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Canalização ameaça águas internas em Aracaju

Braço do Rio Tramandaí, o “Canal da 13”, é exemplo mais conhecido: décadas de descaso provocam enchentes e alagamentos ao menor sinal de chuva

Por: Abigail Vieira, Iana Marcelly, Mylena Duarte, Sofia Gunes e Vinícius Aciole 

Historicamente, as cidades nascem às margens da água, mas quando se expandem precisam sacrificar parte desse elemento vital. Com a urbanização crescente é preciso limitar os caminhos dos rios que cortam essas cidades. Em alguns lugares eles são soterrados vivos; em outros, encapsulados em canais semiabertos. Atravessada pelos rios Sergipe e Poxim, Aracaju ergueu suas bases sob grandes áreas de mangue, vegetação típica de regiões alagadiças. Ao longo dos anos, assim como em outras capitais, a exemplo de Belo Horizonte (MG) e São Paulo, a gestão municipal  priorizou transformar os afluentes dos rios aos canais. 

 

A canalização de rios foi uma das soluções encontradas para ampliar o espaço urbano das cidades. No projeto desenvolvido na capital mineira, por exemplo, esses canais também foram projetados como um meio de evitar enchentes provocadas pelas chuvas. Com o passar do tempo e o aumento de construções ao redor, que começaram a despejar outros líquidos nos canais, eles deixaram de ser  solução e se tornaram um problema com impactos reais na vida da população. 

 

Na capital sergipana, um projeto nos bairros da antiga Zona de Expansão, que faz parte do programa “Aracaju cidade do Futuro”, tem como objetivo conectar 19 canais em um longo e único canal. Nessa região existem lagoas que fazem parte do ecossistema local e fornecem sustento para pescadores artesanais. Sob o argumento de melhorar a rede de esgoto e evitar os alagamentos, o empreendimento começou a soterrar e canalizar essas lagoas, ampliando os impactos negativos no meio ambiente.

A situação é encarada por especialistas como mais uma tentativa da gestão municipal de replicar o projeto de aprisionamento dos rios, com a instalação de um canal semelhante ao instalado no bairro 13 de Julho. Com quase 2 km de extensão, a área é frequentemente associada ao mau cheiro e se tornou conhecida pela quantidade de enchentes e alagamentos em períodos chuvosos.

 

Mas nem sempre foi assim: quem passava pelo local antes da canalização podia observar as águas calmas do Tramandaí, um afluente que desaguava no estuário do Rio Sergipe. Ainda assim, apesar dos alertas sobre os impactos dos canais, a prefeitura de Aracaju avança para implementar equipamentos dessa natureza em outros pontos da cidade.

Com o objetivo de destrinchar os problemas da domesticação dos rios, levados adiante através da canalização, +Contexto traça nesta reportagem um percurso histórico do bairro 13 de Julho e sua relação com o rio e o canal, identificando os impactos sociais, ambientais e econômicos.

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Foto: Iana Marcelly

Próximo ao Iate Clube, moradores homenageiam a história da antiga Praia Formosa

Memórias do 13 de Julho

Carlos Augusto, 75, é gerente de eventos do Iate Clube de Aracaju, local onde trabalha há mais de 50 anos, mora no 13 de Julho desde criança e conta com saudades algumas das muitas memórias que tem do bairro e das suas águas, quando estas ainda eram limpas e podiam ser desfrutadas. “Aqui era um bairrozinho que não era muito ativo, sabe? Dia de domingo o pessoal se concentrava; eu, minhas irmãs, meus irmãos, todo mundo da ‘13’ ia tudo pra lá, quase uma prainha particular. A gente ia pescar ali, pegar Siri, tinha tudo”.

As lembranças de quem viu cada prédio do 13 de julho “nascer”

O bairro 13 de Julho, hoje é associado a riqueza e poder aquisitivo, se chamava Praia Formosa, pois era nele que as águas do Rio Sergipe começavam a dar lugar à água salgada do mar. Naquela época,  o local ainda não era cheio de casas e prédios como nos dias atuais. Segundo o historiador Amâncio Cardoso, professor vinculado ao Instituto Federal de Sergipe e pesquisador da história de Sergipe e patrimônio cultural do estado, o local era uma espécie de arrabalde – muito afastado da cidade – e representava o fim da área urbana da capital. Havia apenas algumas casas de veraneio e pequenos casebres de palha habitados por pescadores, que viviam do sustento que o Rio Sergipe lhes trazia. 


