Para além da criminalização e da religião, os desafios enfrentados na área da saúde são cada vez mais latentes
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O discurso pró-aborto tem ganhado força com o passar do tempo. Mulheres ao redor do mundo têm ido às ruas para exigir aborto livre e seguro. Em contrapartida, com o início de novos governos, o aspecto religioso e a fala de grupos pró-vida também tem demonstrado grande crescimento.
O cenário político no Brasil é cada vez mais desagradável para aqueles que defendem o direito de escolha da mulher, e mais satisfatório para os pró-vida, que são estritamente contra a interrupção da gravidez. No governo Bolsonaro, quem fica à frente de questões relacionadas ao direito das mulheres é a advogada Damares Alves, que ocupa o cargo de ministra no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Damares é conhecida por fazer declarações polêmicas e conservadoras sobre os mais diversos assuntos, sendo declaradamente contra a legalização do aborto. A ministra se posicionou sobre o assunto em ida ao Parlamento argentino no final de maio, onde declarou que “este governo [governo Bolsonaro] defende a vida desde a concepção. (...) A minha história é conhecida, a minha posição pró-vida é conhecida".
Problemas evidenciados
O debate sobre o aborto é tema corrente em todas as esferas da sociedade e pauta do movimento feminista desde os primórdios, além de abrir espaço para outras questões polêmicas e discutíveis, entre elas a falta de representatividade feminina na política brasileira. As mulheres ocupam hoje apenas 15% das cadeiras da Câmara dos Deputados, em um espaço de sub-representação em decisões parlamentares.
Em 2017, por exemplo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181, conhecida como 'Cavalo de Tróia' que a princípio seria usada em benefício das mães de bebês prematuros, acabou por se tornar brecha para proibir o aborto. Apesar de afetar majoritariamente a vida de mulheres, a PEC foi votada por 18 homens que se manifestaram a favor, e teve apenas um voto contra, justamente da única mulher da comissão.
O que dizem os índices
Mesmo criminalizado em alguns casos, o aborto existe e os números são alarmantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o aborto clandestino mata uma mulher a cada dois dias no Brasil. Um censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015 mostra que só nesse ano cerca de 500 mil mulheres abortaram no país, uma a cada minuto, sendo 60% delas adolescentes. E a Pesquisa Nacional de Aborto revela que, em 2016, uma em cada cinco mulheres realizará um aborto ao longo de sua vida.
Uma questão de saúde pública
Está claro que a criminalização não impede ou diminui o número de abortamentos no Brasil, e, ao realizarem esse procedimento de forma clandestina, muitas mulheres acabam por chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tratar as consequências. “Quem tem mais condições financeiras, faz o aborto em clínicas particulares sem que ninguém seja preso. E quem não tem dinheiro recorre a quem, onde e de que forma?”, questiona a psicóloga Anita Linhares.
Ao cometer aborto ilegal, a mulher está sujeita a contrair uma doença sexualmente transmissível, hemorragia e perda de órgãos internos. Cuidar dessas mulheres custa caro. Só em 2015 estima-se que o SUS gastou pouco mais de 40 milhões de reais em procedimentos de curetagem ou Aspiração manual intrauterina (Amiu), segundo matéria publicada no portal Uol, com base em dados divulgados pela plataforma de checagem Aos Fatos. Para pesquisadores, esse dinheiro poderia ser poupado se, de antemão, existisse no país uma forma legal e segura para a realização do aborto.
As esferas sociais
O aborto se revela também como problema de cunho sócio-racial. “Uma gravidez indesejada não é problema somente da família, e sim de toda a sociedade”, afirma a assistente social Isabel Barreto. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea), entre as mulheres negras, de baixa renda e com baixo grau de escolarização, o ato costuma ocorrer duas vezes mais. As mortes também acontecem mais facilmente com mulheres de camadas mais pobres, já que as demais têm acesso mais fácil a uma das clínicas clandestinas espalhadas pelo país.
A legalização
Quando se fala em legalização do aborto são vários os embates morais, legais e éticos. Segundo a legislação, uma mulher que induz o ato pode ficar detida de um a três anos.
As pesquisas apontam que nos países onde o aborto é legalizado o número de pessoas que realizam esse procedimento diminuiu consideravelmente em consequência do acompanhamento médico, psicológico e de planejamento familiar que as mulheres recebem ao cogitar a hipótese da interrupção.
Um dos argumentos mais utilizados pelo grupo pró-vida é a ideia de que, se legalizado, o aborto se tornará um método contraceptivo como qualquer outro, embora não haja prova nem meio de evidenciar essa afirmação. Na mesma perspectiva, a psicóloga Anita Linhares afirma que “a chave do incentivo, na saúde, deve ser ainda a prevenção”.
Produção da disciplina Oficina de Textos Jornalísticos - 2019.1
Texto final: Fernanda Souza Dantas
Entrevistas e Fotos: Isabela Victória Alves, Laura Malaquias, Malu Nogueira e Tatiane Macena
Orientação - Professor Daniel Brandi
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