Esportes que driblam as dificuldades na Barra
- Josino Neto
- há 3 dias
- 8 min de leitura
Por: Eduarda Gomes, Josielly Amaro e Larissa Xavier
No Brasil, o esporte vai além do cenário competitivo: é uma forma de identidade, diversão, socialização e, claro, a busca de um sonho. Em um país que já revelou tantos atletas como Vinícius Jr, Gabriel Medina, Duda Lisboa, Rebeca Andrade e muitos outros, o sonho de se tornar uma grande figura esportiva corre nas veias de diversas crianças e adolescentes.
Mas para que se torne realidade, não é necessário apenas dedicação e disciplina, mas também estrutura adequada, investimentos e valorização. Em Sergipe, vários atletas locais dão orgulho para sua população com suas conquistas. No futebol, times como Confiança, Itabaiana, Lagarto e Sergipe também estão disputando seus campeonatos estaduais e nacionais, mobilizando torcedores.
No entanto, a Barra dos Coqueiros (SE) vive uma realidade muito diferente quando o assunto é esporte. No início de 2024, o Falcon Futebol Clube, time natural da Barra, anunciou a sua mudança para a capital Aracaju, alegando mais oportunidades, investimentos e estrutura. No mesmo ano, o time feminino do Barra F.C. desistiu de disputar o Campeonato Sergipano. O técnico do clube, Raimundo Martins, afirmou que a equipe não tinha recursos financeiros e nem estrutura para a preparação das atletas.
Mas, para além do futebol, esse cenário de negligência também se estende a outros esportes, como o surfe, a corrida e o barco à vela. Dessa maneira, é possível entender que a situação dos esportes no município é precária, mesmo com o alto valor destinado para reformas, construções e manutenção de espaços destinados para atividades físicas.
Conforme descrito na Lei Orçamentária Anual de 2024, mais de R$413 mil foram destinados para projetos esportivos, mas a aplicação dessa verba não é vista pela população. Ao pesquisar no site e nas redes sociais da Prefeitura Municipal, apenas são registrados eventos como o Verão Sergipe, oferecido pelo Governo do Estado, e a Corrida de Barcos, tradicional na cidade. De resto, pouco se é falado sobre lazer e esportes na Barra dos Coqueiros.
ESTRUTURA QUE DESESTRUTURA
“Nós temos uma quadra, a Capitão Juca, que já foi a principal do município. Na verdade, era a única coberta e o teto caiu já tem 4 anos ou mais do que isso”. A fala do vereador e presidente da Comissão de Esportes da Barra, Joacir Souza, mais conhecido como Zinho, simboliza a realidade dos locais destinados para as práticas esportivas. Quadras com estruturas prejudicadas e aparelhos danificados são comuns no município.
Para corridas, Antônio Gabriel, comenta que a Barra ainda não oferece uma boa estrutura para a prática da modalidade. Nesse caso, além da infraestrutura, a falta de respeito com os atletas também é um desafio. “Não aconteceu de eu ser atropelado, mas já aconteceu de parar o treino porque o carro passou na frente. Estava indo em uma velocidade e ele não respeitou. E se eu parava, me batia com o carro. Aí é melhor parar”, conta.
Situação das estruturas esportivas da Praça de Eventos Ana do Forró, reinaugurada em 2019 após reforma.
Fotos: Eduarda Gomes
A estrutura debilitada decorre também da falta de investimento do poder público. Ainda que o governo tenha destinado, em 2024, R$816 mil para construção, reforma e ampliação de quadras poliesportivas, esses esforços não são visíveis nem para atletas, nem para a população, pois novas estruturas esportivas não são construídas.
Um caso concreto de falta de investimento e apoio do município envolve a saída do Falcon F.C. da Barra. Segundo o presidente do clube, Marlei Feliciano, o principal motivo da mudança de sede para Aracaju foi a falta de apoio por parte da gestão. “Desde a criação do clube, sempre buscamos uma cidade parceira, onde pudéssemos crescer juntos. Identificamos isso na Barra, mas chegou um momento em que a continuidade do projeto se tornou inviável diante da ausência de apoio institucional”, enfatiza.