Infelizmente, as gerações mais novas não vão poder aproveitar a Praia Formosa como Carlos desfrutou em sua infância. Hoje já não existe mais a prainha nem pescadores, muito menos a água limpa que ele um dia se banhou. O rio virou canal, o canal virou esgoto e da Praia Formosa restou apenas a saudade. Com a construção e desenvolvimento desordenado do bairro sobre terras alagadiças, as águas – principal fonte de sustento dos pescadores – foram aterradas e o seu local de lazer favorito se transformou em concreto.

O rio virou canal, o canal virou esgoto e da Praia Formosa restou apenas a saudade. 

Esse “desaparecimento” não aconteceu por acaso. Inicialmente, Aracaju foi projetada pelo engenheiro Sebastião Basílio Pirro para se parecer com um tabuleiro de xadrez, com ruas e quarteirões simétricos, mas na década de 1950 passou por um crescente movimento de urbanização que levou as ruas para mais perto da costa, e pouco a pouco foi transformando os livres braços do rio em concreto.

 

Foi nesse período que o Iate Clube, frequentado pela elite aracajuana, chegou ao local, trazendo a atenção dessa parte da sociedade para uma área, até então invisível. Com a chegada do empreendimento, avenidas foram criadas, facilitando o acesso à região e colaborando para o processo de urbanização, intensificado com o crescimento populacional, já que as pessoas passaram a buscar moradias  mais próximas do centro.

 

“Depois foram surgindo os prédios, foi crescendo e aí fizeram o canal que sai no rio. Tudo é esgoto ali hoje. Até a praia mesmo, todo mundo deixou de ir”, disse Carlos Augusto. Ele pontua que o impacto da poluição foi ainda maior pela influência da maré naquela localidade, que não possui um fluxo corrente. “Teve que parar [de ir à praia] por causa da poluição, que foi crescendo, foi abrindo esses esgotos aí e ficou poluído. Na Atalaia não tem muito isso porque é uma água corrente, mas aqui a água fica ‘presa’ porque a maré enche e seca”, finalizou.

 

Quem anda pelo bairro 13 de Julho pode observar três coisas: o mau cheiro que exala do canal, a presença de muitas lojas e outros tantos prédios residenciais. Moradores antigos ainda lembram do tempo em que o bairro era rodeado de casas que, aos poucos, foram tomadas por prédios. As lembranças do canal do Rio Sergipe, porém, permanecem inalteradas.

 

“Vamos dizer assim, não tinha esse glamour todo que os prédios hoje têm lá, né? Então era uma 13 que você via mais famílias, mas tinha predominância de casas, a molecada que nem eu, na época, brincava muito na rua. Ela era mais “rueira” e era uma 13 que já tinha o canal”, conta João Guilherme Filho, 39, designer gráfico, morador do bairro desde pequeno. 

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Foto: Arquivo pessoal de Carlos Augusto Prejuízo

O Iate Clube de Aracaju, desde a década de 1950, promove eventos que movimentam várias pessoas na região do 13 de Julho.

O designer relembra como era o bairro na sua infância no final da década de 1980. Algumas construções conhecidas, como o calçadão da Praia Formosa, usado por muitos para caminhadas, faziam parte da faixa de areia. Poucos prédios, com muitas casas enfileiradas e poucos comércios abertos. Mais à frente, onde o canal já podia ser visto, a orla era conhecida como um parque para as crianças do bairro. Quando a  maré estava baixa, o espaço se transformava em um pequeno campo para os famosos ‘babas’ (partidas recreativas de futebol), conta João Guilherme. 
“Quando a maré baixava a faixa de areia ficava mais larga, então ali era o nosso parque. E sempre chamavam: “vamos brincar na maré". Eu era o mais novo da turma, então ficava olhando meus irmãos. E a gente jogava bola demais, demais. Sempre teve o “baba da turma da 13”, na areia da maré, ali, bem em frente ao canal”,
relembra em tom de saudade.
 

 Apesar de morar no mesmo local há mais de 30 anos, atualmente as vivências de João Guilherme no bairro 13 de Julho são completamente diferentes.

Canalização: uma solução ou problema?

