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TSE não vai tolerar violência política de gênero nas eleições deste ano, diz Edilene Lôbo, primeira ministra negra na Corte

Em entrevista ao Contexto Eleições, a magistrada defende ainda a ação do TSE no enfrentamento às fake news durante o período eleitoral


Iana Marcelly, Vinícius Aciole e Wendal Carmo

27 de junho de 2024


Primeira mulher negra indicada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra-substituta Edilene Lôbo esteve em Aracaju, em março deste ano para participar do evento “Mulheres na Política: Viabilizando Candidaturas”, promovido pela Comissão de Participação Feminina e da Escola Judiciária Eleitoral (EJESE). Na ocasião, a magistrada recebeu a equipe do Contexto Eleições e defendeu a ampliação de recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas de mulheres negras e disse que a Corte não irá tolerar quaisquer episódios de violência política nas eleições deste ano. 



Foto: Iana Marcelly/Contexto Eleições

Ministra do TSE, Edilene Lôbo, durante evento “Mulheres na Política: Viabilizando Candidaturas”, em Aracaju.


“A Justiça Eleitoral tem dado mostras de que está preparada para lidar com aqueles tentarem manipular o resultado dos pleitos, abusando da comunicação no mundo digital. E não vai pactuar com a violência política, muito menos contra as mulheres e menos ainda contra as mulheres negras”, destacou a ministra. 


A magistrada ainda afirmou considerar que sua chegada ao TSE possui um simbolismo: mostrar às mulheres e meninas negras que os espaços de poder também lhes cabe. Na conversa, também classificou as fraudes à cota de gênero como “construção cuidadosa da exclusão” e destacou que a luta por mais representatividade não busca “gentilezas”, mas um direito previsto na Constituição. 


“Precisamos compreender que termos mais mulheres negras na política é uma questão de justiça, de equidade. Nós somos a maioria da população brasileira e precisamos, por justa medida, ocupar os cargos da política brasileira”, completa. 


Pela legislação eleitoral, os partidos políticos têm a obrigação de destinar cerca de 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas. Ocorre que, em alguns casos, as siglas burlam essa regra e registram candidaturas laranjas - apenas em 2023, o TSE julgou ao menos 200 processos que tratam do tema. 


Natural de Taiobeiras, no interior de Minas, Edilene Lôbo é advogada formada pela Universidade de Itaúna, foi professora da Universidade Sorbonne, em Paris, e assumiu a cadeira no TSE em agosto de 2023, por indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 


Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:


Contexto Eleições - Vamos começar falando sobre o seu trajeto. A senhora é a primeira mulher negra a ascender ao cargo de ministra no Tribunal Superior Eleitoral. Como encara esse título? Foi fácil chegar até aqui? 


Edilene Lôbo - Não foi fácil chegar até aqui. Eu venho do extremo norte do meu estado, Minas Gerais, de uma região muito pobre. Sou a décima sétima filha de uma família de vinte pessoas. Então não foi evidentemente fácil chegar a este lugar e contribuir com o meu país e com a democracia brasileira. Mas sempre digo que, para chegar onde estou hoje, tive de contar com uma rede de solidariedade formada pelas pessoas do meu entorno, de familiares, amigos, de pessoas que muitas vezes nem conhecia muito bem… Além disso, também tive condições de estudar, de acessar a educação e, a partir daí, me foi dada a possibilidade de sonhar em estar nesse lugar que estou hoje. 


CE: No seu discurso de posse, a senhora elencou dados que expõem uma realidade alarmante sobre as mulheres negras no Brasil e a ausência desses quadros nos espaços de decisão. Qual o papel do TSE na mudança desse cenário? 


EL: Creio que aceitar o desafio para compor o TSE é um modo de, ao conferir visibilidade, dizer às meninas e mulheres negras que esses espaços também nos cabe. Então, o primeiro trabalho é esse de me colocar na cena, estar nesse espaço como uma pessoa viável. Além disso, nós não podemos ficar apenas nesses gestos. Precisamos, por exemplo, ampliar a destinação de recursos para campanhas de mulheres negras. O TSE acabou de concluir as resoluções e uma delas, que envolve a distribuição de recursos para as campanhas, reitera que os partidos terão que distribuir os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), terão de distribuir proporcionalmente entre homens e mulheres, entre mulheres negras e mulheres não-negras, como também entre homens negros e homens não-negros. 


Então, o TSE vem trabalhando muito firmemente no controle dessa distribuição e regulando naquele ambiente que envolve o processo eleitoral e possui suas ambientações próprias. Mas, além disso, o TSE tem mecanismos internos como a comissão de igualdade racial, na qual sou coordenadora institucional, e essa comissão se dedica a trabalhar, a buscar possibilidades de promover essa igualdade racial. Outra coisa importante: o TSE destaca que o percentual de candidaturas de pessoas negras nas eleições de 2024 será aferido imediatamente após o registro e, ainda mais, o TSE tem se mobilizado para viabilizar controles da distribuição do tempo na propaganda eleitoral, do uso dos espaços públicos variados para a propaganda de campanhas negras. 


Temos atuado em várias frentes, aquelas que lhe são próprias constitucionalmente, para promover e proteger a participação de mulheres negras na política. Agora, essa é uma tarefa da coletividade e não apenas do tribunal. Precisamos compreender que termos mais mulheres negras na política é uma questão de justiça, de equidade. Nós somos a maioria da população brasileira e precisamos, por justa medida, ocupar os cargos da política brasileira.

 

CE: Estamos às vésperas de eleições municipais cercadas por duas preocupações correlatas: o uso da inteligência artificial e a disseminação das fake news. Na última semana, o TSE publicou doze resoluções que irão nortear o trabalho da Corte durante o pleito e uma delas trata da IA. As normas postas vão dar conta de mitigar eventuais danos causados pelo uso irregular desse mecanismo? 


EL: É importante destacarmos que a inteligência humana pode e deve ser utilizada em favor dos processos decisórios, principalmente dos processos políticos. Por outro lado, sabemos que a manipulação das tecnologias com o objetivo de impactar o resultado de pleitos eleitorais também é uma realidade. O TSE vem fazendo a sua parte e, como você mencionou, além das resoluções próprias regulamentando a matéria, contendo, naquela parte que lhe é própria, a possibilidade de expansão da propaganda sintética, do uso inadequado desse mundo tecnológico. Estamos prontos, com muita experiência, para enfrentar aqueles que tentarem manipular o resultado dos pleitos, abusando da comunicação no mundo digital. Há um desafio, mas a Justiça Eleitoral tem dado mostras de que ela se encontra à altura desse desafio. 

A resolução específica sobre a IA, a resolução sobre ilícitos eleitorais e a presidência vigorosa da ministra Cármen Lúcia [que estará à frente da Corte nas eleições] são gestos muito nítidos de que a Justiça Eleitoral não vai pactuar com a violência política, muito menos contra as mulheres e menos ainda contra as mulheres negras no ambiente digital. Então, note que temos um conjunto de ações para dizer à sociedade: 'olha, a Justiça Eleitoral, no que lhe compete, está a postos e vai cumprir o seu papel'. 


Confira outro trecho da entrevista



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