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Foto: Bruna Mota
A asfixia dos mangues pela expansão urbana
No decorrer de 200 anos desde a independência do Brasil, os manguezais passaram de abundantes nos litorais para pequenas áreas espalhadas pela região
Bruna Mota, Isabela Silva e Yure Pio
Em Sergipe, até 2013, a área de mangues era de 256,26 km² o que equivale a 1,17% do território sergipano, de acordo com dados da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema). Apesar de não ser possível ter a dimensão atual, por causa da falta de atualização dos mapeamentos, é possível observar a invasão humana nos bairros que anteriormente eram manguezais, como Bugio, Coroa do Meio, Jardins e Porto Dantas.
A região do Shopping Riomar, no conjunto da Coroa do Meio, por exemplo, era uma área dominada por manguezais. Na década de 1980, houve uma forte expansão urbana e a área verde foi devastada para dar lugar ao comércio e
Foto: Bruna Mota
Expansão urbana nos manguezais do conjunto Jardins.
construções da região. Não foi a primeira ação humana nos mangues, mas o tamanho da área destruída foi tão grande que essa agressão ambiental pode ser considerada como a primeira impactante da época.
Coroa do Meio antes e depois do aterro 1980.
Quem é o culpado?
Aracaju foi uma das primeiras capitais a serem projetadas no país, em 1855. No entanto, da forma que o projeto foi conduzido, não houve estudos o suficiente para saber se o modelo escolhido era compatível com o terreno aracajuano. Ela foi desenhada pelo engenheiro Sebastião José Basílio Pirro para se assemelhar a um tabuleiro de xadrez, com linhas retas e quarteirões simétricos. O planejamento deveria fornecer um equilíbrio entre as áreas urbanas e a área verde da região, mas os mangues acabaram sendo os mais prejudicados.
Com essa falta de equilíbrio, é complicado afirmar que Aracaju é uma capital projetada; na verdade, ela foi desenhada e construída a partir disso. “Ela foi planejada porque ela foi desenhada, mas ela deveria ter atrelado alguns outros conceitos e diretrizes para, por exemplo, ter um crescimento mais coerente a exemplo da questão dos manguezais", explica o arquiteto e urbanista Ricardo Mascarello, que também é representante do estado no Conselho Federal de Arquitetura.
Segundo dados da Prefeitura de Aracaju e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Aracaju teve um crescimento populacional de 497,8% nos últimos 60 anos, representando um aumento de 560.114 pessoas. Com esse aumento populacional significativo, a cidade não possuía estrutura urbana para comportar seus habitantes e os mangues tiveram que ser diminuídos para que obras pudessem ser construídas.
Morte nos mangues
Esse conjunto de fatores entre a falta de planejamento urbano e o aumento populacional na capital torna a expansão urbana sem limites geográficos. Assim, com uma cidade cheia e sem estrutura adequada, os mangues acabam sofrendo também pela poluição humana. Diversos canais de esgotos espalhados na capital deságuam diretamente nos rios, como é o caso dos canais na Treze de Julho, que vão para o Rio Sergipe.
Aumento populacional de 497,8% em Aracaju. Fonte: Prefeitura de Aracaju e IBGE. (Arte: Bruna Mota)
Foto: Bruna Mota
Esgoto sendo despejado nos mangues no conjunto Jardins.
A fauna presente nos manguezais também é prejudicada, tanto com a diminuição das áreas quanto com a poluição causada pela expansão urbana. Na região, é possível encontrar de espécies nativas, como os caranguejos e ostras, a animais que apenas passam um período de tempo, ambos dependentes na sobrevivência e reprodução. Quando a área de manguezal é diminuída, também são reduzidas a capacidade de produzir alimento e a qualidade, ao contaminá-lo com esgoto doméstico e industrial.
Myrna Landim, professora aposentada e voluntária no departamento de biologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), explica que os impactos da destruição dos manguezais também atingem a vida da população. “Os impactos dos manguezais se representam na fonte de alimento para a população local, então a pessoa pode não ter dinheiro para comprar um frango ou carne, mas ele vai na maré e pega um sururu, um siri ou um caranguejo”.
Outra função dos mangues é ajudar na proteção do litoral, funcionando como uma barreira entre o rio e a cidade. Mas com o avanço urbano e a diminuição das áreas de manguezais, essa defesa se torna inexistente e isso ocasiona problemas na cidade. Sem essa proteção, a cidade fica exposta a erosões devido às ondas fortes que atingem a costa. A Orla da Treze de Julho, por exemplo, foi criada como medida paliativa para as erosões que corroíam as vias e a calçada da avenida.
Foto: Yure Pio
Redução na região da praia da formosa na Treze de Julho.
A quem recorrer?
Desde a Lei nº 2.683 de 1988, os manguezais são Áreas de Preservação Permanente (APP) e garantir a sua proteção deveria ser função do poder público. Atualmente, Aracaju possui quatro dessas áreas: rio Sergipe, rio Poxim, rio do Sal e Zona de Expansão, mas com a baixa fiscalização e mapeamento ineficaz, essa delimitação geográfica é superficial. Por haver essa falha, as Organizações não governamentais (ONGs) surgem como um suporte alternativo, realizando o replantio de áreas de difícil acesso como forma de reagir à agressão humana.
A população também pode contribuir com a fiscalização, como diz Lucas Cardinali Pacheco, vice-presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Uma vez não sendo observadas as premissas legais, a população deve denunciar aos Órgãos de Controle, a exemplo dos Ministérios Públicos, estadual e federal, Câmara de Vereadores, IPHAN, para citar alguns, e até mesmo à OAB, a fim de adotar as medidas legais que couberem”.
O Instituto Canto Vivo atua no replantio dos manguezais nas áreas que foram degradadas na capital, como é o caso da
Foto: Instituto Canto Vivo
Ação de plantio na Praia Formosa.
Orla da Praia Formosa. Eles tentam promover essas ações a cada dois ou três meses, mas sentem dificuldades no terreno e na participação da população. “Lá está bem degradado, tem uma área que é impossível fazer o plantio no momento. Sempre que fazemosplantios novos, todas as mudas morrem. Não tivemos sucesso em nenhum momento”, explica a diretora financeira Anna Catarina Nogueira da Fonseca.
Mesmo 200 anos após a independência, o Brasil continua dando indícios de retrocessos, destruindo o que deveria proteger. A realidade dos mangues é cruel, assim como qualquer devastação do meio ambiente. No final, todos perdem. Seja a população com recursos vitais; sejam os animais que perdem sua casa; seja o próprio mangue, que não tem como se defender.