Revelando histórias,
desvendando o invisível
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Arte: Larissa Moura
Me diz com quem andas e direi quem és
Em período de eleição, não dá para falar de política em Sergipe sem falar na perpetuação do poder de grupos tradicionais do estado e seus aliados políticos
Larissa Moura, Letícia Monalisa e Marco Ferro
Renovação ou nova forma de fazer política? Essas palavras fazem parte do repertório argumentativo de alguns candidatos e, muitas vezes, são requisito dos eleitores na hora de escolher o voto. Porém, a tão esperada renovação mostra-se nem sempre possível. Diante das promessas de transformação, a realidade política sergipana parece contraditória e segue padrões antigos de perpetuação de poder. Um cenário semelhante ao apontado pelo personagem Tancredi no livro “O Leopardo”, do escritor italiano Giuseppe Tomasi: “Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.
É o caso, por exemplo, do deputado federal licenciado Fábio Mitidieri (PSD), que, neste ano, pleiteia uma candidatura ao Governo de Sergipe. Filho do ex-deputado estadual Luiz Antônio Mitidieri, Fábio tenta levar a segunda geração de sua família para o campo político. E ele não é o único: outras quatro candidaturas majoritárias possuem histórico familiar na política e três delas correspondem a nomes que já ocuparam cargos políticos. Não por acaso, nomes que aparecem entre os primeiros lugares em pesquisas de intenção de voto para o Governo de Sergipe são pessoas que já tiveram familiares na política.
Base política em Sergipe de candidatos ao Governo. Fonte: Divulga Cand (TSE). (Arte: Larissa Moura)
Para compreender o atual cenário das eleições em Sergipe, realizamos um trabalho de pesquisa abrangente e minucioso. Dentro das 517 candidaturas, analisamos todos os 25 concorrentes aos cargos de senador, governador e vice-governador. Tais dados são públicos, disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para livre acesso. A partir dos dados, compomos uma tabela, refinamos, e pesquisamos sobre cada candidato por palavras-chave: família, pai, filho e alianças.
Termos que mais se repetem na reportagem refletem o imaginário sobre renovação política. (Arte: Letícia Monalisa)
A renovação política é uma utopia?
Como resultado, constatamos que cinco das 16 candidaturas majoritárias, ou seja, ao Governo do Estado, contando com os candidatos a vice-governador, possuíam histórico familiar na política, assim como outras duas das sete candidaturas ao Senado. Contando as 23 candidaturas ao Governo e Senado, sete nomes já ocuparam cargos políticos.
Os dados sugerem que há uma ambiguidade no conceito de renovação utilizado pelos eleitores e candidatos, como pontua a professora Fernanda Petrarca, coordenadora do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP), da Universidade Federal de Sergipe (UFS). A renovação, explica, não significa necessariamente uma mudança nas relações de força. Ela pode representar uma continuidade, na qual se investe na transformação com o objetivo de manter o poder de determinado agrupamento político.
Ainda nesse sentido, Petrarca salienta que a entrada de mulheres na política mostra como as candidaturas normalmente operam dentro de um sistema de alianças, fator esse que impede o avanço e transformações mais significativas. “Elas se tornam candidatas não por suas pautas, mas por comporem um bloco de alianças de base familiar. É o caso de mulheres que entram na política pela mão do pai, irmão ou marido”, explicou.
Laços não só sanguíneos
“Em um estado pequeno como Sergipe, a gente não tem como fugir de famílias importantes dentro do processo político”, declara o jornalista Narcizo Machado, criador de uma coluna sobre os bastidores das eleições no estado em 2022. Com base em sua experiência na condução de um jornal radiofônico e entrevistas com nomes atuantes na política sergipana, ele abre a perspectiva de que, apesar de se perpetuarem no poder, alguns grupos tradicionais, suas trajetórias políticas e alianças auxiliam para um bom mandato.
Segundo Fernanda Petrarca, os agrupamentos políticos são constituídos por redes de base familiar, ou seja, um misto de laços obtidos pelas conexões familiares e pela amizade política – que conecta os diferentes níveis municipal, estadual e federal e garante o poder desses agrupamentos. Isso decorre da perspectiva histórica de que em Sergipe nenhuma família conseguiu dominar sequer um município inteiro, mas sim precisou se aliar a outras famílias para estabelecer relações de poder.
Política: um espaço para todos?
Com mais de 500 candidaturas registradas no estado, cria-se uma falsa sensação de diversidade. Mas basta um olhar mais atento sobre os candidatos para verificar o quanto os espaços de poder ainda são restritos. Nessa disputa, grupos minoritários pouco figuram nas listas (gráfico 1).
A partir do cruzamento de dados, verificamos que o perfil médio do candidato seria: um homem pardo, de 42 anos, casado, e empresário com alto grau de escolaridade. Essa descrição lembrou alguém? Em relação ao eleitorado (gráfico 2), o resultado, como é de se imaginar, não é compatível.
Perfil do candidato eleitoral em 2022. Fonte: TSE. (Arte: Marco Ferro)
GRÁFICO 2 - Eleitores aptos a votar nas eleições de 2022. Fonte: TSE. (Arte: Arte: Marco Ferro)
Para o cientista político Bhreno Vieira, três critérios são utilizados pelos eleitores para a escolha dos candidatos legislativos: os feitos realizados para região onde o eleitor mora, se a proposta é consoante à preferência do eleitor e o alinhamento que os prefeitos têm com o candidato. Ainda há eleitores de nicho, que se preocupam principalmente com questões de representação descritiva. “É o caso do eleitor que, por ser negro, vota em negro”, conta.
Mas nem tudo é tão desanimador quanto parece. A candidatura de mulheres e negros vem aumentando de maneira constante, mas lenta – de 32% de candidaturas femininas em 2018 a 35% em 2022, enquanto o número de negros passou de 61 para 89 no mesmo período. A cientista política Renata Cavalcanti, que estuda a questão da representatividade nas eleições, enxerga os resultados com bons olhos. “Acredito que as pessoas estão tendo mais consciência sobre a importância. A representação proporcional tem a tendência de melhorar”, destaca.
Nesse sentido, a apresentação de novos nomes e promessas passa a compor uma renovação na política ou se renova o imaginário da população para mascarar uma perpetuação?
Resultado das eleições
Durante o fechamento dessa matéria o primeiro turno das eleições foi realizado. Como resultado, em nível nacional e local, pudemos observar a constatação das hipóteses por essa reportagem construídas e corroboradas pela opinião dos especialistas: o sistema de base política é um grande ator e motor das eleições no Brasil.
A disputa à Câmara Federal em Sergipe, por exemplo, refletiu a influência do histórico familiar na política. Com mais de 131 mil votos, a primeira deputada federal eleita por Sergipe foi Yandra de André (União Brasil), filha do ex-deputado federal André Moura. Outra grande candidatura foi a de Ícaro de Valmir (PL), também eleito deputado federal com o apoio do pai Valmir de Francisquinho (PL), que apesar da inelegibilidade, exerce grande influência no Agreste sergipano.
As alianças também não ficaram de fora, Laércio Oliveira (PP) foi eleito senador por Sergipe após receber o apoio do agrupamento governista.