Mais Contexto entrevista o psicólogo Alexander Jabert sobre o Transtorno de Personalidade Evitativa
Os transtornos de personalidade são caracterizados por padrões de comportamentos e pensamentos “exagerados” e difíceis de perceber. No geral, os sintomas são tratados como “normais” pelas pessoas que o vivenciam, não é diferente com o Transtorno de Personalidade Evitativa (TPE). De maneira geral, esse transtorno tem como característica o isolamento e o medo e rejeição a situações sociais.
Diante do pouco conhecimento e reconhecimento do TPE, a Revista Contexto entrevistou o professor de Psicopatologia na Universidade Federal de Sergipe, Alexander Jabert. Ele é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e tem mestrado e doutorado em História da Psiquiatria e História da Loucura no Brasil.
Sobre o TPE, assim como os outros transtornos de personalidade, ele não concorda com a patologização desses comportamentos tidos como “excêntricos”.
Vamos à entrevista.
Revista Mais Contexto - De acordo com o seu conhecimento em Psicopatologia, qual a sua concepção em relação ao Transtorno de Personalidade Evitativa?
Alexander Jabert - Eu tenho um certo problema quanto aos transtornos de personalidade porque você tem o TPE, ele tem características do que seria um transtorno de Fobia Social, no qual você tem o prejuízo social ou profissional significativo por existir a dificuldade de ser avaliado socialmente ou passar por situações sociais.
Quando eu ainda estava na graduação, um aluno foi nos procurar no núcleo de atendimento de psicologia porque toda vez que ele precisava ir na universidade apresentar um trabalho ou fazer uma prova, ele chegava na porta da universidade e ia embora, ele não conseguia entrar. Então aí existe um prejuízo significativo por essa incapacidade do sujeito de conviver socialmente, porque se ele não consegue ir, ele vai acabar reprovado na faculdade.
Já os transtornos de personalidade parecem serem criados no sentido de “ele não tem tanto problema assim, só é um pouco excêntrico, então vou criar uma categoria porque não é fobia social que ele tem, é mais leve”. Eu não vejo problema de uma pessoa ser tímida, ser antissocial, como não vejo problema de uma pessoa ter pequenas manias obsessivas.
RMC - Quais são os critérios para o diagnóstico do TPE?
AJ - Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), existem 7 critérios: a pessoa evita atividades profissionais que envolvam contato interpessoal por medo de rejeição; não se envolve com pessoas, exceto se tiver certeza que será bem recebido; ela se mostra reservada nos seus relacionamentos íntimos por medo de passar vergonha; se preocupa com rejeição em situações sociais; evita situações interpessoais novas; se vê como socialmente incapaz ou inferior; reluta de forma incomum em assumir riscos pessoais ou se envolver em novas atividades.
Ela é diagnosticada com o transtorno de personalidade sem estar tendo prejuízo ou sofrendo. Por isso eu acho que não é um critério apropriado para patologizar.
RMC - Como se identifica o transtorno para, por fim, ter-se um diagnóstico?
AJ - A pessoa precisa cumprir pelo menos 4 ou mais desses critérios definidos no DSM-5, daí você terá o diagnóstico. Porém, se a pessoa apresentar três critérios, por exemplo, ela não se envolve com pessoas se não tiver certeza que será recebida de forma positiva, é reservada com os relacionamentos por medo de passar vergonha e tem medo da rejeição em situações sociais aí ela não é diagnosticada com o transtorno, mas se for observado mais um, ela tem o diagnóstico.
RC - Pode ser identificado logo na infância?
AJ - Normalmente esse comportamento se inicia na infância, segundo o DSM-5. A timidez, o isolamento, medo de estranhos e novas situações… Embora a timidez na infância seja um precursor comum do TPE, na maior parte dos indivíduos, ela costuma desaparecer lentamente ao passar dos anos. No entanto, os indivíduos que desenvolvem o TPE podem ficar ainda mais tímidos e evitativos na adolescência e no início da vida adulta.
O diagnóstico deve ser feito com cautela em crianças e adolescentes porque neles a timidez e evitação pode ser comum no desenvolvimento. Ou seja, tem os critérios, mas cuidado com a forma que você vai usar.
RMC - Como é possível diferenciar o TPE da personalidade e da forma de viver comum da pessoa?
AJ - Não tem como você fazer isso. Se no critério não fala que a pessoa precisa sofrer para ter o diagnóstico…
Tem relatos de caso no DSM-5, eles são retirados de artigos científicos dos Estados Unidos, casos clínicos. Tem o caso de Matilda Herbert, uma mulher de 23 anos que foi encaminhada a uma consulta psiquiátrica para ajudá-la a “deixar de ser um bicho do mato”. Ela tinha se mudado recentemente para uma nova cidade para estudar e dividia um apartamento com uma prima mais velha, psioterapeuta, que achava que ela deveria “sair mais e aproveitar a juventude”. É outra pessoa que tá falando pra ela como ela deveria viver. Se é uma pessoa que leva um estilo de vida que ela acha apropriado e não causa nenhum tipo de prejuízo para ela, mas que outra pessoa julga como inapropriado. Aí eu não acho apropriado chamar essa pessoa de doente.
RMC - Existem poucos relatos sobre o TPE. Porque esse transtorno é pouco conhecido?
AJ - Eu acredito que, como você fica nessa margem muito grande dos transtornos de personalidade, você não ter critérios muito rigorosos para o diagnóstico, isso acaba se reproduzindo na questão de você ter poucos relatos de caso. Existem vários artigos falando sobre o TPE, mas relatos de caso eu só achei um, dois… Então fica difícil você ter um número grande de casos porque as pessoas também não vão procurar tratamento por não sentirem ser um problema para elas. A pessoas podem ter estilos de vida exóticos ou esquisitos, mas se não apresenta prejuízo, ela não vão procurar tratamento.
RMC - Como é feito o diagnóstico do TPE?
AJ - Se a pessoa se sentir incomodada a ponto de procurar um tratamento, existem várias fontes e tipos de tratamento diferentes. Podem ser utilizados a psicoterapia, a terapia cognitivo-comportamental, Ansiolíticos e antidepressivos. A psicologia tem ferramentas diferentes para lidar com essa incapacidade que o indivíduo em questão está passando. O ponto é criar estratégias para que o problema de “tenho medo desse contato social” seja controlado ou para que a pessoa entenda o que está produzindo essa insegurança.
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