Revelando histórias,
desvendando o invisível
Elias Santos, a vida como artista e como professor
Ao aprender a desenhar com as sombras da calçada, Elias sempre soube que seu destino estava conectado com o mundo da arte
Por Isabela Victória, Marina Menezes e Sabrina Hillary
As tardes de quinta-feira na Rua Dom Bôsco, no bairro Suíssa, parecem não ser acometidas pelo caos cotidiano da capital sergipana. Logo ao passar pelo portão de entrada da 745 Espaço de Arte, é perceptível a paz e o silêncio, apesar da quantidade de alunos presentes. Os barulhos mais marcantes da atmosfera do ambiente são o balanço das palmeiras e os sinos dos ventos, mas o que reina é a energia da conexão entre os artistas e suas obras.
O silêncio é quebrado por uma voz imperativa que nos chama para adentrar o espaço: é Elias Santos, professor e dono da escola de artes. Um dos seus alunos já tinha nos avisado - “Elias é sisudo” - e, ao nos acomodarmos no banco ao lado dele, constatamos que Elias é direto e objetivo: "E, então, querem que eu fale o quê?", pergunta. Em resposta, dissemos que queríamos saber um pouco de sua vida, ele nos conta de sua trajetória.
Sergipano de nascença, a história de Elias com a arte começou ainda na infância, época em que descobriu as calçadas do 18 do Forte, bairro em que morava, e as transformou em seus primeiros cadernos. Ao observar sua sombra na superfície, começou a riscá-las com giz e pedra calcária e nunca mais parou. Aprendeu a desenhar primeiro que escrever e fez do desenho a sua primeira caligrafia.
O artista e professor Elias Santos em seu ambiente de trabalho.
Foto: Isabela Victoria
No ensino médio, ganhou uma bolsa para estudar na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia como artista residente. Em 1990, foi agraciado com uma bolsa do governo americano para estudar desenho, gravura, escultura e pintura em Nova York. Posteriormente, ao retornar para Aracaju, sua cidade natal, firmou uma parceria com a Universidade Federal de Sergipe e, em conjunto com dois colegas, montou o projeto Núcleo A. Tornou-se funcionário do SENAC como professor de artes, concorreu em diversos editais e foi premiado em muitos, o que possibilitou a difusão da gravura sergipana pelo Brasil afora.
Em parceria com o Banco do Nordeste, montou um núcleo de gravura denominado Gravura de Inverno, que tinha como objetivo divulgar a cultura sergipana, suas raízes e ancestralidade. “Eu queria trazer naquelas xilogravuras essa cultura, essa herança, que tava tão apagada no nosso dia a dia da nossa pequena cidade provinciana”, explica. Para isso, Elias buscou patrimônios imateriais tais quais os grupos folclóricos e as personalidades sergipanas, as quais ele define como “heróis”, como por exemplo João Sapateiro, Zé Peixe, Dona Nabi e a velha do shopping. Também buscou referências físicas como as casas, as ruas, as fachadas e as cidades do estado.
O projeto possibilitou que muitos jovens sergipanos estudassem, descobrissem, cavassem a madeira e percebessem que a arte é uma possibilidade para o futuro. “De uma certa forma [a arte] estimula todo o processo criativo e permeia a vida das pessoas dentro de um norte no qual a arte é pura criatividade, invenção e reinvenção do cotidiano e da ressignificação das coisas, defende o artista. ”
Parede com placas decorativas representando algumas das viagens realizadas por Elias.
Foto: Isabela Victoria
O Elias artista é indissociável do Elias sujeito político e do Elias professor. Essas três dimensões de sua persona se manifestam em suas palavras e se materializam em suas obras. Em 2017, realizou a exposição Cinzentos com esculturas de cachorros vira-latas no papel de protagonistas. Ao ser questionado sobre o porquê dessa escolha, Elias elucida:
“Minha inspiração vem do cotidiano, vem do dia a dia. Atualmente eu vejo no cachorro vira lata uma grande possibilidade para questionar o desdenho das pessoas pelas pessoas, os seres que estão aí à mercê da vida, vencidos pelo dia a dia, o desalento, o esquecimento, e a miserabilidade que mais
cresce nesse brasil hoje, o cachorro vira lata é apenas um símbolo, é um suporte uma ferramenta de contestação”.
Elias faz questão de demonstrar seu firme posicionamento político. Sendo muito claro em suas ideias, manifesta sua posição e a sua perspectiva para esse ano de eleição, e declara que sua esperança é de que o fascismo não vingue esse ano.