A canalização de rios consiste na retificação de um rio natural. Na prática, trata-se da mudança do seu curso por meio da construção de canais artificiais e geralmente impermeáveis. Eles são projetados para controlar o fluxo das águas dos rios e das chuvas visando, principalmente, solucionar o problema das enchentes - isso porque, em tese, o rio não transbordaria se seguisse um fluxo pré-estabelecido.  Historicamente, o aprisionamento dessas águas também foi visto como sinônimo de progresso. A canalização foi realizada visando um avanço urbanístico, o que contribuiu com uma maior ocupação imobiliária e a construção de mais estradas para melhorar a mobilidade urbana. 

Além disso, segundo o artigo “Rios urbanos e a política de canalização”, escrito por Beatriz Fagundes, doutora em geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), a “cultura de canalização de rios” se instalou no Brasil a partir do século XX, especialmente entre os políticos, que não viam os rios e córregos como parte da cidade. Para eles, a conservação das águas de uma forma que “incomodassem” o desenvolvimento urbano era desvantajoso.  

No entanto, apesar de ter sido colocada como uma solução, a canalização gera vários impactos ambientais, sociais e econômicos que são sentidos a curto e longo prazo e já começam na primeira etapa da obra. Durante a preparação do terreno para escavação é necessária a retirada de possíveis construções que estão ao redor, a exemplo de populações ribeirinhas e das matas ciliares (responsáveis por proteger os rios, córregos e lagoas dos materiais sólidos e poluentes). Com a retificação do rio e instalação de paredes impermeáveis, ocorre o aumento da velocidade da água e consequentemente da sua força de destruição. A canalização também contribui para a ocupação de áreas propensas a inundações, o que gera grandes problemas para a população.

Em Aracaju, segundo a Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), existem 98 canais tratados pela empresa nas zonas Norte e Sul da capital sergipana - o órgão divide os empreendimentos em três tipos: natural, revestido e coberto. No levantamento enviado à reportagem, a Emsurb ainda incluiu a existência de valas e lagoas e informou existirem outros canais que não estão sob sua responsabilidade. Do total mencionado, apenas 56 foram identificados durante um mapeamento realizado pelo +Contexto através do Google Earth. 

Para a ativista e consultora socioambiental Karina Drummond, o principal problema da existência de canais de drenagem, como o do 13 de Julho, está no despejo de esgoto. Além de contaminar a água anteriormente limpa e própria para uso, o derramamento também contribui para as enchentes, uma vez que, com o acúmulo de dejetos no canal, há risco de transbordamentos.

O novo Marco Legal do Saneamento, sancionado em 2020, obriga que toda residência  esteja conectada  à rede pública de esgotamento disponível. Se assim não for feito, a lei concede o prazo de um ano para que elas se adequem à regra - em caso contrário, entidades responsáveis pelas políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos, a exemplo da Companhia de Saneamento Básico de Sergipe (Deso) e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA), ficam autorizadas a implementar “soluções individuais de afastamento e destinação de esgotos sanitários”.

Formalmente, o sistema de esgotamento sanitário de Aracaju segue outras cidades do país ao optar pelo modelo “separador absoluto”, onde há a divisão entre as águas provindas da chuva das águas residenciais. Esse modelo promete, na teoria, garantir que em períodos chuvosos não haja sobrecarga do sistema de esgotos sanitários.

Na prática, porém, a capital sergipana acaba por seguir o modelo combinado, onde a rede de coleta transporta os resíduos das águas residenciais somados aos dejetos das águas das chuvas e, no final, ambos são lançados juntos nos canais. É o que aponta Joyce Soares, engenheira civil formada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 

“Vários fatores são responsáveis por essa ineficiência do sistema separador absoluto na ‘13’ [de Julho]. Mas os principais são a falta de fiscalização, combinada com a falta de conscientização e educação das pessoas. É comum uma pessoa fazer a ligação da rede pluvial na rede de esgoto, seja por desconhecimento ou até mesmo de propósito”, afirmou a engenheira, ressaltando a existência da cultura do “poluidor pagador” - que prefere cometer irregularidade e pagar uma multa ao invés de seguir as regras, por exemplo. 

No bairro 13 de Julho, o despejo de esgoto no canal era uma prática recorrente. “Todo mundo que é de lá sabia que o esgoto do bairro ia todo para o canal ou para o rio”, conta João Guilherme, morador do bairro. Mas com as recentes obras do Calçadão da Praia Formosa e fiscalizações da Deso e da SEMA, as “bocas” por onde saíam os dejetos foram fechadas e os imóveis passaram a integrar a rede central de esgoto.

