top of page

Foto: Lucas Lima

Eu te aceito, mas não prometo respeito

Diariamente, professores  LGBTQIAPN+ precisam lidar com o preconceito velado sofrido dentro das escolas por parte dos  colegas, funcionários, alunos e pais

Lucas Lima, Maria Letícia e Taís Felix

Velado. De acordo com o dicionário da Oxford Languages, a palavra significa, no sentido figurado, algo que se encontra encoberto, tapado ou escondido. Já a junção das letras LGBTQIAPN+ forma a sigla que abrange pessoas que são lésbicas, gays, bi, trans, queer/questionando, intersexo, assexuais/arromânticas/agênero, pan/poli, não-binárias e mais. “Velado” e LGBTQIAPN+ se estranham em seus significados, mas foram unidas socialmente, perpetuando o tipo de preconceito que parece ser mais visível contra pessoas LGBTQIAPN+. 

Optar por iniciar o texto com o verbo velar não foi em vão. Foi por perceber nas entrelinhas das falas das professoras e professores entrevistados o quanto eles procuram entender ou relativizar a violência psicológica e a repressão vivenciada no ambiente de trabalho.

FOTO 1. ANTONIA IVA É CASADA HÁ 10 ANOS (ARQUIVO PESSOAL).JPG

Foto: arquivo pessoal

Casadas há dez anos, as professoras são assumidas no ambiente de trabalho.

Se for competente, tem o direito de ser lésbica 

A professora Antônia Iva Ferreira, à esquerda, que é uma mulher lésbica, escancara a homofobia velada ao precisar dizer que se considera uma mulher muito competente e que é reconhecida pelos demais colegas pelo seu profissionalismo antes de relatar suas vivências como docente LGBTQIAPN+. Talvez você não entenda o peso da frase ‘eu sou uma mulher considerada competente e comprometida’, porque ela não é apenas um estado de autoafirmação e auto reconhecimento. É, na verdade, uma forma de se precaver e se munir dos preconceitos.

Pois, fazer parte da comunidade LGBTQIAPN+ é crescer sabendo que vai precisar ser duas ou três vezes melhor. Nesse caso, “melhor” no sentido intelectual, que é uma das poucas formas de rebater a homofobia. Não é por acaso que a professora destaca que não há total aceitação, mas há o respeito por causa da sua condição hierárquica. “Como membro da comunidade LGBTQIAPN+, é sempre necessário apresentar nossa história pelo início, porque qualquer que seja nossa capacidade, competência e caráter, precisa ser antes comprovada, validada pela heteronormatividade, para que a gente possa ser aceita ou tolerada”, explica.

No colégio, os colegas de magistério têm falas sutis envolvendo homofobia e Antônia acaba convivendo com reclamações sobre o porquê de tantas palestras sobre assuntos voltados ao público LGBTQIAPN+, além das piadas ditas na sala dos professores e as recusas para participar das discussões. E nem sempre a homofobia é praticada com sutileza. Quando ela chegou à escola, escutava os pais dizerem que iriam tirar suas filhas de lá, porque estavam na sala de aula de uma lésbica. Às vezes, algumas famílias ficavam na porta da sala durante o expediente, como se a professora fosse cometer algum erro devido a sua orientação sexual.

Por esse motivo, quando formalizou seu relacionamento com outra mulher, nenhum dos seus colegas de trabalho estavam presentes na cerimônia. No outro dia, após o casamento, uma professora religiosa a surpreendeu. “Ela me disse a frase mais acolhedora que recebi da escola e de alguém fora da comunidade; contou que viu a nossa festa pelas redes sociais, gostaria de dizer que quem julga é Deus e só queria desejar felicidades e me dar um abraço”, relata.

FOTO 2. Esteriótipos foram reforçados a partir da sua roupa. (Arquivo pessoal).JPG

Foto: arquivo pessoal

Esteriótipos foram reforçados a partir da sua roupa.

Com essa roupa, a estagiária deve ser “sapatão”

Para quem está a um passo de ser efetivada como professora, a realidade não é diferente. Alguns professores, que deveriam agir em posição de orientação e acolhimento, optam por reprimir até os próprios estagiários, que precisam lidar não só com o nervosismo de pôr em prática toda a teoria estudada no curso, mas, também, com a falta de empatia e respeito dos seus superiores.

A estudante de Letras-Português da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Gabriele Cabral foi estagiária no ensino fundamental maior e não precisou falar abertamente sobre ser lésbica. Com ela, o preconceito foi mais sutil: os julgamentos foram baseados no estilo de roupa que ela vestia. Gabriele descreve seu estilo como neutro, com peças que ela escolhe a partir da afinidade e não por convenções sociais de feminino e masculino. E, devido a esses comentários, ela teve receio de falar da sua orientação. Após reflexão, a estudante percebe que houve, sim, uma pressão para ser mais discreta.

Para ela, o problema está na gestão escolar, que não está preparada para debater o assunto, por falta de diversidade no ambiente e por colocarem crenças pessoais acima do direito e liberdade universal. Ouvir histórias sobre professores que foram demitidos por serem gays ou lésbicas a assustam e destaca que a Educação ainda tem muito que evoluir no quesito de inclusão e naturalização do indivíduo gay. Contudo, mesmo com tantas barreiras, a discente é firme e declara que não vai aceitar a homofobia que poderá sofrer em breve.

A jovem ainda traz um ponto importante: como proceder para uma possível denúncia. Como juntar provas de algo que não é feito de forma direta, palpável ou vista a olho nu? Como ter argumentos e materiais suficientes para expor o crime?

Sem provas, sem direitos

Nesse aspecto, o professor de literatura João Oliveira*, 32, relata que já pensou em procurar um advogado para processar a direção de uma escola em que foi funcionário.

Ele não postava fotos com seu companheiro nas redes sociais e nem permitia que alunos, pais ou servidores do colégio os seguissem no instagram ou qualquer outro meio social virtual, para evitar burburinhos sobre sua vida pessoal e uma possível demissão. 

Só que, num certo domingo, uma aluna estava no mesmo restaurante que ele e seu esposo, e, de forma bem direta, ela perguntou se eles eram um casal. No susto, ele respondeu que sim. Dias depois, o docente foi chamado para uma reunião em que ele deveria prometer que jamais deixaria que algum aluno notasse que ele era gay ou seria demitido por justa causa, por não obedecer às regras de conduta da instituição.

Mas, infelizmente, com o constrangimento da situação, ele não soube como seguir adiante para uma denúncia, porque não via meios de provar que estava sendo reprimido e violado. Por isso, após conversar com o marido, decidiu dar adeus à empresa. “E mais uma vez a prepotência social adquirida pela população hétero venceu. Mais um professor gay não soube como vencer o preconceito”, desabafa.

1.png
2 (1).png

(Arte: Lucas Lima)

Decidi deixar claro que sou gay. Quem liga?

Por mais que o preconceito seja diário e tente invisibilizar os professores LGBTQIAPN+, muitas vezes ser esse professor é o único meio que os alunos com orientação sexual não-heteronormativa têm de representatividade e de espaço de afeto e compreensão. E, esse lugar de ser o representante de um lugar de acolhimento e inclusão é o vencedor no quesito “lado positivo” de enfrentar a homofobia e escolher não ser discreto em sala de aula, de acordo com os docentes entrevistados, mesmo sofrendo represália.

Assim, o estudante de licenciatura de biologia da UFS Thaynan Fraga e o pedagogo Gibaldo Souza falam das suas experiências como professores gays assumidos e suas trajetórias em sala de aula, confrontando a homofobia velada sem esconder quem são. 

bottom of page