Revelando histórias,
desvendando o invisível
A simplicidade por trás
de um império
Júlio César é conhecido por sua longa carreira, que lhe rendeu o apelido de Imperador do Rádio. Por trás da vida de radialista, existe uma pessoa cheia de histórias para contar
Por Gabriel Silva, João Vitor Figueiredo e Viviane Silva
Se tem uma coisa que define quem é Júlio César Ferreira de Assis é sua gentileza e simplicidade, aspectos que sempre o acompanharam durante a vida pessoal e profissional, antes mesmo de sua fama de “Imperador do rádio”. Título, aliás, que ganhou após um colega anunciar o início de um programa com apresentação com a seguinte chamada: “Júlio César, o Imperador do Rádio”. Júlio não imaginava que este apelido lhe acompanharia pelo resto da vida.
Ser gentil, ter simplicidade, ter carisma são valores que até hoje ele carrega consigo e prática no seu dia a dia. Toda vez que um colega de trabalho entra na sala da assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe (SSP/SE), seu atual local de trabalho, e que tem uma sala de imprensa que leva o seu nome, Júlio recebe com a maior gentileza e simplicidade. Dentro da sua tranquilidade diária, que nada parece abalar, este baiano cumprimenta a todos que chegam com sua voz ainda potente, dando uma expressivo “boa tarde, fulano (a)!” Nem sempre com aquele sorriso largo e espontâneo, mas com uma educação de invejar.
Quando não está sentado na sua cadeira, pode estar na mesa do centro ou nas poltronas da sala, e, mesmo assim, procura manter contato com quem está chegando. Com muita frequência, os colegas, ao serem cumprimentados, respondem: “Grande imperador!”, ou até mesmo “O senhor é o coroa!”. A verdade é que este tipo de troca só é possível por conta do próprio jeito de Júlio, que, em retribuição, engrandece a humildade ao responder “Que é isso, sou um simples operário”, ou um “Grande é Deus, pequeno sou eu”, e todos riem.
Aquele que impera, reina, governa
Júlio, já no auge dos 71 anos, é calmo e quieto. Durante o expediente, transita entre os momentos de bate papo com os colegas e quando se senta apenas para observar o que acontece ao seu redor. Traços de vaidade podem ser vistos em seus diversos acessórios, que variam entre pulseiras prateadas no punho direito, um anel (que antes eram três), uma corrente prateada no pescoço, além de um relógio no outro braço. Aliás, o relógio é o principal acessório de Júlio.
A vaidade do Imperador é notada nos acessórios que usa. Foto: (Gabriel Silva Santana).
Hoje, sua rotina é bem mais tranquila do que quando trabalhava na rádio e, por isso, ele consegue visitar mais vezes seu acervo. Antes, sempre acordava cedo para fazer os programas, na maioria das vezes, matutinos. Agora, Júlio fica em casa pela manhã, mexe no computador e faz algumas gravações para fins de trabalho, ainda utilizando a sua voz. À tarde, cumpre seu dever na SSP, e, à noite, após chegar em casa e tomar um café, assiste a alguns programas, como histórias de Lampião e documentários.
Em meio a essa rotina, o rádio não sai de perto. Todos os dias, por volta das 16 horas, quando o trabalho está mais leve, Júlio senta na sua mesa e liga seu aparelho portátil, põe o fone de ouvido, fecha os olhos e mergulha nas ondas sonoras. Quem vê de fora, acha que ele está dormindo, quando, na verdade, está concentrado em tudo que está sendo dito. Parece que nasceram um para o outro.
É nesse amor e dedicação pelo rádio que sua vida pessoal e profissional se entrelaçam e se tornam uma só. O primeiro contato de Júlio com o rádio foi proporcionado pelo serviço de alto-falante que seu pai tinha, em Inhambupe, interior da Bahia. É essa paixão que o move, desde a infância.
No dicionário o substantivo imperador significa aquele que impera, reina, governa. E, foi isso que Júlio fez, imperou nas rádios sergipanas e baianas. Mesmo sendo modesto quando o chamam de Imperador, no fundo ele sabe a grandeza desse apelido e que a sua história é de prestígio. O autoconhecimento de sua grandiosidade profissional é notado nas inúmeras histórias contadas por ele, que narram as alegrias e apreensões vividas durante seus mais de 50 anos de rádio.
