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Foto: Gabriel Silva

Analfabetismo no Brasil: o retrato do atraso

Apesar de índices em queda, caminho para erradicação do problema ainda é longo

Gabriel  Silva, João Vitor e Viviane Silva

No último dia 08 de setembro foi comemorado o Dia Mundial da Alfabetização. A data foi  criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como forma de defender a importância da alfabetização para  o desenvolvimento econômico e social do mundo. Esta data simbólica poderia ser um sinônimo de grande avanço, mas, para a realidade brasileira, isto está longe de ser alcançado.

No Brasil, a data pede mais reflexão do que comemoração. Segundo dados mais recentes sobre o analfabetismo no país revelados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 o Brasil possuía cerca de 10 milhões de pessoas acima de 15 anos que não sabiam ler nem escrever, o que representava 6,1% da população. De 2020 para cá, com o atraso na realização do Censo, não houve atualização dos dados, então o cenário pode ser pior do que os números indicam.

O professor do departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe, Neilson Menezes, analisa de forma negativa o cenário dos indicadores do analfabetismo no Brasil. “Mesmo comparando com países da América Latina, o número [de analfabetos] é muito grande. Nós temos uma herança histórica e um descaso com o processo educativo do Brasil [...]”, avalia.

No Brasil, apesar da queda sutil nos índices dos últimos anos, a realidade do analfabetismo é complexa e reflete as desigualdades regionais, sociais e econômicas consolidadas no país.  Em relação a Sergipe, o estado apresenta a taxa de 12,6% , similar à taxa do nordeste, e dessa forma carrega marca negativa de ser o 6° maior índice do país.

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Arte detalha últimos  índices do analfabetismo no Brasil, além dos  percentuais por região e destaca o índice de Sergipe. Fonte: IBGE. (Arte: João Vitor)

Quando observado o percentual por região, percebe-se que o índice no nordeste é 4 vezes maior do que o eixo sul-sudeste. O professor de Geografia explica que esta diferença é fruto da falta de políticas capazes de reduzir estas desigualdades.

Professor Neilson explica diferenças percentuais entre os índices do nordeste e do eixo sul-sudeste.

Consequências de um passado sem oportunidades

Em 2014, durante a gestão de Henrique Paim, no governo Dilma Rousseff, o Ministério da Educação estabeleceu o Plano Nacional de Educação. O plano definiu algumas metas a serem cumpridas para o setor até 2024, entre as quais, a meta 9, que prevê a erradicação do analfabetismo. Segundo o professor Neilson, a meta do Plano na época de sua proposição era plausível de ser executada, mas alguns fatores sociais e econômicos implicaram em seu atraso. “O plano tinha uma meta possível mas exigia um esforço grande. Nesse último governo não teve os investimentos necessários, e a pandemia foi um entrave para que não tivesse o avanço”.

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A arte mostra as principais ações da Meta 9 do Plano Nacional de Educação, que, em geral,

prevê o fim do analfabetismo. 

O professor compreende ainda que se o Plano tivesse sido desenvolvido de forma efetiva, o analfabetismo no Brasil deixaria de ser uma realidade negativa. “O analfabetismo é uma praga que deveríamos ter eliminado há bastante tempo. Pelo planejamento feito para 2024, era para estar sendo erradicado, mas estamos vendo que não se dá atenção para isso. É preciso ter uma parceria entre o setor privado e a sociedade civil e ter investimentos na área de indicadores para melhorar os indicadores e melhorá-los”, reforça.

O fato de haver um Plano Nacional explica a necessidade de um olhar mais profundo sobre o tema. Em um país com ampla desigualdade social, em que cerca de 63 milhões de pessoa não tem renda mensal acima de 497 reais e estão dentro da linha da pobreza, de acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas,  parcela da  população não tem acesso aos estudos ou por muitas vezes precisa abandonar a escola para poder se dedicar a outras prioridades de momento.

Um exemplo disso é Damiana Silva, de 35 anos. Moradora de São Cristóvão, cidade vizinha à capital Aracaju, que atualmente trabalha como babá e é mãe de duas filhas, relata que a maternidade foi o principal motivo para que ela deixasse os estudos e crescesse sem um nível básico de educação. “Casei aos 13 anos, engravidei aos 15, então, ou estudava ou dava comida à minha filha. E eu preferi ela”, relata. Atualmente, Damiana é aluna do Colégio Estadual Armindo Guaraná, em São Cristóvão, pelo programa Educação para Jovens e Adultos (EJA). Ela diz que decidiu voltar a estudar por vontade própria e também para não depender de terceiros em questões pessoais. “É chato estar precisando dos outros e ficar pedindo ‘leia isso, mande áudio' ”, desabafa.  

A estudante disse ainda ter tido muitas dificuldades para encontrar trabalho e comenta que  perdeu oportunidades pelo fato de não saber ler ou escrever. “A minha sorte é que o que vier eu pego. Nesse ponto, eu ganhava muito, porque as pessoas queriam gente de atitude e é o que eu mais tenho”. No entanto, Damiana lamenta não ter tido a oportunidade de continuar os estudos. “Se eu tivesse estudo, seria muito feliz, porque sem isso não somos ninguém. Antigamente eu não pensava assim, mas agora eu sei o que é”, comenta.

Damiana comenta o que mudaria em sua vida se tivesse continuado nos estudos.

