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Foto: Marina Menezes
Índices de violência de gênero no mercado de trabalho oscilaram no período da pandemia
Apesar dessa alteração nas estatísticas, os números de violência de gênero no mercado de trabalho continuam alarmantes e voltaram a crescer depois da pandemia
Isabela Victoria, Marina Menezes e Sabrina Chaves
Conseguir a inserção no mercado de trabalho, consolidar-se e ter perspectivas de crescimento profissional ainda são obstáculos enfrentados pelas mulheres em níveis mais acentuados do que pelos homens, e que foram intensificados ao longo da pandemia de covid-19. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2014 e 2019, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho até cresceu, continuamente, e atingiu 54,34%.
Isso representa algo em torno de 24 milhões de pessoas. Entretanto, em 2020, com a pandemia, o índice recuou para 49,45%, o que equivale a aproximadamente 21 milhões de pessoas. Ou seja, houve uma redução considerável na oferta de trabalho para mulheres. Uma pesquisa encabeçada pela pesquisadora Janaína Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE - FGV), revela que o índice de mulheres sem emprego era de 16,45% em 2021, o equivalente a mais de 7,5 milhões de mulheres.
Não são poucas as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho: assédio moral, assédio sexual, falta de compreensão, por parte de empregadores, do que signifca “estar grávida”, para fincarmos em alguns exemplos. A violência de gênero, no entanto, é a que mais aparece. De acordo com o relatório de pesquisa “Percepções sobre a Violência e o Assédio Contra as Mulheres no Mercado de Trabalho” (2020), elaborado pelo Instituto Patrícia Galvão, com base em 893 respondentes, cerca de 76% das mulheres já sofreram diferentes tipos de violência no ambiente de trabalho. Jackeline Rodrigues, auxiliar administrativa, sabe muito bem o que isso significa. “No momento em que uma mulher tem filhos, é mais difícil arranjar um emprego, porque tem essa questão que você precisa de uma certa disponibilidade para sair do trabalho em casos de urgência e, muitas vezes, o chefe não entende isso”, reclama.
O fato é que o mercado de trabalho sempre foi um ambiente desafiador para as mulheres. Outra pesquisa, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra que desde 2012 a participação feminina no trabalho é inferior à masculina. No segundo trimestre de 2012, cerca de 73% dos homens participavam do mercado de trabalho. Já entre as mulheres, esse índice era de 51%. Essa diferença não teve grandes alterações com o passar dos anos. Comum agravante: o quadro piorou em 2020, ano da pandemia. Em 2019, a participação das mulheres no mercado de trabalho era de 54%; já em 2020, esse número reduziu para 47%.
As formas do preconceito
Para a delegada Meire Mansuet, do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), um dos fatores para essa desigualdade de gênero no mercado de trabalho está vinculado com o preconceito, seja de forma ostensiva ou sutil, neste caso, aquele que passa despercebido. “A discriminação de forma velada é mais difícil de lidar do que a de forma ostensiva”, afirma.
Com o preconceito institucional, algo semelhante se verifica. Algumas instituições, como as militares, têm resistência em aceitar mulheres em seus quadros. Nestes ambientes, afirma Mansuet, as mulheres sofrem com o preconceito institucional relacionado às questões de promoção, ascensão e ocupação de cargos. “Nunca tivemos uma comandante geral da polícia militar, porque não existem políticas públicas de ocupação de vagas igualitárias para as mulheres”, comenta Mansuet.
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Svetlâna Barbosa, membro da Associação Integrada De Mulheres Da Segurança Pública em Sergipe (ASIMUSEP).
Por causa dessas injustiças no ambiente de trabalho, as mulheres precisam ter força para conquistar seus direitos e seu espaço. As redes de apoio são uma maneira de fortalecer a luta das mulheres no mercado de trabalho, caso da Associação Integrada de Mulheres da Segurança Pública em Sergipe (ASIMUSEP). A delegada Meire Mansuet, que também é vice-presidente da Associação, explica o porquê de muitos casos de discriminação de gênero passarem despercebidos. “Ainda há muito medo na hora de denunciar, pois a mulher tem o receio de sofrer retaliação ou algum tipo de perseguição. Querendo ou não, no ambiente masculino a mulher que sofre alguma violência ou injustiça fica marcada”, afirma.
Por conta disso, Svetlâna Barbosa, primeira secretária da Associação, relata como a ASIMUSEP acolhe mulheres que sofrem esse preconceito. “A instituição tem o papel de prestar auxílio. Quando a gente faz a queixa pela entidade, cria-se um corpo jurídico que, além de dar suporte, vai proteger a vítima”, explica. A secretária ainda menciona um caso de importunação sofrido por uma policial militar, para explicar como funciona a denúncia pela Associação.