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Barreiras de contenção são posicionadas para tentar reter parte dos dejetos sólidos presentes na água que será despejada no Rio Sergipe

Foto: Mylena Duarte

De acordo com a Deso, o bairro estava com toda a sua rede de esgoto interligada até uma estação de tratamento de esgoto (ETE). Mas, segundo o  promotor ambiental do Ministério Público de Sergipe, Eduardo Matos, ainda existem ligações irregulares conectadas ao canal. 

Uma fiscalização no canal do 13 de Julho chegou a ser realizada pela Deso e resultou na identificação de saídas de esgoto que não integravam a rede central. Em 2019, o MP, em conjunto com a procuradora do Ministério Público Federal Lívia Tinôco, recomendou que a companhia regularizasse a situação em quinze dias. 

“[Na recomendação, pontuamos que] se não interligar, que fechassem [as saídas de esgoto]. Mas eles [entidades fiscalizadoras] ficaram com medo da confusão [que poderia causar]”, disse o promotor. 

+Contexto procurou a Deso por diversas ocasiões para verificar a informação apresentada acima. Inicialmente, a assessoria de imprensa da companhia encaminhou à reportagem o telefone de um possível responsável pelo esgotamento sanitário no bairro. Nós enviamos os questionamentos, mas não obtivemos retorno até o momento. O espaço segue aberto. 

Com a poluição do rio canalizado, diversas pessoas que necessitam da água direta ou indiretamente, seja para trabalho ou lazer, passam a mudar suas rotinas e até profissões que faziam parte do seu ser, como os pescadores. Para a ambientalista Karina Drummond, o despejo de dejetos também impacta a produção de conhecimento sobre as águas e seus animais, especificamente em estudos que exigem a entrada nos rios.

Entre a maré e a chuva

Os impactos mais noticiados da canalização são as enchentes e transbordamentos que passaram a fazer parte da rotina dos moradores da região. Em época de lua cheia, a maré sobe e o canal costuma transbordar - a situação piora quando a chuva vem junto, como explica João Guilherme. “A gente já sabe quando a maré fica alta. E isso dá para perceber no vaso sanitário, porque a água sobe e fica balançando. Daí a gente sabe que o canal vai transbordar. Mas claro que quando a previsão do tempo é de chuva, já sabemos que aquela região todinha vai alagar”, contou.

Além do despejo de esgoto irregular no canal, outros fatores influenciam os alagamentos na região. As possíveis causas dessa situação estão expostas em um estudo elaborado pela engenheira civil Joyce Soares, intitulado “Análise dos impactos do lançamento e esgotos em um trecho da rede de drenagem com exutório no bairro 13 de Julho em Aracaju/Se”.  De acordo com a pesquisa, nessas épocas, as enchentes e transbordamento do rio na região ocorrem devido a infraestrutura geográfica original do bairro com um solo de baixa taxa de infiltração, gerando escoamento e carreamento dos poluentes para o canal. A falta de área verde também se apresenta como um fator determinante à impermeabilização do solo (quando se perde a capacidade de absorção da água).

Como consequências possíveis dessas enchentes, destaca-se  o alagamento das ruas, que  interfere na mobilidade de pedestres e veículos, e o risco à saúde das pessoas que transitam pela região, em razão do contato direto com a água contaminada.  Há ainda a possibilidade de que animais vetores de doenças se instalem no local, a exemplo de ratos, carros sejam danificados e comércios ‘invadidos’ pela correnteza.

A análise também mostrou que, em períodos de chuva, os níveis de concentração de dejetos na água classificavam a qualidade do canal como esgoto forte, ou seja, acima do padrão, principalmente em pontos onde ele recebe influência da maré. Também foi identificada uma alta concentração de óleos minerais e graxas, indicando uma influência da poluição difusa. Difícil de ser controlada e ter sua origem encontrada, esse tipo de poluição acontece quando as águas da chuva ‘carregam’ todo o resíduo que encontra pelo caminho, seja pelo processo de escoamento ou pela lavagem de comércios e veículos que envolvem a região.

 

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Foto: Mylena Duarte
A poluição do canal também afeta a vegetação e a fauna existentes no bairro 13 de Julho

Cidade do futuro, erros do passado

Apesar de ser algo cotidiano, pouco foi feito para solucionar os problemas do canal do Rio Sergipe. A obra mais recente foi realizada entre 2013 e 2018. Trata-se da construção de uma mureta de contenção, com pouco mais de 640 metros, e seis espigões próximos ao estuário do Rio Poxim para conter as ações da maré. 

