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Insegurança alimentar: Contra fome, brasileiros catam ossos e reviram lixo em busca de comida

Por Fernanda Souto, Larissa Barros e Wesley Gonçalves


Famílias reviram caçamba de lixo em busca de sobras de alimentos- Reprodução/ TikTok
“O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem”, assim o escritor Manoel Bandeira descreve as pessoas em situação de insegurança alimentar, em seu poema “O Bicho”, de 1947.

Apesar de ser uma obra antiga, as palavras do poeta retratam de forma fidedigna a realidade do Brasil atualmente. No país, cerca de 41% da população convive com fome ou algum grau desta situação crítica, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em agosto deste ano.


Pode parecer distópico, mas o que Manoel Bandeira falou no passado, sobre pessoas comerem sem sequer examinar o “alimento” em meio à imundície, é mais comum do que se pensa no Brasil. Isso foi escancarado após noticiários estamparem fotos de moradores de Fortaleza catando restos de comida em um caminhão de lixo. Além deste, também houve outro caso que gerou grande polêmica no país, quando moradores de Cuiabá se aglomeraram em frente a um açougue para receber ossos de carne para matar a fome.


Em buscas de sobras, esses grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar viralizaram nas redes sociais e chocaram internautas ao vivenciarem cenas consideradas desumanas, que mostram a necessidade de sobrevivência se tornando maior que o orgulho. A angústia de encontrar a geladeira vazia está mais presente nas casas de famílias das regiões Norte e Nordeste do país, onde a “escassez de alimentos” afeta principalmente a população da Zona Rural.


Ainda segundo o levantamento do IBGE, o Nordeste é a região que possui a maior frequência de insegurança alimentar, se destacando entre as outras do país. São cerca de 73,1% dos nordestinos vivendo com algum grau de fome. A pandemia, somada à alta da inflação, dos combustíveis e a escassez hídrica acentuaram o número de famílias passando por algum grau de insegurança alimentar.


As crianças, consideradas o futuro do Brasil, começam a presenciar desde cedo o abismo social causado pela fome presente na sociedade brasileira. A estimativa apontada por uma pesquisa da Fundação Abrinq, com dados da Pnad/Covid, do IBGE, é que cerca de 18,8 milhões de meninos e meninas de até 14 anos passarão fome no país.


Casos de crianças desmaiando de fome ou pedindo alimentos dentro de escolas da rede municipal e estadual do país não são mais isolados, e acontecem em diferentes estados. Eles refletem a realidade atual de famílias carentes que não possuem renda para comprar alimentos básicos como arroz e feijão por causa da inflação. No Rio de Janeiro, uma criança de oito anos desmaiou antes mesmo de conseguir implorar por comida, dentro de uma unidade de ensino.


E o que pensam os ocupantes do poder, aqueles que detém nas mãos as possibilidades de criar políticas públicas visando encontrar uma solução para este problema? O pensamento de alguns deles é reprovável. Por exemplo: em 2017, João Dória (PSDB), à época, prefeito do município de São Paulo e atualmente governador do Estado, sugeriu a adoção da farinata, uma espécie de farinha composta por alimentos próximos de sua data de validade ou que não seguem os padrões de comercialização, como principal pilar de um programa municipal de alimentação. Não por menos, o composto ficou conhecido como ração humana. O prefeito afirmou que o produto seria incluído na merenda das crianças em escolas e creches públicas e nas refeições dos centros de acolhida de moradores em situação de rua.


Mesmo que essa farinha fosse utilizada no complemento de uma base alimentar, não substituindo as refeições completamente, apenas o fato de oferecer um produto que seja chamado de ração, no mínimo, retrocede em três, quatro décadas o pensamento acerca do aspecto humano da alimentação. Não nos esqueçamos do questionável valor nutricional do composto. O Conselho Regional de Nutrição se manifestou contrário à proposta. O projeto não vingou.


Mas não para por aí... Em Junho deste ano, sim, em 2021, o ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, afirmou que o governo federal estudaria maneiras de destinar sobras de alimento das famílias brasileiras aos programas sociais, aqueles que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade. "Você vê um prato de um [cidadão] classe média europeu, que já enfrentou duas guerras mundiais, são pratos relativamente pequenos. E os nossos aqui, fazemos almoços onde às vezes há uma sobra enorme. E isso vai até o final, que é a refeição da classe média alta. Até lá, há excessos", declarou Guedes.


Ou seja, o que sobra do consumo de quem ostenta condições, poderia ser destinado às pessoas que se encontram vulneráveis. Além do pensamento retrógrado, ficam algumas questões. Haveria mesmo condição de realizar esse tipo de distribuição? Lembrando que os alimentos em questão são perecíveis e estariam preparados. E quem controlaria a qualidade do que seria distribuído? A possibilidade dessa pauta voltar a discussão em breve existe, haja vista o comportamento da liderança do executivo nacional.


O debate sobre esse tema tende a ficar ainda mais nebuloso nos próximos meses no campo da política partidária. Está chegando o ano da eleição presidencial e o que se vê são projetos cada vez mais eleitoreiros. No debate público, a criação de um auxílio que surge sem ao menos informar qual a fonte de dinheiro para sustentá-lo. Isso tudo pouco tempo depois de acabar com o Bolsa Família, renomado programa de assistência às classes mais pobres. Possíveis soluções eficazes e com duração perene estão longe de ser propostas


Agnaldo Rezende - entrevistaJoyce e Katiane
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