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Edson dos Santos, o Miau:

o homem por trás dos símbolos

Quando um gato vira uma onça

Por Anna Marília Paiva

          Um gato miou em São Cristóvão, era 1975, ano em que chegava ao fim a Guerra do Vietnã, a primeira guerra com cobertura total da imprensa, com uma grande potência mundial derrotada, os Estados Unidos da América, algo improvável para um grande exército.

          A Guerra do Vietnã, foi a primeira derrota militar dos Estados Unidos, foi um momento muito humilhante para o país mais poderoso do mundo. 

O conhecimento do seu próprio território, da natureza e do clima severo, fizeram os vietcongues, atraírem as tropas americanas para diversas armadilhas na selva, derrotando facilmente o inimigo que era maior em tamanho, em um terreno desconhecido para ele.

          Assim é a história de Edson dos Santos, mais conhecido como Miau, onde o conhecimento de si mesmo e das suas habilidades, fizeram de um menino nascido de uma família humilde com oito irmãos, que chegou a dividir um único quarto para dormir, torna-se um dos maiores artistas autodidatas de Sergipe.

          Começou a trabalhar cedo carregando compras em supermercados e vendendo picolé para o sustento familiar.  A educação básica e as aulas de arte na escola, fizeram com quem descobrisse o maior dom da sua vida: a arte.

Independente como todo gato, logo cedo, aos 14 anos, foi contratado pelo Colégio Lavoisier como office boy, após pintar o muro da escola a convite de uma professora, e não parou mais.

          Além de fazer desenhos para as atividades dos alunos utilizando o mimeógrafo, uma antiga máquina de reprodução de informações, o que fez desenvolver o seu lado artístico, Miau foi tornando-se aos poucos, referência na área de pintura e decoração artística.

          O apelido “Miau” surgiu de uma forma inusitada e como quase todo apelido, inicialmente, foi rejeitado pelo artista.  “O Miau ele surgiu quando eu ainda criança, com 9 anos, é um apelido de infância. Naquela época, eu gostava de um gato, e um amigo do meu pai, foi passar uns meses na minha casa. Sempre que ele me via eu estava sempre estava com esse gato na mão, aí ele para brincar comigo, chegou e falou: “Rapaz, você anda tanto com esse gato, que só falta miar”. Ele que começou a me chamar de Miau e eu no inicio não gostava.  E apelido parece que é assim, quando você não gosta é que pega, e eu não gostava porque ninguém me chamava de Miau, mas ele me chamava de Miau. Meus irmãos, quando a gente tinha uns perrengues, diziam: “Sai pra lá Miau”. Os meus irmãos começaram a me chamar de Miau. E o apelido foi pra rua e os amigos todos começaram a me chamar de Miau. E o apelido foi para escola, quando chegou na escola se propagou de um jeito, que até na chamada da escola, o Miau começou a ir pra lá. Surgiu assim”.

          Quando perguntado se via características de um gato em sua pessoa, o artista ficou reflexivo e respondeu: “O gato se vira sozinho, e eu desde pequeno e jovem comecei a me virar sozinho, acho que talvez tenha uma semelhança, apesar de que nunca parei para pensar nisso”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

          Sempre buscando aprender e superar as adversidades impostas pela vida, Miau fez para uma carreira tendo como base a sua família. Atualmente, em seu negócio trabalha com irmãos, como Fábio que em meados de 2000, decidiu fazer desse irmão uma referência na área de faixas, uma moda da época.

Após uma crise no setor de pintura, com a chegada da impressora a laser e da plotagem, processo de adesivagem de imagens impressas, Miau perdeu mercado como pintor e teve que se reinventar enquanto profissional. “Vi vários amigos pintores que de repente estavam desempregados e tiveram que trabalhar como atendentes em lojas de sapatos, foi um período muito difícil”.

          Em um momento de tristeza, começou a buscar novas expressões artísticas, foi quando descobriu as artes em fibra de vidro. Aperfeiçoando o seu lado técnico e artístico sozinho, criou a sua primeira arte com a técnica, o personagem Mickey. Uma das principais características das suas obras é a ligação com a infância. Suas esculturas têm expressões faciais e em sua maioria são ligadas ao universo infantil, o que remonta a origem do artista e o descobrimento do seu dom na educação básica.

          Ao ser questionado sobre o autodidatismo e a falta de diploma superior, o artista fala que nunca sentiu vontade de estudar em uma faculdade, porque observa que muitos alunos e professores das universidades têm o conhecimento teórico, no entanto, recorrem a artistas autodidatas como ele. “Eu nunca senti o desejo de estudar uma faculdade, porque o que eu vejo é um distanciamento da universidade em relação ao mercado de trabalho, muitos que se formam lá em artes, design, vem atrás de mim, alunos da UFS e da Unit”.

          O artista tem várias de suas obras espalhadas pelo estado de Sergipe e em outros locais do Brasil. A maior escultura do mundo de Santa Dulce dos Pobres, localizada no Loteamento Oscar Niemeyer, é um novo cartão postal de Itabaiana, a terra dos caminhoneiros.

