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“Eu sou ator, o resto

eu finjo” — Pedro Cazoy

Entre todas as mil e uma versões de Pedro Cazoy, existe um denominador comum,

aquilo que cria e dá forma a cada uma delas: o teatro.

Por Alda Santiago, Lorena Correia e Franciele Oliveira

  Duas coisas não costumam acontecer durante a primavera em Aracaju, capital de Sergipe: chuva e caminhões tombados. Contudo, o inusitado às vezes ocorre. Tanto que chovia consideravelmente na manhã em que fomos realizar a missão de entrevistar Pedro Cazoy, o artista que dá nome a este perfil. Além dos atrasos da equipe, e a dificuldade em encontrar um local adequado para a entrevista, um acidente de trânsito também o segurou em seu percurso mais do que o esperado.

        Ele chegou vestido de cinza, uma das suas cores favoritas, dos pés à cabeça, e, mesmo sem usar os brincos, deu para notar suas orelhas furadas, além de algumas tatuagens. Ainda agitado por conta da correria, nos contou que um caminhão de areia havia virado, o que lhe obrigou a recalcular a rota. 

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Cazoy conta sobre o acidente que o prendeu no trânsito. (Foto: Lorena Correia)

     

    Esperamos até que se acomodasse, enquanto montávamos os equipamentos. Com o play no gravador, Cazoy começou contanto que veio ao mundo com 9 meses e 24 dias. Por ser uma gestação de risco,  sua mãe, Judite Fontes, deu à luz em Aracaju, onde ele ficou internado devido às arritmias cardíacas. No entanto, cresceu saudável no povoado de São Francisco, entre Poço Verde, no interior de Sergipe, e Adustina, na Bahia. A lenda, contada no povoado fundado por seu bisavô, José Rabelo, é de que a sala da casa de Cazoy fica na Bahia e o restante em Sergipe, literalmente na divisa, por isso ele pode ser tanto baiano como sergipano. 

          Durante sua infância, vivida no interior, Cazoy não gostava de jogos eletrônicos, como o videogame, tampouco teve contato com celulares. No entanto, o inusitado dá as caras novamente, e hoje, esse aparato tecnológico tem muita influência na maneira como aproveita e viabiliza a sua vida.

“Gosto de estar sendo visto, se fizer sentido estar sendo visto”

          Enquanto balançava a cadeira de um lado para o outro, começou a nos contar sua história e, de forma calma, gesticulava e fazia caretas. Foi sua professora do ensino fundamental, Raimunda, que o conectou com seu lado artístico. Por ser uma pessoa gaiata, foi fervorosamente incentivado a se apresentar em eventos escolares, como casamentos caipiras e apresentações do Dia das Mães. 

Cazoy durante uma esquete teatral circense.

(Foto: arquivo pessoal)

        Tudo ficou mais claro quando se mudou para o município de Lagarto, com 14 anos, para estudar no Instituto Federal de Sergipe (IFS); onde conheceu o grupo de teatro Cobras e Lagartos e a oficina que eles ministravam; assim, enxergou com mais propriedade o que é o teatro. “Ao estudar a voz, estudar o corpo, entender o que é o pessoal, tudo isso foi começando a fazer sentido.” Deu tudo tão certo que, quando finalizou a oficina, virou membro da companhia, além de também entrar em outro grupo, chamado Sete Panos.

        Apesar de amar o teatro e estar destinado a atuar, na sala de aula Cazoy estudava rede de computadores, que nada tinha a ver com ele, o que não demorou a perceber. Confessa que colava em todas as provas e, também, que não se lembra de nada que estudou. Sempre foi o teatro que acelerou as batidas do seu coração. Movido pela paixão e pela curiosidade, começou a fazer oficinas de teatro, acompanhado de mais dois amigos, Wesley e Hélio.

        Na época, para além dos muros do IFS, os três trabalhavam em peças de teatro e oficinas e formaram o grupo Máscaras e Camaleões, que os levou a diversos palcos em Brasília, Maranhão, Aracaju e demais campi do instituto. Dos seus pais, pessoas fáceis de conviver, Cazoy nunca recebeu um não ou uma cara feia, mesmo quando a incerteza sobre o teatro alcançou o coração de seu pai, João Neto Fontes, que queria mesmo era que o filho fosse caminhoneiro.

          Nunca duvidou da arte ou de ser artista, mas duvidou da realidade a ponto de chegar a pensar: “Acho que hoje é um bom dia para desistir.” Contudo, não passou de um pensamento, afinal, dos inúmeros caminhos que a vida lhe indicou, todos eles possuíam, e ainda possuem, um denominador comum: o teatro, que nunca foi uma escolha, mas algo inerente à vida de Cazoy. 