Além disso, Feliciano explica que a prefeitura prometeu um espaço que seria destinado para a construção do centro de treinamento da equipe, mas que não chegou a ser construído. “Nosso plano era investir em um equipamento que beneficiasse também a cidade, com projetos sociais e estrutura profissional. No entanto, o tempo passou e nada foi concretizado”.
De acordo com o diretor de esportes do município, William Neto, a Barra busca incentivar cada vez mais o cenário esportivo. “Antes de começar qualquer evento, a gente sempre chama os líderes para poder sentar, conversar, informar como é que vai ser o evento, quais vão ser as premiações, os dias e as datas”, destaca. Esses direcionamentos, segundo o diretor, são indispensáveis para a organização.
AINDA RESTA ESPERANÇA
Quando se fala em esporte na Barra, o principal evento é o Verão Sergipe, realizado pelo Governo do Estado nos meses de janeiro e fevereiro, quando a estação está no seu auge e a concentração de turistas é maior. Em 2025, a praia da Atalaia Nova recebeu o evento pela primeira vez e contou com modalidades esportivas como beachflag, vôlei de praia, futevôlei, skate street, mesabol e frescobol.
Apesar da existência do programa, o município desenvolve outros projetos esportivos que sobrevivem sem o apoio governamental. Um exemplo é o clube de futebol Spinea E.C., que é voltado para o futebol de base e profissional, feminino e masculino. Criado em 2018, o grupo realiza seletivas para acolher novos atletas que, em sua maioria, são da própria Barra dos Coqueiros.
Através do programa Gol de Placa, o projeto Gol Inclusão promove o esporte para jovens que estão dentro do espectro autista. Carlos Alberto, que também é diretor do programa, destaca que, além de promover práticas esportivas, gera benefícios para esses jovens. “A gente sabe que eles não aguentam mais de 30 minutos, mas é sempre bom fazer eles se exercitarem, além de ajudar a controlar a ansiedade”, realça.
O presidente do time, Carlos Alberto, destaca que a parceria com outros programas é essencial. “Neste ano [2025], com a ajuda do projeto Gol de Placa, a gente se alinhou para trazer materiais esportivos, principalmente chuteiras, já que a maioria dos atletas tem famílias que não conseguem comprar”, comenta. Assim, essa cooperação contribui para a continuidade e melhora do clube.
Outro projeto esportivo barra-coqueirense é o Onda do Bem. Há sete anos, dezenas de jovens se reúnem todos os sábados na Praia da Costa para surfar. Professor da modalidade, Yuri Freire, destaca que o programa é feito com amor, carinho e dedicação. Segundo ele, é considerado uma iniciativa privada, já que são os envolvidos que investem no projeto.
Um exemplo desse investimento são as pranchas. O professor enfatiza que a reciclagem do material essencial para a prática do surfe é muito comum. “As pranchas a gente tem, mas chega um tempo que recebemos muitas doações, e acaba tendo aquelas pranchas que ficam descartáveis, mas a gente recicla e acaba doando”, conta.
Nesse contexto, Yuri comenta a situação do local onde o projeto funciona. “Aqui é uma casa alugada que a gente disponibiliza para a galera guardar suas pranchas, seus materiais todo final de semana”. Ele avalia que ter o apoio do governo municipal seria fundamental tanto para o projeto quanto para os atletas que disputam competições regionais e nacionais. “Muito apoio e felicidade que todo mundo venha aqui ter uma prancha para surfar. Só isso.” É o que Robert, atleta, espera para o futuro do projeto.
Iniciativas esportivas comunitárias que resistem e apoiam esportes e praticantes na Barra dos Coqueiros.
Fotos: Eduarda Gomes, Josielly Amaro e Larissa Xavier
AS CONTAS NÃO FECHAM
Apesar dos relatos de falta de infraestrutura adequada, a Barra dos Coqueiros, em 2024, teve mais de R$ 2,6 milhões destinados para a Secretaria de Esporte e Lazer, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA). Mais de 53% da receita, que corresponde a pouco mais de R$ 1,4 milhão, foi destinada para a manutenção da própria secretaria, que abriga equipamentos de ginástica para o treinamento de atletas.
