Quem passa pela frente do prédio do Museu do Mangue, no bairro Coroa do Meio, muitas vezes, nem sabe que aquela construção era para ser realmente um museu. O local está com várias pichações, estrutura depredada, tapumes nas janelas para tentar tapar os vidros quebrados e um cenário de total abandono do espaço. O projeto que começou com o intuito de fortalecer à região nunca funcionou efetivamente.
Em novembro do ano passado, o Ministério Público Estadual (MPE/SE) entrou com ação civil pública para obrigar a Prefeitura de Aracaju a adotar medidas para revitalizar o espaço. O processo, contudo, está parado porque houve troca do promotor responsável, que ainda está se inteirando do caso, segundo informações obtidas junto à Promotoria de Meio Ambiente. A ação pede também que equipamentos de segurança sejam instalados para que o museu funcione da forma segura.
Construção
Aracaju é uma cidade na qual os mangues fazem parte de sua história. Em 2010, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Aracaju e o Ministério das Cidades deu início a um projeto que visava incentivar e preservar as áreas de mangue ainda existentes, além de, consequentemente, revitalizar o bairro onde seria instalado. Foi assim que surgiu a ideia do Museu do Mangue, localizado na Avenida Desembargador Antônio Góis, bairro Coroa do Meio.
À época da sua construção, em 2010, a prefeitura informava, em seu site, que o projeto teria “ponto de atração turística diferenciado, oferecendo trilhas sobre passarelas, degustação de comidas típicas, passeios contemplativos, competições, etc”. Destacava ainda a criação de empregos, “em função do desenvolvimento de uma série de atividades educativas, artesanais, culturais, turísticas, gastronômicas, comerciais e recreativas”. A consciência ecológica, a população e a memória de Aracaju estavam no centro do projeto.
No dia 23 de junho de 2011, um ano depois do início das obras, um incêndio deu fim ao pouco até então existente. A inauguração de fato nem chegou a acontecer e o local se tornou abandonado.
Seu José Reis dos Santos é presidente da Associação de Pescadores da Coroa do Meio e mora no bairro desde 1986. Conhecido pela comunidade como Irmão Reis, ele conta que desde o começo da construção do museu, dialoga com a prefeitura e alerta sobre a falta de planejamento das gestões. “Eles fizeram a estrutura, que era muito bonita, não entregaram a ninguém e não inauguraram, então os vândalos acabaram com tudo. Está tudo destruído. O poder público não tem interesse de colocar realmente para funcionar”, afirma.
Primeira reforma
Em 2017, sob gestão da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema), obras foram feitas nos quiosques e banheiros da estrutura. Segundo a prefeitura de Aracaju, em matéria veiculada pelo site oficial da instituição, “a reforma estava sendo feita com o objetivo de dificultar as ações de vandalismo”.
Primeira reforma do museu, em 2017. (Fotos: Ascom/Emurb)
Um total de R$ 432 mil foram investidos e o Museu do Mangue poderia então funcionar. Nessa época, a comunidade promoveu eventos culturais e chegou a fazer uso da estrutura instalada. Irmão Reis conta que mesmo com a depredação no espaço, feirinhas de artesanato foram organizadas e começaram a gerar renda na região.
No entanto, a movimentação no espaço público não durou muito tempo. O porquê disso? Irmão Reis responde prontamente. “Acho que ali agora só funciona com a Força Nacional. Ficava só um guarda tomando conta, é claro que não ia dar certo”, diz.
Insegurança na região
O abandono do espaço afastou a população e o local se tornou ponto de vandalismo e de tráfico. Segundo o MPE/SE, em nota veiculada pelo Portal A8SE, nem quem deveria fazer a segurança estava se sentindo seguro na região. Em 2017, a Guarda Municipal reconheceu o problema e informou que os próprios guardas estavam recebendo ameaças.
“A prefeitura faz a obra para a comunidade e a comunidade precisa ter consciência e tomar conta. É um conjunto entre governo e moradores. Eu tento conversar com os jovens para que eles entendam isso. Quando cheguei para ser presidente da associação, isso aqui era só ponto de drogas. Eu fui devagar conversando com eles e explicando que precisávamos cuidar”, explica José Reis.
Tamires Bezerra, 28, é moradora da Coroa do Meio desde que nasceu. Pra ela, o museu seria ótimo para movimentar a região, porém a violência no local desestimula o desenvolvimento do projeto. “No começo, a comunidade achou bacana, só que aqui tem muito crime e as pessoas ficam com medo. Começou a ter briga, já teve troca de tiro, então o pessoal da feirinha desistiu. As pessoas daqui não se sentem à vontade e nem vem gente de fora porque a situação da segurança é horrível”, conta.
Revitalização do Museu
A terceira chance para o local chegou no final de 2018 com uma ação civil pública ajuizada pelo MPE/SE contra a Prefeitura de Aracaju e a Empresa Municipal de Obras e Urbanização (Emurb). Em reportagem veicula pelo Portal Infonet, a situação descrita pelo MPE/SE foi de que “a área se encontra em péssimo estado de conservação e sem segurança, necessitando de urgentes medidas de preservação”.
Em contato com a Assessoria de Comunicação da Sema, a informação recebida é de que realmente existe um plano de revitalização em andamento, que envolve diversos órgãos da gestão de Aracaju, como Emurb, Guarda Municipal e Secretaria de Segurança Pública. Porém, não foi possível marcar entrevista com o atual secretário - Augusto César de Mendonça Viana – nem com algum representante porque o caso ainda estava em aberto. Também foi pedida nota de esclarecimento que pudesse responder à algumas dúvidas, porém não foi enviada.
Até hoje, não se sabe ao certo quando que o museu vai funcionar plenamente. Questões como inauguração e acervo ainda são desconhecidas até mesmo pela gestão do órgão, e há dúvida se realmente o espaço será aberto. Mas essa informação não foi esclarecida pela Prefeitura de Aracaju.
Enquanto isso, a população segue no cotidiano de estruturas vazias e a única memória ali presente é a dos vários incidentes. Um espaço que deveria servir para lazer e preservação ambiental – e também cultural – está destruído e passa longe de cumprir com seu objetivo.
“É difícil, mas eu ainda acho que alguma coisa boa vai sair dali, sabe? A gente, enquanto morador, não pode perder as esperanças. O Museu do Mangue segue sendo uma luta, mas nada acontece de forma fácil, então quem sabe se daqui a alguns anos esse espaço não vai estar cheio de novos turistas. Seria muito bom”, afirma Irmão Reis.
Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado II - 2019.1
Repórter: Letícia Nery
Orientação: Prof. Josenildo Guerra
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