       Mesmo quando ainda não sabia direito o que era e não acreditando no destino, Cazoy foi atraído aos palcos, como uma abelha ao pólen das flores. Talvez por isso, hoje, a versatilidade e a voracidade em busca de conhecimento sejam seus principais traços de personalidade. “Se me colocar eu vou; aprendo; leio; pesquiso; assisto tutorial no YouTube”, afirma.

       O fato é que, para ele, nada é impossível. Ele pode ser ator, locutor, roteirista, apresentador, universitário, músico, vocalista e o que mais a vida lhe propor. Não porque é um workaholic, mas porque gosta de ser guiado pelas propostas que a vida lhe traz. 

Cazoy em um ensaio na Aldeia Escola de Circo, em Aracaju. (Foto: Lorena Correia)

“Eu peguei três caminhões, um carro e um tapa de um morador de rua”

          Nem tudo foram flores em seu caminho. Em uma de suas diversas aventuras em prol do sonho de ser ator, Cazoy foi de carona até Floriano (PI), pois seu pai, que já havia pago a viagem para outra competição, na qual disputou o prêmio de melhor ator, já não tinha mais recursos. Com seus 18 anos e muita coragem enfiada nos bolsos, saiu de São Francisco (SE), para Floriano (PI), de carona. 

         Chegou às três da manhã em um grande posto de gasolina da região. Soube pelo frentista que os caminhões só partiriam após as cinco da manhã, dando-lhe duas horas para descansar. Avistando um monte de papelões em um canto qualquer do posto, achou que seria de bom-tom deitar e dormir ali mesmo. Mal sabia ele que, aqueles papelões eram a “cama” de um senhor em situação de rua. “Eu deitei nos papelões, fiquei lá e acordei com o cara dando tapa na minha cara falando assim ‘sai da minha cama, vagabundo'.”

          Demonstrando a validade de seus prêmios em atuação, ele reencena o tapa recebido e o desespero com o qual se deparou na ocasião. Ao vê-lo assustado, um dos frentistas correu até ele e, nervoso, explicou a situação para o senhor. Passado o susto, Cazoy também conversou com ele, contou sua história e para onde estava indo. Logo após, pagou um café e o senhor, em total apoio, gritou “vá em busca do seu sonho”, com as mãos erguidas, em comemoração.

As adversidades não pararam por aí. No dia em que deveria chegar ao seu destino tão aguardado, Cazoy só conseguiu carona às 11 da manhã. Após muita insistência e um pedaço de papelão escrito: PICOS-PIAUÍ, lá se foi ele, em um caminhão, ganhar o prêmio de melhor ator.

        Valeu a pena insistir tanto no teatro? E como! Tamanha persistência lhe trouxe cinco prêmios, três estaduais e dois nacionais. Na competição de Aruana, em João Pessoa, Cazoy conta que levou o título, mas em outra indicação, em Jericoacoara (CE), na qual não pode estar presencialmente, ele ficou em segundo lugar, o que, para uma pessoa competitiva como ele, é o fim da picada. 

          Contudo, sua competitividade o fez ir em busca de uma revanche, dessa vez, cara a cara, com seu adversário recorrente. Fruto da insistência e de sua confiança, veio mais um prêmio de Melhor Ator, algo singelo perto de sua ambição hollywoodiana.

Cazoy após o ensaio de uma peça teatral. (Foto: Lorena Correia)

“Comecei a bombar no Instagram e pensei: oxe, vai ser por aqui então”

          Pedro Cazoy iniciou sua história com as mídias sociais durante a pandemia de Covid-19. Para ele, antes desse momento, a internet não fazia jus a um artista, mas foi com o isolamento social que o teatro precisou se reinventar e as peças ganharam um novo palco: o on-line. Então a companhia a qual ele pertence passou a se apresentar por vídeo. A partir daí, começou a perceber as plataformas digitais com outros olhos.

          Em maio de 2022, Cazoy deparou-se com uma fala do então Ministro da Educação, Abraham Weintraub, a qual chamava os estudantes das universidades federais de ‘vagabundos’. Em resposta, gravou um vídeo satirizando a fala do ministro e enaltecendo as ações dos estudantes da Universidade Federal de Sergipe (UFS) no combate à pandemia, como a produção de uma tonelada de álcool em gel e a fabricação de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), para os profissionais da saúde.

          Após ser postado no Instagram, o vídeo alcançou muitas pessoas e viralizou, o que lhe trouxe seguidores novos e propostas de trabalho. Como toda boa história, não foram todos os vídeos que bombaram de primeira, segundo ele, “não é toda vez que a gente faz um gol de placa”. Na verdade, ao decorrer de sua trajetória com a internet, Cazoy já fez alguns gols, o primeiro deles foi quando viralizou na internet com o vídeo de sátira ao antigo Ministro da Educação. Outro, quando teve dois vídeos publicados na conta do Instagram da Mídia Ninja. E outra vez, ao ter seu conteúdo incorporado pela Rede Bandeirantes.