          Segundo o artista, existem artes de sua autoria em vários cantos do estado e, principalmente, na cidade de Aracaju, como o Parque da Sementeira, além de escolas particulares, estabelecimentos comerciais, shopping centers, entre outros. Na Orla de Atalaia, na capital, o artista também possui obras espalhadas em diversos restaurantes e hotéis. Ele afirma com convicção do seu profissionalismo, que hoje é uma referência em esculturas em fibra de vidro: “Eu me tornei uma referência. Hoje, a Orla de Atalaia, tem mais de umas dez esculturas minhas. Qualquer dia desses eu vou fazer um passeio, só para filmar. Muitas estão dentro de hotéis e restaurantes, não são obras públicas, mas você pode tirar fotos, se for ao restaurante.

          O apelido Miau e a transição do nome artístico de Edson para “Miau Arts”, aconteceu de forma não planejada, ao pintar uma onça e um tigre em um muro. “As grandes coisas surgem sem planejamento, da graça e vontade de Deus. Eu fiz um desenho de uma onça, um tigre no muro e não tinha espaço suficiente para fazer a assinatura, foi quando decidi usar o meu apelido de infância, o Miau, porque achava que o nome Edson não combinava com o desenho. Eu não assinei com o Edson, foi a primeira vez que assinei com o Miau, e o pessoal começou a me chamar para pintar, chamando de Miau, o que depois virou um símbolo. Apesar de que em alguns lugares relacionam o miau, o gato com ladrão, você ver o quanto o miau, se relaciona a mim”. 

          No entanto, ele fala que já teve pequenos problemas com o apelido, porque como as suas clientes em sua maioria eram mulheres donas de escolas, os maridos achavam muita intimidade, chamar um profissional de Miau. “A maioria das minhas clientes sempre foram mulheres, donas de escolas. E trabalhei muito com escolas, e normalmente, as donas de escolas são mulheres. Eu não me lembro de uma escolinha, que o dono seja um homem, as mulheres sempre abrem escolas, hotelzinho, essas coisas. Então, os maridos quando perguntavam, qual o nome desse profissional, e elas diziam Miau, questionavam as esposas: “Ele não tem nome não?” 

          Segundo o artista, seu apelido está tão ligado a sua identidade, que até o padre quebrou a liturgia do cargo em seu casamento, em 1998, e perguntou a sua esposa: “ Você aceita Miau, como seu legítimo esposo?”. Ele explica que o padre é seu amigo e a amizade surgiu devido sua participação nas atividades da igreja e que os convidados devido a cerimônia de casamento ser intimista e familiar, podiam estranhar que ele fosse chamado por Edson, em vez do apelido, inclusive a sua esposa. “O Padre é meu amigo, eu toco violão na missa, foi uma risada bem gostosa na cerimônia,  tinha muitos amigos no casamento, que me chamam de Miau, se ele me chamasse Edson, acho que até a minha esposa, ia dizer assim: “Eu não o conheço não”. 

          Por falar em amigos, Miau é considerado um excelente profissional e que precisa de mais reconhecimento. É o que afirma a sua vizinha, Edileusa  da Conceição Santos, dona de um estabelecimento comercial da região: “Miau é um grande artista plástico, engraçado, que atende todo mundo bem, aqui na comunidade ele é uma pessoa maravilhosa. Eu quero que ele seja feliz, a família dele e os empregados dele. Ele merece mais reconhecimento em Sergipe, porque ele trabalha bem, faz desenhos bonitos, tenho uma mercearia e vejo quando ele passa com o carro com as obras para entrega”. 

          Seu irmão Edmilson Santos, também afirma que o mesmo, necessita de mais reconhecimento.“Ele é um bom profissional, que merece mais reconhecimento, porque o talento dele são poucos artistas que tem por aqui, ele é uma pessoa muito talentosa. Miau é uma pessoa muito talentosa e pouco conhecido, que merece mais espaço”.

          Além do lado artístico, Miau também tem um lado gestor. Ele é pontual em seus compromissos, tem o registro de Micro Empreendedor Individual (MEI), conhecimento de fluxo de caixa, logística das matérias primas, e ficou em 1º lugar em um Edital da Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (FUNCAP), em parceria com o Governo Federal, sendo contemplado com um prêmio de 100 mil reais. “Eu sou MEI, micro empresário na área de artes, até na Prefeitura quando vou tirar nota fiscal, no CNPJ, tem restauração de obras de artes”.

          O símbolo da microempresa Miau Arts é uma patinha de gato. Segundo o artista, pintor  e  escultor, a escolha do símbolo foi motivada pela facilidade de interpretação das pessoas e impressão de documentos. "Aquilo que eu não gostava se tornou uma marca, eu usei uma patinha de gato porque quando eu assinava a arte, eu não podia usar um desenho como uma onça e o meu nome ‘Edson Santos’, era grande para alguns espaços. Na época que escolhi o símbolo, eu pintava muito muros, aqui no Augusto Franco, vivia disso praticamente”. Atualmente, o seu galpão de artes e esculturas está localizado na  Rua Professor José dos Santos, no Conjunto Augusto Franco, bairro Farolândia, Zona Sul da capital. 

          Miau acredita que o dom e vocação surgem naturalmente e que o crescimento profissional também é algo natural. “Quando uma pessoa descobre o seu dom e o seu talento, quando ela está na profissão certa, o crescimento é natural. Se você tem um dom para uma coisa e faz outra, você fica parado, não tem como se desenvolver”.

          E assim, terminamos essa história real, de quando um gato vira uma onça.

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Edson dos Santos em seu galpão com uma das obras produzidas.
Foto: Anna Marília

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Artista Miau em processo de produção. Foto: Anna Marília

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