O caso ocorreu em uma unidade da Polícia Militar onde uma delas percebeu que, ao trocar de roupa no alojamento, estava sendo gravada por um celular posicionado no basculante. De imediato, pediu apoio ao sargento da unidade e descobriu que o colega era o responsável pela importunação. Posteriormente, recorreu a ASIMUSEP, que levou denúncia e provas para a Corregedoria da PM. O assediador foi afastado.
Tipos de violência no trabalho
O assédio moral é caracterizado por condutas abusivas que afetam psicologicamente o empregado. Segundo a cartilha do Assédio Moral no Trabalho, publicada pelo Ministério Público do Trabalho, situações que interferem na dignidade e na liberdade do trabalhador podem se enquadrar em assédio moral, como xingamentos, constrangimentos, ameaças verbais e discriminação física. A pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Patrícia Galvão, citada anteriormente, constatou a predominância de mulheres nesse tipo de violência. De acordo com os 746 respondentes, cerca de 38% das mulheres já foram xingadas e constrangidas, enquanto somente 10% dos homens sofreram esse quadro.
O fato é que a violência sexual tem sido cada vez mais recorrente no ambiente de trabalho. Logo no primeiro semestre de 2022, o procurador-geral do Ministerio Publico do Trabalho (MPT), José de Lima Ramso, afirmou que o número de denúncias de assédio sexual no trabalho aumentou 63% em relação ao ano anterior. Este aumento por ter sido provocado pelo fim do isolamento social, e a volta das mulheres ao ambiente de trabalho. Porém, de acordo com o levantamento do Tribunal Superior do Trabalho, mesmo antes da pandemia os números já eram alarmantes e voltaram ainda maiores em 2021.
Índice de Assédio Moral de acordo com os dados do Instituto Patricia Galvão. (Arte: Marina Menezes)
Índice de Assédio Sexual no ambiente de trabalho antes e depois da pandemia. (Arte: Marina Menezes)
Maternidade e Trabalho
Segundo a pesquisa Think Tank, realizada pela Fundação Getúlio Vargas em 2016, de 247 mil mães que estavam presentes no mercado de trabalho, metade foi demitida após a licença maternidade. Ainda dentre o total, há uma diferença em relação à escolaridade. Entre as mulheres que saem do mercado de trabalho após terem filhos, cerca de 35% são de maior escolaridade, enquanto as de nível menor escolaridade são 51%.
Ainda, por conta do isolamento social, várias mulheres não puderam deixar os seus filhos nas creches ou na sua rede de apoio. Fazendo, assim, com que as mães tivessem que escolher entre trabalhar e cuidar dos filhos, e isso interfere nas estatísticas. A pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas com base nos microdados da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD), revela que durante o ano de 2020 e 2021, a diferença entre mulheres e homens com filhos no mercado de trabalho voltou a crescer:
Diferença entre homens e mulheres no ambiente de trabalho de acordo com a PNAD. (Arte: Marina Menezes)
As mulheres no mercado de trabalho
Durante todo o período colonial (1500 – 1822), o trabalho designado para as mulheres na sociedade brasileira consistiu nas atividades domésticas e no cuidado dos filhos. Sem nenhuma remuneração e direito instituído, as mulheres eram marginalizadas de toda e qualquer atividade econômica. Para Carlos Malaquias, professor de história econômica da Universidade Federal de Sergipe, “Ainda existe uma série enorme de atividades que hoje a gente entende como trabalho, mas que no passado eram entendidas como obrigação, como caridade, então não eram classificadas como trabalho, embora fossem atividades laborais, atividades produtivas.”
O professor complementa: "em geral, essas atividades que não eram classificadas como trabalho quase sempre com status inferior, eram atribuídas a mulheres. São tarefas que ainda hoje gozam desse peso desqualificador, que é um peso do passado atribuído ao gênero".
Com o declínio da monarquia e a republicanização do Brasil, estabelecida em 1889, o país deu início ao processo de industrialização e as mulheres passaram a exercer atividades não apenas domésticas, mas a serem utilizadas como mão de obra nas fábricas e indústrias no país. No entanto, a realidade dessas mulheres operárias incluía condições de trabalho precárias, jornadas de trabalho exaustivas e remuneração inferior às dos homens.
Com a elaboração da Constituição de 1934, as mulheres adquiriram seus primeiros direitos trabalhistas, dentre os quais estavam a proibição da diferença salarial por motivos de gênero, a proibição de trabalho das mulheres em ambientes insalubres e a garantia de assistência médica e sanitária às gestantes, além de descanso antes e depois do parto. No entanto, a realidade não condizia com a lei.
Foi então que, em 1943, o presidente Getúlio Vargas promoveu a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) no Brasil, que representou a conquista dos direitos trabalhistas essenciais e ainda hoje se encontra em vigor. Ela foi responsável por introduzir normas específicas de proteção do trabalho da mulher, como a garantia ao livre acesso ao mercado de trabalho, a proteção jurídica, a proibição do empregador considerar sexo, idade, cor e raça para fins de remuneração, entre outros.