          Foi só no ano seguinte que Cazoy começou a se dedicar a criação de conteúdo na plataforma, recebendo oportunidades por meio dela, e hoje, é na rede social sua principal fonte de renda. Agora, na maioria dos vídeos, aborda conteúdos de humor político e, para nós, tece uma crítica, com um tom mais descontraído, à realidade que algumas redes sociais criaram. “Ninguém precisa estudar, [aqui o perfilado utilizou uma palavra de baixo calão que não iremos repetir] faz várias coisas na rede social, seu caderno vira TikTok [plataforma de vídeos curtos]. Isso é muito doido.”

          Como um bom ator, no seu palco on-line utiliza sempre as técnicas que aprendeu ao apertar o play, tornando-se mais caricato, com sotaque marcado, brincando com o tom da voz e com expressões que chamam a atenção do público. Mas para ele, nem tudo vale para ser compartilhado. 

“Oi, amor!”

A única coisa que coleciona são tatuagens. São 44, no total, espalhadas pelos braços, costas, barriga e coxas. Cazoy faz tatuagens desde os 16 anos. Se, antes, eram feitas pensando em pessoas, agora elas são bem mais intimistas. Como, por exemplo, a tatuagem do Chaves, seu desenho preferido da infância. Ou o número 17, que, apesar de o deixar contrariado em 2018 por ter sido relacionado a um político, que não o representa, ele

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Lançamento do EP Gado demais. (Foto: acervo pessoal)

explica que “as coincidências, coisas boas e ruins, sempre me aconteceram no dia 17”. Ele conta sobre uma tatuagem específica, no braço esquerdo, dedicada ao pai. “Eu estava em São Paulo e meu pai me ligou. Estava há dois meses lá, ele falou [ao atender a ligação], ‘Oi, amor’, e eu tatuei no mesmo dia, como um lembrete.”

Muito apegado à família, Cazoy os visita sempre que a possibilidade surge, mas a rotina, muitas vezes caótica, não o permite visitar regularmente à família, que ainda mora no povoado São Francisco. 

Quando se mudou para Lagarto, passou um ano na casa de sua tia e depois, com 15 anos, começou a morar só. No entanto, a independência de Cazoy já existia desde os dez anos de idade, quando, sozinho, se dispunha a fazer a feira no lugar de sua mãe.

“Sou um ser humano normal”

          Para além dos malabarismos que faz para conseguir dar conta de suas atividades, Cazoy não deixa de acompanhar os jogos do seu time de coração, o Flamengo, degustando sua cerveja favorita, Heineken. E apesar de ser festeiro e curtir momentos ao som do Brega, é quase num movimento contrário, que a sua música preferida é Elephant Gun, do Beirut. Já seu hobby é ouvir as pessoas.

          Deixando ainda mais clara a tal versatilidade da qual tanto falamos aqui, Cazoy é ateu, ainda que tenha sido catequista quando criança, gosta de falar sobre o que acredita. E no que acredita? Nas pessoas, porque não consegue visualizar um ser que rege o universo, o que torna essa a única farpa presente na sua relação com a sua mãe, católica fervorosa.

Perguntamos o que ele pediria, caso encontrasse o gênio da lâmpada, mesmo garantindo não ser altruísta, pediria a divisão igualitária dos bens para a sociedade e que todos que ele gosta pudessem viver bem. O terceiro pedido? Passaria para outra pessoa, no entanto, se pudesse, seria o Rocket Raccoon, o guaxinim do filme Guardiões da Galáxia, que está mais para um anti-herói.

          Quando a vida não lhe dá um sorriso ou um afago no peito, Cazoy dá uma corridinha e continua trabalhando, mas não esquece de tomar açaí com kiwi, morango e muito leite condensado, sua guloseima de consolo. Já sua comida preferida é a carne e o famoso “acarajézinho”, nas palavras dele, e ressaltou que não gosta mesmo é de azeitona e sushi.

          Curiosamente, Cazoy considera que a sua maior qualidade e o seu maior defeito é enrolar. Mas, foi específico e direto quando contou sobre o melhor conselho que já recebeu na vida. “Uma vez, Ivilmar Gonçalves [seu ex-professor de teatro] falou para mim que ninguém estava imune à arte.” Descrevendo a cena, conta que eles estavam em um espetinho, próximo ao forródromo na cidade de Lagarto e que imediatamente concordou com o que ouvia, já que, para ele, “todas as pessoas são artistas em potencial.” 

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