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Desigualdade socioespacial impacta qualidade de vida da população socorrense

Atualizado: 29 de out.

Por: Maria Rafaela, Ruth Thayanne e Wilyane Braga

 

© RUTH THAYANNE / CONTEXTO


Dentro de um ônibus lotado, cada espaço é uma luta diária. As experiências desconfortáveis fazem parte da rotina de quem depende do transporte coletivo em Nossa Senhora do Socorro, município da Região Metropolitana de Aracaju (RMA). Ana Maria, nome fictício criado para proteger a integridade da entrevistada, relembra um episódio marcante quando um homem invadiu seu espaço pessoal, no ônibus, de maneira desrespeitosa. “Fiquei super constrangida, mas se eu não viesse naquele ônibus, demoraria mais meia hora para chegar em casa”, relata Ana, diante do desconforto e da insegurança causados por um sistema precarizado. 


A situação descrita revela um problema estrutural que afeta uma parte significativa da população local. Esse cenário vai além do desconforto físico e do constrangimento que Ana enfrentou, usuária da linha 302 (Conjunto Jardim), devido à superlotação. Ele também evidencia a precarização do sistema de transporte, com horários irregulares que dificultam ainda mais a vida dos passageiros. Para muitos socorrenses, essas experiências não são isoladas, elas se repetem diariamente, agravadas pela falta de alternativas viáveis ​​de deslocamento que possam oferecer conforto e dignidade.


Para entender essas questões, o professor do Observatório das Metrópoles, César Matos, explica que a desvalorização do transporte público no Brasil é um fenômeno histórico. Ele também destaca que essa situação é consequência da falta de investimento na RMA, especialmente em Socorro, onde as empresas oferecem serviços que deixam a desejar e a fiscalização é ineficaz. “As pessoas dependem desse transporte precário porque não têm condições financeiras para optar por outras formas de deslocamento”, afirma o professor. 


Embora não tenha sido possível estabelecer contato com o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Aracaju (Setransp) - pois até o fechamento da edição não nos deram retorno - consta no site da Setransp que atualmente 596 ônibus circulam pela RMA, que abrange Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão e Barra dos Coqueiros. Com mais de 230 mil passageiros atendidos diariamente, o sistema se apresenta sobrecarregado, gerando consequências como a superlotação, falhas no cumprimento dos horários e estado precário de conservação das frotas.


Os relatos dos moradores evidenciam a urgência de um sistema de transporte que atenda à demanda local, garantindo horários regulares, segurança e conforto. O bairro Guajará, por exemplo, localizado na Zona Norte de Socorro, enfrenta desafios significativos em relação à mobilidade urbana, além da falta de opções viáveis ​​de deslocamento, acentuando a frustração dos usuários. Para André Felipe, estudante e morador do Guajará, depender do transporte público é um desafio. "Quando chove, o ônibus não entra, tanto pra não atolar, quanto por não querer entrar. Aí temos que caminhar até a BR".


"Quando chove, o ônibus não entra, tanto pra não atolar, quanto por não querer entrar. Aí temos que caminhar até a BR”, conta André Felipe.

Pertencimento e Lazer


Sentir-se parte de uma localidade exige uma conexão com território, mas essa ligação pode ser enfraquecida quando as condições básicas dispostas para a população não são minimamente asseguradas. O crescimento desenfreado de Nossa Senhora do Socorro dificulta a vida dos habitantes diariamente, restringindo o acesso a serviços essenciais, como saneamento básico, acesso ao transporte público de qualidade, à água e energia elétrica.


Em contrapartida, resumir a vida das pessoas ao atendimento dessas necessidades básicas é desumanizador. Ao analisar o acesso ao lazer da população socorrense, a situação torna-se ainda mais sensível. A ausência de ferramentas públicas que garantam, de fato, esse direito torna tais locais inacessíveis. Josileide Santos, trabalhadora de serviços gerais e moradora do bairro Piabeta, relata que prefere ficar em casa a se deslocar para áreas de lazer, devido à dependência do transporte coletivo para chegar a esses lugares.


Maria Eduarda, estudante nascida na cidade e moradora do Novo Horizonte, afirma que a falta de espaços de lazer, como praças e parques para as crianças evidencia a incapacidade de garantir esse direito fundamental. Ela conta que essa carência já existia quando era criança e, aos 18 anos, ainda percebe a mesma realidade: "Essa falta continua até hoje. Na minha infância, brincávamos na rua, mas esses locais destinados à diversão não existem por aqui", afirma.