 

“O canal continua a mesma coisa há anos, desde que eu me conheço como gente, é tanto que às vezes as paredes [do canal] caem e a administração pública sobe de volta. Mas não fazem nada que possa gerar uma coisa permanente, é sempre um paliativo. A ação do Rio vai lá, derruba [as paredes] e a administração vai lá e levanta. Então para quem é do bairro sempre vai ver esse movimento”, ressalta João Guilherme, morador do 13 de Julho.

 

O atual cenário também reflete a falta de um Plano Diretor atualizado em Aracaju. A última e única edição data de 2000 e foi pensada em 1999. Sem uma fiscalização rigorosa dos esgotos irregulares e um planejamento estratégico que atenda às novas configurações urbanísticas da cidade, novos projetos tentam replicar o que acontece no bairro 13 de Julho. 

 

Na mesma velha e falha tentativa de solucionar os problemas das enchentes, desta vez na Zona de Expansão, um projeto cujo objetivo é ligar quase vinte canais em um único trajeto e desaguar  no Rio Vaza Barris já pode ser visto como um problema pelos moradores da região. A construção só deve acontecer após a prefeitura concluir a etapa inicial da obra, que consiste em soterrar algumas lagoas, na tentativa de ‘domesticar’ suas águas em um cano, como aconteceu no 13 de Julho há décadas.

O empreendimento faz parte do programa “Aracaju Cidade do Futuro”, responsável por 24 obras voltadas para pavimentação, drenagem, saneamento básico e recuperação de vias, informou a gestão municipal. O projeto recebeu investimento de aproximadamente R$ 500 milhões através de um empréstimo com o Novo Banco do Desenvolvimento (NBD) - desse total, mais de R$ 220 mi será destinado à construção do canal na antiga Zona de Expansão. O NBD, vale dizer, é ligado ao Brics, bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.

O ativista ambiental José Firmo explica que essas lagoas soterradas já estão gerando um impacto ambiental e social. “Na verdade, isso se transformou nessa bola de neve. Porque à medida que se aterrou uma parte de algumas lagoas, agora, quando chove, realmente elas alcançam não só aquelas novas construções, mas também as construções antigas que não eram atingidas”, explica.

Na avaliação dele, a solução dos problemas de enchentes e alagamentos se dá justamente através da revitalização das lagoas. “Há estudos apresentados por urbanistas e pela engenharia que apontam que a solução, ao contrário, é justamente deixar essas lagoas para que elas possam receber as águas de chuva e evitar que os alagamentos aconteçam”, pontua o ativista. Karina Drummond lembra, por sua vez, dos impactos permanentes trazidos pelo canal do 13 de Julho que afetaram toda uma comunidade para se contrapor ao projeto em andamento. “Isso impacta o bioma, impacta os pescadores, impacta as marisqueiras, impacta nós que não podemos ir para 13 de Julho tomar banho no Rio Sergipe. Impacta mais lá na frente, porque todos os impactos ambientais não ficam só ali”, acrescenta.

Além das enchentes, a construção do grande canal na Zona de Expansão levanta o questionamento sobre o possível descarte de esgoto irregular nas águas que serão canalizadas, assim como aconteceu no 13 de Julho. Tanto José Firmo quanto o promotor Eduardo Campos alertam para a necessidade de que, após a conclusão do empreendimento, a Deso e a prefeitura garantam que os bairros tenham 100% do seu esgoto interligados à rede central. Essa ação seria necessária para impedir que os dejetos cheguem até o Vaza Barris, onde o canal irá desaguar, e termine poluindo o único rio próprio para uso, até o momento, em Aracaju.  

Nos últimos anos, capitais como Belo Horizonte e São Paulo, que sofreram bastante com as consequências da canalização, entraram num caminho de reversão dessa tendência.  Algumas das alternativas utilizadas atualmente são as revitalizações com materiais permeáveis para facilitar o escoamento da água e a restauração do curso original dos rios, numa espécie de “descanalização”, além da criação de piscinões, também sinônimos de lazer para a população. Entretanto, enquanto o resto do país vai na direção da revitalização de seus canais, a “Cidade do Futuro” insiste em cometer os mesmos erros do passado.       

Produção labotarial do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe

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