhecida como o novo Marco Legal do Saneamento, que tem como principais metas atingir 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos até 2033.
No Plano Diretor do município de Nossa Senhora do Socorro, sancionado em 2015 pela Lei Municipal 1.118/2015, há um capítulo específico que aborda a questão do direito ao saneamento básico e infraestrutura. De acordo com o inciso I do capítulo 1, é dever do município a “garantia do direito à cidade sustentável, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, à acessibilidade e à mobilidade urbana, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Observa-se que o plano diretor, no bairro, nunca foi de fato executado, mesmo que recursos tenham sido direcionados para a localidade.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) define saneamento como serviços de abastecimento de água, manejo de águas pluviais e coleta e tratamento de esgoto. De acordo com os dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento, no Brasil, cerca de 83,6% da população tem acesso à água, mas apenas 53,2% dos brasileiros contam com coleta de esgoto.
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Ruas danificadas e obras inacabadas no Santa Cecília dificultam a mobilidade de ônibus e pedestres
Além disso, a gestão de resíduos sólidos e a drenagem urbana são desafios recorrentes. De acordo com o Diagnóstico de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais Urbanas do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 54,8% dos municípios brasileiros têm sistemas exclusivos para drenagem, uma realidade que foi observada no bairro Santa Cecília.
Doenças relacionadas à falta de saneamento, como a diarreia, são responsáveis por mais de 80% das enfermidades causadas por essas condições insalubres, de acordo com o Unicef e a OMS. No caso de crianças menores de cinco anos, a diarreia representa cerca de 40% das internações hospitalares em todo o mundo. O dado da OMS corrobora com os relatos dos moradores.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada real investido em saneamento básico, há uma economia de quatro reais em custos com saúde pública. A partir dessa premissa, pode-se perceber a importância de investimentos dos municípios em sistemas de saneamento adequados para a prevenção de doenças e a melhoria da qualidade de vida da população.
Recursos Destinados
Fizemos um levantamento nas bases de dados do portal da transparência da Prefeitura de Socorro acerca da situação do tratamento de esgoto e infraestrutura básica. No entanto, a pesquisa não trouxe nenhum resultado. Buscamos as Secretarias de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano e a Secretaria de Saúde e de Planejamento de Socorro, mas não obtivemos maiores detalhes sobre a situação atual dos sistemas de tratamento de esgoto, infraestrutura e drenagem de águas pluviais no município. Inclusive, as secretarias não permitiram registro de imagens, áudios e vídeos, tampouco forneceram documentos referentes ao tema da reportagem, mesmo após inúmeras solicitações.
A Secretaria de Planejamento nos informou que há projetos em andamento para melhorias nas ruas do bairro. Esta afirmação só pode ser comprovada pela placa que se encontra na Avenida Saneamento. De acordo com as informações da placa, a obra está orçada em R$ 15.772.304,44, os recursos são oriundos do governo federal e são destinados a obras na Avenida Boa Viagem, na Rua 173, no Loteamento Piabeta e na Avenida Saneamento. Toda obra é executada por uma empresa especializada e abrange os serviços de terraplanagem, pavimentação, drenagem, sinalização e outros serviços complementares.
Segundo o secretário de planejamento, Francisco Nascimento, parte desse montante, cerca de R$ 6.914.225,79, é especificamente alocado para o Santa Cecília. Questionada sobre a gestão dos recursos que constam na placa que foi colocada na Avenida Saneamento, a Secretaria de Planejamento informou que o controle e fiscalização dos gastos públicos são realizados por órgãos como o Tribunal de Contas e a Controladoria Geral da União (CGU), além do controle interno da prefeitura.
Contudo, a realidade que encontramos e que ouvimos dos moradores é outra. Percebemos que eles expressam ceticismo em relação a essas obras. O comerciante Alisson Santos questiona o andamento das melhorias: “Dizem que vão pavimentar, mas quando? Nós não vemos nada acontecer. Cada dia é mais lama e mais dificuldade”. As obras, inicialmente previstas para começar em outubro de 2023, com prazo de conclusão de um ano, tiveram seu início apenas em agosto de 2024 e já ultrapassam o prazo estipulado para a conclusão.
Possíveis Soluções
Para a professora Lina Carvalho, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe, a solução para o problema da falta de saneamento está, sobretudo, na participação ativa da população. “A mobilização dos moradores de forma individualizada é essencial na cobrança por melhores serviços de infraestrutura em nossa cidade”, destaca.
No dia 17 de maio de 2021, foi apresentada uma ação civil pública ao Ministério Público Estadual encaminhada pela Associação de Moradores do Bairro, solicitando a “efetivação de obras de pavimentação e drenagem pública a fim de garantir condições de trafegabilidade, segurança e drenagem nas referidas vias”. Fomos à sede da Associação para detalhar mais a situação, mas infelizmente encontramos o prédio de portões fechados. Também entramos em contato, mas não obtivemos nenhum retorno até a conclusão da reportagem.
Para além da participação da comunidade, a professora reforça que o poder público deve incluir a população nas discussões acerca das demandas de saneamento e urbanização; dessa maneira, as políticas públicas tendem a ter maior impacto. “Os projetos de urbanização devem ser desenvolvidos em parceria com os moradores, porque são eles os sujeitos sociotécnicos que conhecem as reais necessidades do local”, conclui Lina.
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