No entanto, Eduarda sente carinho pelo lugar que nasceu e foi criada, acompanhou o processo de mudança de invasão para loteamento. Apesar de reconhecer todas as necessidades que cercam o local nitidamente esquecido, a relação de vínculo com o seu local de origem é bem estabelecida e isso se dá pela sensação familiar que ainda é cultivada pelos moradores. “Brincar na rua, a galera sentar na porta, pra mim isso é uma qualidade, então não fico triste por ter crescido 17 anos da minha vida em Socorro. Inclusive gosto muito, defendo, e sei que precisa melhorar muita coisa”, conta a estudante.


© RUTH THAYANNE e WILYANE BRAGA / CONTEXTO

Fluxos urbanos nas proximidades do terminal do Marcos Freire, em Socorro


Acesso ao Básico 


Apesar das dificuldades mencionadas, Nossa Senhora do Socorro é uma cidade com custo de vida considerado baixo, se comparada com cidades como Aracaju. Essa característica pode ser vista como um ponto positivo para quem habita e para as pessoas que buscam por um local mais barato para viver. Entretanto, essa economia muitas vezes vem às custas do acesso a serviços básicos, resultando em um paradoxo: quanto menos infraestrutura e serviços disponíveis, menor é o custo de vida.


Normalmente, essas áreas enfrentam desafios significativos, como  pontos de ônibus distantes das residências, pouca iluminação, interrupções frequentes no fornecimento de água e esgoto a céu aberto. José Alexsandro, designer gráfico e ex-morador do Novo Horizonte, demonstra sua insatisfação. “O fato do aluguel sair tão barato e o custo de vida sair tão baixo não justifica a falta de saneamento básico, de uma instituição de ensino de qualidade, a falta de água e tantas outras dificuldades diárias”.


A ausência de serviços e espaços de qualidade faz com que algumas pessoas se rendam a morar nesses locais mesmo diante das dificuldades. Com isso, são cerceadas de direitos fundamentais para todos os cidadãos, como explica o professor de Geografia da Universidade Federal de Sergipe, Antônio Carlos Campos: “Todos nós temos direito de usar a cidade, a existir na cidade, mas quando a gente não tem oferta de serviços somos tolhidos dos nossos direitos”. 


Debilidade Socioespacial


Morar é um dos direitos básicos assegurados pela Constituição Federal de 1988, mas, em Sergipe, esse direito é recorrentemente negado frente ao descaso do poder público, do avanço da iniciativa privada por meio da especulação imobiliária e, consequentemente, da segregação espacial que esse conjunto de fatores causa a população local. 


O crescimento desenfreado e não planejado da região metropolitana sergipana tem resultado em uma deterioração da qualidade de vida das pessoas que são jogadas para as bordas dos territórios e subjugadas sob a lógica de um único modal de transporte possível para se locomover. “[O transporte coletivo] já chegou a demorar por horas, principalmente no final de semana; no Albano as linhas da semana e dos fins de semana são diferentes”, relata a estudante Vivian Evelyn.


Pensar a cidade e o seu processo de urbanização é compreender quem fará parte dessa cidade e os fluxos que devem existir, de modo que não haja cerceamento de direitos e acessos aos espaços urbanos. Entretanto, em Socorro, a urbanização se dá de maneira desigual, a presença de imóveis vazios dentro da cidade conflita com o crescimento da população que não possui moradia na mesma proporção, gerando marginalização no morar. 


As periferias no município apresentam um crescimento muito maior do que as áreas centrais, de modo que as pessoas que não possuem as condições necessárias de acessar determinados ambientes acabam, assim, confinadas. A segregação espacial dos mais pobres e a auto segregação dos mais ricos formam, cada vez mais, espaços elitizados para uso privativo.


© RUTH THAYANNE e WILYANE BRAGA / CONTEXTO

Movimentação de passageiros e ônibus no Terminal do Marcos Freire, em Socorro


“Se você cria condições para que a cidade seja planejada e ordenado o território, você cria normas e essas normas têm que ser atendidas. Agora, quando você não cria essas normas, os donos da terra, donos do capital, vão fazer o que eles querem para obter o lucro em detrimento da população que não tem ou que tem pouca condição de vida”, finaliza o professor Antônio Carlos Campos.


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