Ao comentar sobre obras inspiradas na realidade, ele expressa o temor de viver tempos jamais esperados nos dias atuais. "Estamos entrando na época do absurdo e a história está se repetindo, por isso a arte tem que reagir. O medo volta a tomar conta de um povo oprimido, no passado, e que após vários anos de luta temem pelas usurpação de suas conquistas. Quando ouvimos ele contar de histórias de outros artistas e suas relações com a política, como por exemplo a obra de Francisco De Goya do fuzilamento, o 3 de Maio de 1808 em Madri, ele explica a visão socialista que a pintura possui. Elias menciona também a Guernica, pintura de Pablo Picasso, que faz um protesto contra os nazistas que bombardearam a cidade, que batiza o nome da obra, e massacrou centenas de pessoas, dentre elas, crianças e idosos.
Convite feito à lápis por Elias, feito em 2003, para participar das aulas no Espaço de Arte.
Foto: Isabela Victoria
Apesar da discrição em relação a sua vida pessoal, outra parte que transcende o artista, é o Elias pai. No espaço, é possível ver as pequenas marcas da presença de sua filha. O formato dos pezinhos carimbado com tinta azul de aquarela na parede. A escultura no formato do seu rosto com o broche de Lula no laço esculpido. Sapatinhos tamanho mini espalhados pelo ateliê. E, por último, o espaço de criança lotado de brinquedos com o quadro “Toda criança é um artista”, em destaque.
Entre tantas facetas, nenhuma parece ser muito simpática às câmeras: toda vez que percebe que está sendo filmado, Elias aparenta ficar um pouco desconcertado
A 745 Espaço de Arte é uma extensão do papel que Elias desempenha desde que era iniciante no mundo das artes. “Esse espaço eu sempre me envolvi com aula desde garoto, o espaço é compartilhado, eu socializo dois dias da semana para que as pessoas possam conhecer, despertar e produzir arte.”
Todos os seus alunos estão profundamente conectados com as suas obras. Em cada canto é desempenhado um papel diferente. Na mesa de entrada, dois alunos aprimoram suas técnicas de desenho. À esquerda ocorre o esboço de xilogravura para a etapa final de impressão. Já na direita, um homem desenha o rosto da sua esposa. Também é possível ver no cantinho, crianças chinesas esculpindo com argila, ao lado de uma senhora que está moldando uma silhueta. No fundo, um artista trabalha com aquarela e revela que está na escola há cerca de dois meses.
Pintura em seu ateliê, feita em azul com o pé da filha de Elias. Foto: Isabela Victoria
O ambiente é cheio de ornamentos que representam as conquistas de Elias, duas cravadas na parede, o da "Gravura de Inverno” e o “Projeto de Artes Plásticas”, no qual foi instrutor. Entretanto, apesar de exibir somente essas duas vitórias em seu espaço, o artista já ganhou mais de 20 editais da Fundação Nacional de Artes (Funarte), do Ministério da Cultura, do Banco Nordeste, da Universidade Federal de Sergipe, do Banese e do Senac. Também há uma parede somente com plaquinhas de viagens internacionais, que é motivo evidente de orgulho, pois conta que conquistou essas oportunidades de sair do país através da sua arte.
Apesar de ser um lugar extenso e com diferentes formas e expressões artísticas há um elo que liga todas elas: Elias Santos. É ele que circula nessas diferentes seções e incentiva seus alunos a saírem da zona de conforto. Além disso, a conexão entre o professor e o ambiente é evidente. O silêncio dominante combina com a calmaria do artista, que mantém o tom de voz ameno ao semear seus ensinamentos. O ateliê repleto de vestígios de xilogravura, pintura, escultura e aquarela, reflete a riqueza de conhecimento durante a sua trajetória.
Placas referentes às conquistas do artista: Gravura de Inverno e Projeto de Artes Plásticas. Foto: Isabela Victoria
A entrada do Espaço de Arte, local onde ocorre as aulas instruídas por Elias Santos. Foto: Isabela Victoria
Elias não demonstra ser apenas um simples artista, mas sim um grande ser humano. A despeito de qual seja o cenário político que vivenciamos, ele encoraja jovens, adultos, idosos, independente de sua idade a correr atrás de seus sonhos, de objetivos, de buscar mais de si e encontrar seu potencial. Finaliza sua fala nos motivando e mostrando estar cheio de vida quando nos diz: “Então questione, busque, faça, mostre, procure o máximo, viva o máximo que você puder dentro daquilo que você faz, se jogue nas suas ideias, porque de 22 anos para 30, é rápido demais. Se você tiver um espírito inquieto, você será um velho jovem, se você tiver um espírito muito morno, você será um jovem velho e, se você quando completar 40, continuar pensando igual quando tinha 22 , você perdeu 22 anos da sua vida. Eu não posso ter quase 60 pensando com a cabeça ainda de 40, nem de 20”.