Além da voz marcante de Júlio, outra característica que chama muita atenção é a boa memória, que permite a ele uma narração nos mínimos detalhes, seja qual for o caso. Como foi no episódio inicial da sua carreira em rádio, já em Sergipe, quando morava com o tio. Nessa época, Júlio pegava o telefone do tio e ficava participando da rádio local. Até que um dia recebeu um convite para fazer um teste na Rádio Cultura. “Aí fui, cheguei lá, fiz um teste e quem fez meu teste foi Gilvan Fontes. Ele pegou um gravador aqui, me deu um microfone, e eu tinha que ler um noticiário, um comercial e falar um título de uma música em inglês com o nome do cantor.” Isso foi suficiente para que Júlio fosse contratado.
Ainda, o Imperador conta que certa noite, ele estava sem carro e anunciou na rádio que queria uma carona para casa. Ao terminar de trabalhar e sair da rádio, Júlio se deparou com dez táxis lhe esperando. Para não criar inimizades, muito carismático, ele pediu que os taxistas fossem em comboio até a sua casa, para que ninguém se sentisse traído. No fim das contas, todos foram a um bar, onde se reuniram e beberam juntos, dando um alegre desfecho para aquela noite inusitada.
De volta para a sala da SSP, um colega conta um caso curioso, que ajuda a mostrar como a voz de Júlio realmente é marcante. Ele diz que quando era menino, nos anos 90, a sua mãe ligava o rádio para arrumar a casa e lá estava a vinheta dizendo “Júlio César”, e aquela voz ficou marcada em sua memória. Anos mais tarde, este garoto, agora experiente, não poderia imaginar que ia ouvir essa mesma voz em seu ambiente de trabalho, e ainda afirma reconhecê-la depois de muito tempo. Esse menino é um, dentre tantos, que cresceu ouvindo a voz de Júlio.
Júlio guarda suas relíquias com zelo e afeto. Foto: ( João Vitor).
Foto: (Gabriel Silva Santana).
O hobby de colecionar objetos se expande e vai para microfones, televisores, telefones, vinis autografados, fitas cassete, CDs e DVDs. Mesmo não sendo uma pessoa de sair muito, ele diz que adora passear no shopping, para ver o que há de novo nesse universo. Dá para perceber que ele ama o mundo das telecomunicações, da tecnologia e da música.
Júlio parece ter objetos de cada década de sua vida. As suas relíquias estão guardadas e organizadas em um quarto do apartamento que tem duas estantes e armários. É um verdadeiro acervo, que, além de preservar esses objetos, reserva espaço para crachás de trabalho, troféus adquiridos em seus longos anos de profissão, fotos em diversos álbuns, correspondências trocadas com amigos, cartas de fãs, placas de homenagens, recortes de jornais, livros, muitos autografados pelos próprios autores.
O fato é que Júlio guarda tudo com muito afeto e cuidado. Faz parte de sua rotina revisitar esse acervo, e assim poder reviver memórias ali presentes, estar perto de familiares e amigos que fazem parte delas.
Júlio guarda suas relíquias com zelo e afeto.
Foto: acervo pessoal
Júlio está até um pouco preocupado com o fato de seu HD, cheio de arquivos de sua trajetória profissional, estar com vírus, o que põe os riscos as suas gravações. Mas para ele isso não é problema.
O Imperador tem se dedicado para regravar, em seu computador, áudios de suas apresentações no rádio, registradas em fitas.
Ao final do nosso encontro, Júlio deu mais provas da sua simplicidade e gentileza ao nos servir com um lanche: água de coco, guaraná, amendoim, pastel, e o seu bolo predileto, de banana com canela. No momento da despedida, ele se colocou à disposição para nos levar até um ponto de ônibus mais próximo, porém decidimos solicitar uma viagem de carro por aplicativo. Não satisfeito, Júlio nos acompanhou até a portaria e só saiu de lá quando embarcamos.