A falta de acesso à aprendizagem também causou dificuldades a Dona Josinete de Sousa Silva, de 47 anos. Ela viveu toda a sua infância na zona rural de Poço Verde, no centro-sul de Sergipe, a cerca de 150 km da capital. Por conta das dificuldades financeiras que a família enfrentava, Josinete não tinha tempo para estudar, pois tinha que ajudar o seu avô na roça. “Naquele tempo, era complicado de estudar, pois, quando criança, o acesso à escola e a falta de dinheiro para comprar material acabavam atrapalhando”, comenta Josinete.

Josinete, que foi mãe aos 18, conta que ter filhos muito cedo foi um fator que contribuiu para que ela não voltasse a estudar. “Trabalhar ajudando o meu avô na roça era muito cansativo e ganhava muito pouco por isso. Então, quando fiquei maior de idade, resolvi sair de casa na zona rural e ir para a ‘rua’ trabalhar como diarista”, conta.

Quando questionada sobre como a falta dos estudos fez na vida dela, Josinete afirma que esse fator a prejudicou e se diz arrependida por não ter voltado a estudar quando mais jovem. “É muito ruim depender dos outros para poder fazer algo que envolva leitura, como por exem-

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Foto: Gabriel Silva

Dona Josinete é mais um dos exemplos de pessoas que tiveram dificuldades por não saber ler ou escrever.

plo fazer compras, mandar uma mensagem no WhatsApp, ou ter que colocar a digital no lugar da assinatura”, explica.

O que chama atenção de comum entre as entrevistadas é que ambas lamentam principalmente o fato de depender de outras pessoas, sejam parentes ou amigos, em questões simples referentes ao dia-a-dia.  Não saber ler ou escrever tira diversas oportunidades e prejudica aspectos essenciais da vida, como o direito à liberdade ou ser independente. Ao contrário de Dona Josinete, Damiana enxergou nos estudos uma forma de reverter. E isto só está sendo possível graças à EJA.

EJA - Política para erradicação do analfabetismo

Diferentes políticas públicas educacionais foram criadas para alavancar os índices de alfabetização no Brasil. A Educação de Jovens e Adultos (EJA), criada em abril de  2007 durante a gestão do Ministro da Educação Fernando Haddad no governo Lula, surgiu com o objetivo de permitir o acesso à educação para as pessoas que não tiveram oportunidades de estudar na idade correta. Diferente de antigos supletivos como o Mobral, que foi extinto pelo fato de que era colocado como um programa ideológico, no qual apenas visava ensinar ler e escrever e não se preocupava com a formação do aluno como cidadão, a EJA continua sendo aplicada por todo o país. Segundo o Censo Escolar da Educação Básica realizado em 2019, o programa soma mais de 3 milhões de alunos matriculados.

Já em Sergipe, segundo o Censo Escolar do IBGE, em 2021 foram registradas 41.648 matrículas no EJA.  Instituições como o Centro de Referência Severino Uchoa, em Aracaju, e o Colégio Estadual Armindo Guaraná, localizado em São Cristóvão, recebem esses alunos. No Centro de Referência, o programa é aplicado do ensino fundamental ao ensino médio. Já o Colégio Armindo Guaraná aplica o EJA a partir do fundamental 2. Mesmo com as diferenças existentes, compreende-se que as instituições têm em comum o objetivo principal desta política pública: proporcionar o acesso à educação a todos e erradicar o analfabetismo.

Para Kiara Roqueline, coordenadora pedagógica do EJA do Colégio Armindo Guaraná, a importância desse programa educacional está ligada ao fato que ele tem acolhido as pessoas que não conseguiram terminar seus estudos na idade adequada. "Temos alunos aqui de toda a idade, 'menino' de 15 anos, que ficou muito tempo repetindo ano no regular [...]. Temos também mães de família, avós, senhoras de 70 anos que terminaram o ensino médio completo e ingressaram na Universidade", comenta.

Além de ajudar na conclusão dos estudos, o EJA também é um instrumento que auxilia àqueles que não conseguiram nem sequer ser alfabetizados de fato, como é o caso de alunos que estudam no Centro de Referência de EJA.  A partir do processo de alfabetização, muitos estudantes podem experimentar novas sensações, como é o caso de ter sua autoestima renovada através do que vem apreendendo, como explica a coordenadora pedagógica do Centro de Referência, Wladilma Correia. "Nós temos alunos praticamente analfabetos, que nem escrevem o nome direito, e quando a gente vê esse aluno progredir , você já vai sentindo a diferença na autoestima", aponta.

O EJA, considerado um dos instrumentos essenciais para a luta contra o analfabetismo no país, e a adesão das pessoas em relação a esse programa possibilitam que a educação chegue a todos de forma igualitária, pois não há limitações para o conhecimento. Todos, independente da idade ou classe social, podem ter acesso ao conhecimento, como relata Coriolano Oliveira, professor de Filosofia e Sociologia no EJA do Armindo Guaraná. "Estou  sempre motivando os alunos, mostro para eles que o conhecimento não é limitado”.

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Foto: Gabriel Silva

O programa é um dos principais instrumentos que visam reduzir o número de pessoas que não sabem ler ou escre-

Wladilma é coordenadora da EJA do Centro de Referência Severino Uchoa a cerca de um ano.

ver. Contudo, o caminho para erradicar ou reduzir o analfabetismo  no   Brasil   é  longo   e   ainda  apresenta bastantes  desafios.  A  pandemia  e  os  cortes na educação foram alguns fatores que causaram atraso no cumprimento das metas do PNE, que vai até 2024. Mas, não dá para negar que o cenário do analfabetismo no país preocupa e é preciso maior atenção para que este atraso educacional não se estenda e leve consequências para futuras gerações.

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