O documento também mostra o dinheiro destinado para dois projetos: Esporte Vivo e Segundo Tempo. O primeiro, criado em 2017, tem como objetivos consolidar o esporte como política de inclusão, acessibilidade, descentralização e multidisciplinaridade das ações esportivas. Para a manutenção do programa, foi destinado R$ 401 mil. Já o Segundo Tempo, projeto do Governo Federal que objetiva democratizar o acesso à prática e à cultura do esporte, recebeu apenas R$ 12 mil.
Nesse contexto, comparado com os repasses financeiros de outros municípios sergipanos, para manutenção de espaços poliesportivos, é evidente os altos valores da Barra, apesar de pouco se ver esses investimentos em determinados locais. A reportagem buscou o secretário de esportes da Barra, mas ele não respondeu até a finalização da matéria.
Arte: Josielly Amaro
Localizado às margens da rodovia SE-100, existe um investimento privado em esporte: o Centro de Desenvolvimento do Futebol, que é o maior destaque no município. Em 2021, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Sergipana de Futebol (FSF) firmaram um acordo para a compra de um terreno para a construção do Centro de Treinamento (CT).
Os recursos são oriundos de investimentos da FIFA para instalação de centros de incentivo ao futebol no Brasil. O valor não foi divulgado pelas partes. Segundo a Secretaria de Comunicação da Barra dos Coqueiros, a escolha do local teve como critério a grande expansão que a cidade vem apresentando nos últimos anos.
Em uma área de 26 mil m² com campo sintético, arquibancada, vestiários climatizados, alojamento e área administrativa, o CT da CBF, como é conhecido, não possui a autonomia de acesso da Secretaria de Esportes da Barra. Por ser um local privado, o acesso só é possível com autorização do vereador e presidente da FSF, Miltinho Dantas. Por isso, o uso do lugar é restrito para as equipes. Atualmente, apenas o time B do Confiança, que atua na Copa Governador do Estado, é autorizado a treinar no CT.
ALÉM DO APITO FINAL
Apesar dessas situações, o esporte abre espaço para ações que extrapolam o placar e fortalecem comunidades. Experiências bem-sucedidas em diferentes regiões, que vão de programas de iniciação esportiva a políticas públicas de inclusão, mostram que o investimento contínuo gera resultados duradouros. As soluções vêm tanto do poder público, que enxerga no esporte uma ferramenta estratégica de transformação social, quanto dos próprios projetos esportivos.
“Investir em esportes é investir no futuro da população" - Henrique Santos, diretor de esportes do Centro de Iniciação ao Esporte (CIE-Lagarto/SE)
Pensando em ações legais, o Governo Federal tem dois famosos projetos de fomento ao esporte: o Bolsa Atleta e a Lei de Incentivo ao Esporte. O primeiro, desde 2005, é um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo. Os beneficiados são atletas de alto desempenho que obtêm bons resultados em competições nacionais e internacionais de sua modalidade.
Assim, o programa garante condições mínimas para que se dediquem, com exclusividade, ao treinamento e a competições locais, sul-americanas, pan-americanas, mundiais, olímpicas e paralímpicas. Já o segundo, permite que recursos originários da renúncia fiscal sejam aplicados em projetos desportivos e paradesportivos distribuídos por todo o território nacional.
O diretor de esportes do Centro de Iniciação ao Esporte (CIE-Lagarto/SE), Henrique Santos, assegura que investir na área significa cuidar da saúde, educação e da qualidade de vida da população. Para ele, os benefícios ultrapassam o desempenho esportivo: o esporte constrói sonhos, ensina disciplina, respeito, resiliência fortalece a identidade da cidade, desperta o orgulho coletivo e ainda inclui quem, muitas vezes, fica à margem das oportunidades.
Ele explica que um bom começo, que não demanda tantos custos, é recuperar e valorizar os espaços já existentes, além de garantir acesso a equipamentos simples, como bolas e jogos de tabuleiro, capazes de engajar diferentes públicos. Mais do que atividade física, o esporte tem se mostrado uma ferramenta de inclusão e transformação social. “Investir em esportes é investir no futuro da população”, conclui o diretor.
Ouça a reportagem sonora "A tradição esportiva que resiste nas águas"
Veja o webstories "Atletas da Barra dos Coqueiros"

























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